Acórdão nº 0847944 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução11 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 7944/08-4 Relator - Ernesto Nascimento.

Processo comum singular .../02.4TAPVZ do .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa do Varzim Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I.1. No processo supra em epígrafe identificado, foi o arguido B.........., condenado, na parte criminal: pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 105º e 107º do RGIT, Lei 15/2001 e artigos 30º e 77º C Penal, na pena de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos, com a condição de o arguido pagar, neste prazo, à Administração Tributária o montante devido; na parte cível: a pagar solidariamente com C........., Lda., ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, a quantia de € 88.660,15, acrescida de juros de mora, a contar da data da notificação das arguidas, e até ao seu efectivo pagamento, à taxa legal que em cada momento vigorar.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs o arguido, recurso, sustentando as seguintes conclusões: 1. nos termos do despacho de pronúncia, os arguidos foram acusados de a sociedade arguida ter procedido a "retenções na fonte da percentagem legal sobre as remunerações dos trabalhadores nos meses de Abril de 1998 a Dezembro de 1998 e referente aos membros dos órgãos estatutários relativamente ao período de tempo compreendido entre Abril de 1999 e Julho de 1999 a Junho de 2001, no valor de 88.660,15 € e sem que tenha procedido à entrega nos cofres do Estado das quantias retidas"; 2. pese embora o teor explícito da pronúncia, a sentença proferida foi para além da delimitação dos factos ali contida e deu como provado (factos 6 e 7) que a sociedade arguida procedeu a descontos e não efectuou a respectiva entrega à segurança social de: - remunerações dos órgão estatutários: de Abril a Julho de 1999, Novembro de 1999 a Abril de 2000, Junho de 2000 a Dezembro de 2000 e de Março de 2001 a Maio de 2001; - remunerações dos trabalhadores: Abril de 1998 a Dezembro de 1998, Novembro de 1999 a Abril de 2000, Maio de 2000 a Dezembro de 2000, Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2001 e de Março de 2001 a Junho de 2001; 3. tal circunstância constitui alteração substancial dos factos descritos na pronúncia [art. 1º, n.º 1, f) do C. P. Penal] que não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação (art. 359º, n.º 1 C.P.P.); sendo certo que, no caso sub judice, tal alteração compromete, em absoluto, toda a defesa do arguido, o que inquina a sentença de nulidade; 4. com a alínea b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT - introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro - aplicável aos autos por força do disposto no n.º 2 do art. 107º, foi aditado ao crime de abuso de confiança fiscal um novo requisito (em nosso entender, de procedibilidade) do qual resulta que o crime só existirá ou, se se quiser, só será punível se após notificação para pagamento, o devedor o não fizer no prazo de trinta dias; 5. a única notificação constante dos autos que, pretensamente, pretenderia ter tal objectivo é a que consta de fls. 833, com o seguinte teor: "Fica notificado para no prazo de trinta dias, por si singularmente e em representação da sociedade proceder ao pagamento da coima mínima prevista no art. 114º, n.º 1 do RGIT (art. 105º, n.º 4, al. b) e art. 2º, n.º 4 do C. Penal, devendo juntar aos autos a respectiva prova documental"; 6. o arguido nunca foi em momento algum notificado (pelo tribunal ou pela segurança social - única entidade, em nosso entender, com competência para o efeito) para proceder ao pagamento da dívida e juros pretensamente em causa, desconhecendo qual o efectivo montante que lhe seria exigido e prazo para proceder ao seu pagamento; 7. por ausência da exigida notificação, não está preenchido um dos requisitos do crime, ainda que se entenda de mera punibilidade (o que não se admite por se tratar de requisito de procedibilidade); 8. nos termos do disposto no art. 14º do DL 103/80 as cotizações e contribuições à segurança social prescreviam no prazo de dez anos, o qual veio a ser encurtado para cinco anos pelo art. 63º da Lei 17/2000; 9. face à sucessão de leis e à aplicação das leis fiscais no tempo (art. 12º, n.º 2 da L.G.T.), conclui-se que as dívidas anteriores a Fevereiro de 2001 prescreveram em 4-02-2006 e as subsequentes no mês correspondente do mesmo ano, sendo a última em Junho de 2006; 10. estando as dívidas prescritas é impossível efectuar-se a notificação exigida pela alínea b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT, por não poder a segurança social - vinculada ao princípio da legalidade - pretender o cumprimento de uma dívida não exigível, por se encontrar prescrita, o que impossibilita, em qualquer circunstância o prosseguimento dos autos; 11. é falso que falso que o arguido tenha tido qualquer intenção de obter quaisquer benefícios patrimoniais, através da apropriação das quantias em causa, ou de causar qualquer prejuízo ao Estado, como consta do facto 16, sendo a fundamentação da sentença contraditória com os factos dados por provados; 12. diz-se a fls. 1066 que: "o arguido se viu obrigado a socorrer de empréstimos" .. e que "foi com a ajuda do seu filho, o qual recorreu a empréstimos bancários, que o arguido B.......... continuou a pagar os salários dos funcionários da sociedade arguida"; 13. existe, assim, uma manifesta contradição nos termos: se foi à custa dos empréstimos do arguido e do seu filho que se conseguiram pagar os salários dos funcionários, como pode concluir-se que a sociedade arguida reteve as importâncias relativas às cotizações para a segurança social?; 14. pelo contrário, dever-se-ia concluir que por falta de recursos financeiros, os salários eram pagos com recurso a empréstimos pessoais do arguido e do seu filho - o que deveria constar da relação de factos provados; 15. não é suficiente a mera dedução para efeitos contabilísticos daquelas cotizações nas remunerações dos trabalhadores e nas declarações entregues na segurança social; é necessário que a quantia relativa às cotizações exista financeiramente e fique retida e incorporada no património da entidade patronal; 16. da prova produzida em audiência, apurou-se que, relativamente às remunerações dos órgãos estatutários, estaria em causa o período compreendido entre Abril de 1999 a Julho de 1999, Novembro de 1999 a Abril de 2000, Junho de 2000 a Dezembro de 2000 e Março de 2001 a Maio de 2001 (facto 6); 17. os factos de que o arguido é acusado ocorreram todos (aceitando as considerações efectuadas na sentença a propósito do momento da consumação do crime) na vigência do RJIFNA - tendo a última infracção ocorrido em 15-06-2001 (data em que deveriam ter sido pagas as cotizações relativas a Maio de 2001), sendo punidos pelo seu art. 27º-B, que dispunha: "as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas ..."; 18. no âmbito do RJIFNA, apenas eram punidas as retenções e suas não entregas relativamente a salários de trabalhadores e não de membros de órgãos estatutários; 19. só com a entrada em vigor do RGIT passaram a ser também punidas as retenções e não entregas relativas a salários dos órgãos sociais: "as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas ..." (art. 107º, n.º 1 do RGIT); 20. inexiste qualquer norma que, à data da prática dos factos, qualifique como abuso de confiança contra a segurança social as deduções e sua não entrega relativamente aos salários dos órgãos sociais; 21. não foi apreciada, no pedido de indemnização civil, a única questão suscitada pelo arguido em contestação: a prescrição das dívidas objecto dos autos (como consta das conclusões n.º 8 e 9 supra), o que constitui nulidade de sentença por omissão de pronúncia; 22. estando as dívidas prescritas, nunca poderia o arguido ser condenado no pedido de indemnização civil formulado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT