Acórdão nº 0817543 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Março de 2009

Data04 Março 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 7543/08-1.

  1. Secção Criminal.

    Processo em 1ª instância nº .../03.6GNPRT.

    *Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I Nos autos de processo comum nº .../03.6GNPRT do .º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido B.........., filho de C.......... e de D.........., natural de .........., Amarante, nascido a 21/12/1982, solteiro, trolha, residente no .........., freguesia de .........., Amarante, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, als. d), g) e j), 22º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 23º, n.º 1 do Código Penal, por referência ao art. 14º, n.º 3 do mesmo diploma legal.

    Deduziu ainda o Ministério Público, em representação do Estado Português, o pedido de indemnização cível de fls. 347 a 351 contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL do Instituto de Seguros de Portugal, com sede na .........., .., ...-... Lisboa, e B.......... pedindo a condenação destes a pagar ao Estado, através do Comando Nacional da GNR, a quantia de 20.809,68 Euros, acrescida de juros de mora desde a notificação até ao seu efectivo e integral pagamento.

    Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida a seguinte DECISÃO: "Nesta conformidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação pública improcedente por não provada e, em consequência, absolver o arguido B.......... da prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, por que vem acusado.

    Sem custas.

    Julgar o pedido de indemnização cível de fls. 347 a 351 parcialmente procedente por provado e, em consequência, condenar solidariamente o Fundo de Garantia Automóvel do Instituto de Seguros Portugal e B.........., a pagar ao Estado através do Comando Nacional da GNR a quantia de 8.323,88 Euros (devendo à quantia da responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel ser deduzida a franquia de 299,28 Euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13/12/2007, até integral pagamento, absolvendo-se os demandados do restante pedido".

    2.

    Não se conformando com o seu teor, dela recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, formulando as seguintes conclusões: 1ª O presente recurso foi interposto da sentença proferida nos autos e reporta-se à parte em que nela se apreciou e decidiu o pedido de indemnização civil.

  2. Nos presentes autos a decisão judicial na parte recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos apurados e ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.

  3. Atenta a factualidade dada como provada e que não merece reparos, devendo manter-se inalterada tal como foi apurada, conclui-se que o demandado B.......... não infringiu qualquer regra estradal, nem se provou que tenha agido ilicitamente na condução que desenvolvia, aquando do sinistro.

  4. Antes pelo contrário, a matéria de facto provada mostra com cristalina clareza e certeza que foi o agente E.......... quem agiu ilícita e negligentemente.

  5. Uma vez que se posicionou em frente ao veículo conduzido pelo demandado B......... próximo de um entroncamento e numa zona entre curvas e quando o veículo seguia em movimento a uma distância do agente E.......... entre 20 a 30 metros.

  6. A violação do dever objectivo de cuidado da parte do lesado foi a única e exclusiva causa que determinou o eclodir do sinistro dos autos.

  7. Donde decore, sem margem para quaisquer dúvidas, que tal circunstância afasta por completo a concorrência entre a culpa do lesado e o risco da utilização do veículo, como bem se realça no Acórdãos do STJ de 4/10/2007, RLJ 137º, pág. 35 e de 15 /08/2008, Proc. 10793/2007.7, in base de dados do ITIJ, citados na sentença recorrida.

  8. A aptidão para a criação de riscos típica dos veículos motorizados em nada contribuiu para a produção do sinistro.

  9. Assim como resulta dos autos que o demandado B.......... nada pode fazer para evitar o embate, atenta a forma despropositada, inopinada e rápida como o lesado se colocou em frente do veículo.

  10. No caso dos autos existe prova certa e segura do facto da vítima como causa única e exclusiva do acidente, pelo que não há lugar ao concurso do risco próprio do veículo com o facto do lesado.

  11. Razão pela qual o caso dos autos se enquadra e decide pela culpa única e exclusiva do lesado à luz dos artigos 505º e 570º do C.C., o que se invoca com as legais consequências, designadamente ser o FGA totalmente absolvido dos pedidos cíveis contra si formulados.

  12. Ao decidir de forma contrária ao supra alegado violou o Tribunal recorrido, entre outros, os artigos 505º e 570º do C.C..

    No provimento do presente recurso e correspondente reformulação da sentença recorrida, por consubstanciar menos correcta aplicação e determinação da lei, dessa forma, absolvendo o FGA dos pedidos cíveis contra si formulados, se fará JUSTIÇA.

    3.

    O Ministério Público em 1ª instância, não respondeu ao recurso.

    4 Nesta Instância, pelo Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto foi aposto o seu visto.

    5.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.

    II Questão a apreciar: A responsabilidade pelo risco do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL nos termos em que foi condenado, em concorrência com a culpa do lesado, quanto ao pedido de indemnização civil.

