Acórdão nº 0847390 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Março de 2009
Magistrado Responsável | PAULA LEAL DE CARVALHO |
Data da Resolução | 09 de Março de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Procº nº 7390/08.4 Recurso Social T.T Santo Tirso (Proc. ../08.6) Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 203) Adjunto: Des. Machado da Silva Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: A arguida, B.........., S.A., inconformada com a decisão da Autoridade Para as Condições de Trabalho, considerando-a autora material de contra-ordenação muito grave prevista e punível pelos artigos 24º, nº 2, 122º, alínea b), 642º, 653º e 620º, nº 4, alínea b), todos do Código de Trabalho, lhe aplicou a coima de € 4.000,00, impugnou judicialmente tal decisão.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, confirmando a decisão administrativa.
Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida recurso para esta Relação, tendo formulado, a final da sua motivação, as seguintes conclusões: I. No Acórdão de que ora se recorre decidiu-se que "que" não resultaram provados quaisquer factos relativamente às alegadas humilhações e atentados à dignidade de que a trabalhadora da arguida teria sido vítima" (pág.7), o que levou o Tribunal a quo a considerar de igual modo que "apesar de o auto de notícia fazer referência a uma infracção ao disposto no n°2 do art.24° do Código do Trabalho", não foi efectivamente praticada a infracção correspondente (pág.10) acrescentando-se que "não resultou provado que, ao actuar da forma como foi dado como provado, a arguida tivesse como objectivo afectar a dignidade da sua trabalhadora" (pág.10).
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Mesmo assim, decidiu-se o Meritíssimo Juiz a quo pela condenação da aqui recorrente, justificando essa condenação pela verificação de uma violação do dever de ocupação efectiva e a prática de uma contra-ordenação p.e.p. pelos arts.122° al.b), 653° e 620° n°4 al.b), todos do Código do Trabalho.
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Ainda foi dado como provado que a trabalhadora se encontrava, nas instalações da recorrente, numa sala equipada de secretárias e cadeira com um computador portátil, desligado à hora da visita inspectiva, e cópias dos manuais dos produtos que promovia (facto n°10), de 22 de Maio de 2007 a 5 de Junho de 2007 (factos referidos nos números 11 e 12).
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Foi igualmente dado como provado que "a referida sala ficava a cerca de cinco metros da área de lavabos e a cerca de dez metros de uma sala de pausa a que a trabalhadora tinha acesso.
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Daqui se concluindo ter acontecido uma violação ilícita do dever de ocupação efectiva.
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E porquê? Simplesmente, no douto entender do Juiz a quo, porque "não se pode falar em formação profissional quando, sem qualquer justificação, se obriga uma trabalhadora a permanecer, por tempo indeterminado, sem especificar os objectivos a alcançar, numa sala isolada - apesar de muito confortável - a ler manuais de produtos que não eram novidade para ela" (págs. 17/18 da Sentença recorrida).
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Para logo se acrescentar na douta Sentença recorrida que "se o objectivo era obrigá-la a, realmente, estudá-los [os referidos manuais] de forma a aumentar a sua produtividade, então, porque não Ihe dar uma autêntica formação profissional sobre os assuntos em que aquela revelasse mais dificuldades" (pág.18) afirmando-se ainda que a trabalhadora "bem poderia permanecer na referida sala a fazer tudo... menos a estudar manuais".
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Ainda na douta Sentença de que se recorre acaba por se afirmar que "analisando os factos em causa, e apesar de tal não resultar provado - até porque não era facto relevante para a apreciação do mérito do recurso - afigura-se-nos que o comportamento da arguida apenas se poderá justificar como retaliação contra aquela trabalhadora" (pág.16).
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Salvo melhor opinião, não será dispiciendo - bem pelo contrário - que não tenha sido provada, nem sequer invocada, qualquer intenção de retaliação ou de aplicação de uma sanção disciplinar "disfarçada".
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Assim sendo, não se poderá compreender a decisão do Tribunal, sendo esta até contraditória.
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Para além de consubstanciar uma intrusão no exercício gestionário de uma empresa, exercício esse que é prerrogativa do empregador.
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Primeiramente verifica-se a condenação do recorrente por violação do dever de ocupação efectiva através de uma ordem que (aparentemente) se traduziu na não realização de trabalho durante um período inferior a 15 dias (de 22 de Maio a 5 de Junho de 2007).
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Ora, esta decisão contraria todas as decisões jurisprudenciais tomadas nesta matéria, em que se tem reconhecido consubstanciar uma violação relevante - e por isso susceptível de condenação - do dever de ocupação efectiva.
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Neste sentido, bastará confrontar os próprios Acórdãos referidos na Sentença (pág.11, nota 2), onde se poderá ver que se reportam a períodos superiores a três meses, num dos casos, e de três anos no outro! XV. De facto, quando existe reconhecimento, por parte da melhor doutrina e da jurisprudência dominante de violação do dever de ocupação efectiva é porque a situação em causa é de tal forma grave que provoca a humilhação pública e o vexame do trabalhador.