    III São os seguintes os factos dados como provados e não provados na decisão recorrida: A- No dia 08 de Novembro de 2003, encontrava-se a patrulha constituída pelos agentes da GNR-BT, E.......... - cabo -, e F.......... - soldado -, ambos devidamente fardados e no exercício das respectivas funções, na EN .., entre Penafiel e Amarante, comandando as operações o cabo E.......... .

    B- Cerca das 10.40 horas, ao Km. 57,60, na localidade de.........., em Amarante, área desta comarca, o agente E.........., devidamente equipado com material reflectizante, ao aperceber-se que o colega F.........., que se encontrava a 20/30 metros atrás de si, atento o sentido de marcha Lixa/Amarante, tinha feito sinal de paragem à viatura de matrícula ..-..-BG, que circulava no sentido Lixa/Amarante, cujo condutor não fazia uso do cinto de segurança, fez-lhe sinal de paragem.

    C- Ao volante deste veículo circulava o arguido, que circulava sem seguro de responsabilidade civil automóvel, e foi embater no agente E.......... no início da curva para a direita da via, atento o sentido de marcha Lixa/Amarante, colhendo-o na hemifaixa de rodagem direita da via, atento o seu sentido de marcha, já próximo da linha divisória dos sentidos de trânsito da faixa de rodagem, projectando-o e fazendo-o cair no solo, onde ficou imobilizado a cerca de 11 metros do local do embate.

    D- Acto contínuo o arguido, apesar de se ter apercebido do embate, prosseguiu a sua marcha, prevendo como possível que tivesse ocorrido a morte do agente, não tendo havido notícia do mesmo até às 17.00 horas desse mesmo dia, altura em que foi localizado e abordado num monte próximo do local em que deixou o veículo, no .........., em Amarante.

    E- Em consequência directa e necessária do descrito embate, E.......... sofreu os politraumatismos descritos no auto de exame pericial, aqui dado por integralmente reproduzido: - como seja traumatismo da perna esquerda, nariz, lábios e cabeça, apresentando fractura dos ossos próprios do nariz e da tíbia esquerda: - cuja recuperação se consolidou em 21/02/2005; - lesões que lhe demandaram período de consolidação médico-legal de 471 dias, dos quais: - com afectação da capacidade de trabalho geral (30 dias) e - com afectação da capacidade de trabalho profissional (210 dias) - das mesmas tendo resultado como consequências permanentes, as seguintes sequelas: - crânio: cicatriz em cruz com 2 por 2 cm; - face: cicatriz com 1 cm. Na asa direita do nariz e pequena cicatriz no lábio superior; - membro inferior esquerdo: 2 cicatrizes operatórias, uma com 8 cm. na face anterior do joelho e outra com 3 cm no 1/3 inferior da face anterior da perna, ambas com tecido retráctil devido à 2ª intervenção. Limitação dos movimentos do joelho, quando se força a flexão.

    - que lhe determinaram, após a recuperação, uma IPP de 20%; - registando ainda as seguintes alterações: - a nível funcional: - quanto à postura, deslocamento e transferências: - não consegue correr e sente dores no joelho quando permanece muito tempo de pé; - fenómenos dolorosos: dores na perna esquerda, ao nível do joelho, que se agravam quando faz exercício físico e dores na região lombar, ocasionais, quando acorda; - como ainda, hipersensibilidade na língua, após sutura. Formigueiros nos pés.

    - a nível situacional: - actos da via diária: dificuldades em subir e descer escadas; - vida profissional ou de formação: dificuldades em permanecer muito tempo de pé e quando está sentado com a perna imobilizada.

    F- O embate da viatura no corpo do E.......... só não produziu neste lesões mortais em virtude do agente da GNR-BT fazer uso de capacete no momento do embate, que amorteceu a sua queda, e pela pronta assistência a que foi submetido.

    G- Após o atropelamento referido em C, o cabo E.......... foi transportado, pelos Bombeiros Voluntários da .........., para o Hospital de ..........., em Amarante, onde lhe prestaram os primeiros socorros e lhe diagnosticaram uma fractura na tíbia esquerda e traumatismo da face.

    H- Contudo, a gravidade das lesões, determinou que o militar E.........., nesse mesmo dia, fosse encaminhado para o Hospital de .........., no Porto, tendo, de seguida, sido transferido para o Hospital Militar do Porto, onde permaneceu internado desde 08/11/2003 até 25/11/2003.

    I- No Hospital Militar, o cabo E.........., em 14/11/2003, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica à tíbia esquerda ( encavilhamento com targon ).

    J- Em 27/12/2004, E.........., foi novamente operado no referido Hospital Militar, a fim de lhe ser extraída "prótese metálica interna da tíbia esquerda", tendo sido submetido a uma terceira...

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