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Pequenas ou negligenciáveis abstenções de actividade podem ter múltiplas causas na sua génese, sem que com isso haja qualquer violação da boa-fé, conforme é do perfeito e cabal entendimento de toda a doutrina jusiaboralista portuguesa e da jurisprudência.
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O Juiz a quo entendeu não ter ficado provada qualquer intenção de retaliação.
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Assim como considerou não ter havido qualquer intenção de lesar a dignidade da trabalhadora.
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Então não se consegue vislumbrar, sempre com o devido respeito, como é que se pode concluir pela existência de uma violação do dever de ocupação efectiva, que se traduz, em primeira e última análise, num comportamento ilícito e violador da boa-fé.
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Por outro lado, a douta Sentença recorrida reconhece que o direito à formação profissional surge, para os trabalhadores, como como um direito/dever (pág.17).
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Ora, desde que a escolha das modalidades da formação profissional, por parte do empregador, não se revelem como irracionais ou contrárias à boa-fé, serão lícitas.
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O opinião do Meritíssimo Juiz a quo pode ser diferente, entendendo que poderia, eventualmente, existir outras modalidades de formação quiçá mais eficientes; mas não lhe cabe nunca, salvo o devido respeito, substituir o empregador nessa opção gestionária.
XXIIII. E igualmente não lhe caberá concluir pela não produção de quaisquer efeitos para a trabalhadora a opção formativa escolhida pelo empregador, porque a trabalhadora poderia não ler os manuais, apesar de ter ordens para o fazer.
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Assim partindo do princípio que a trabalhadora não cumpria com ordens legitimamente dadas pelo empregador.
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Nesta conformidade, reconhecendo o Tribunal não haver qualquer intenção de lesar a dignidade da trabalhadora, não tendo ficado provada qualquer intenção de retaliação, não se entende como pode o Juiz a quo concluir que a formação, por não ser, apenas na sua opinião, a mais correcta, carecia de motivo justificativo.
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Atento todo o processo, vemos que a coima aplicada pela ACT - de € 4.000,00 (quatro mil euros) - teve a sua origem numa violação conjugada dos arts.24° n°2 al.b) e do art.122°, ambos do Código do Trabalho (cfr. Auto de Notícia e Relatório e Acusação da ACT), sendo esta uma coima única aplicada em virtude da violação cumulativa destas duas normas acima.
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Já se referiu que o douto Acórdão recorrido decidiu que "não resultaram provados quaisquer factos relativamente às alegadas humilhações e atentados à dignidade de que a trabalhadora da arguida teria sido vítima" (pág.7) e que considerou igualmente que "apesar de o auto de notícia fazer referência a uma infracção ao disposto no n°2 do art.24° do Código do Trabalho", não foi efectivamente praticada a infracção correspondente (pág.10) acrescentando-se que "não resultou provado que, ao actuar da forma como foi dado como provado, a arguida tivesse como objectivo afectar a dignidade da sua trabalhadora" (pág.10).
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Concluindo, manifesta e decide o Juiz a quo, na pág.10 da douta Sentença, que "em suma, não sendo a conduta da arguida violadora da norma prevista no art.24° n°2 do Código do Trabalho, não praticou a infracção correspondente (...), para concluir que "procedem, assim, nesta parte as alegações da arguida".
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Decidindo, a fls.19, "improcedente o recurso interposto pela arguida (...), confirmando-se consequentemente a decisão administrativa recorrida".
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Assim sendo, cairemos, s.m.o., no âmbito do art.380° n°1 al.b) do Código do Processo Penal, na sua interpretação a contrario sensu, o que nos remeterá para a al.c) do n°1 do art.379° do mesmo diploma legal.
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Ou seja, estaremos perante uma Sentença nula.
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De facto, ou o Meritíssimo Juiz a quo se decidia pela procedência da acusação, em que a recorrente - recorde-se -foi condenada pela violação conjugada dos arts.24° n°2 e 122° al.b) do Código do Trabalho, ou então, tendo em conta a absolvição no que ao mobbing concerne, condenava - o que nunca se concederá - a recorrente apenas pela violação do disposto no art.122° al.b) do Código do Trabalho, reduzindo assim, pelo menos, o montante da coima aplicada.
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Mas não o fez, tendo condenado, então, a recorrente a pagar integralmente o montante da coima, estabelecida para a violação dos art.24° e 122° do Código do Trabalho.
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Será preciso não esquecer que os limites a que está sujeita a condenação, bem como os factos a apreciar, serão os que resultam do auto de notícia, sem mais, não se podendo exceder aqueles.
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Sendo patente que o auto de notícia fez depender a acusação da recorrente, da prática cumulativa de duas alegadas infracções, em relação às quais estabeleceu uma relação de causa/efeito.
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O auto de notícia refere que a infracção "consistiu na assunção, pela arguida, de comportamentos que visam afectar a dignidade da trabalhadora (...) ou têm esse efeito, intimidando-a, humilhando-a e pressionando-a no seu local de trabalho, culminando essa pressão na obstrução injustificada à prestação efectiva da sua actividade profissional".
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O Meritíssimo Juiz a quo não deu...
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