Acórdão nº 0716283 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Data25 Fevereiro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso: 6283/07-1 1ª Secção Criminal Processo: ../03.4TAVLR do ..º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real Acordam em audiência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto No processo supra identificado foi proferido despacho que pronunciou B.......... como autor de um crime de falsificação na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 256º, n.º 1, alínea c., do Código Penal C.........., como co-autor de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. b) do Código Penal D.......... e E..........

[1], como co-autores de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

Já durante o julgamento, o tribunal comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos visto considerar que os mesmos se integravam na previsão do n.º 3, do art.º 256º do Código Penal (natureza dos documentos) e que quanto aos arguidos C.........., D.......... e E.........., dada a sua qualidade de funcionários públicos, se verificava ainda a situação prevista no n.º 4.

Realizado o julgamento, decidiu-se: 1) Absolver o arguido C.......... do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, por que vinha pronunciado; 2) Condenar o arguido B.......... pela prática de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 do Código Penal na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz a pena de multa de € 1.200,00 (mil e duzentos euros); 3) Condenar a arguida E.......... pela prática de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 3 e 4 do Código Penal na pena de 18 (dezoito) meses de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos; 4) Condenar o arguido D.......... pela prática de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 3 e 4 do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos.

Inconformada, a arguida E.......... interpôs recurso de ambas as decisões.

No recurso intercalar, cuja subida requereu no recurso interposto da decisão final, concluiu: 1.º- Vem o presente Recurso interposto de douto Despacho proferido nos autos por se entender que se impõe a modificação da decisão do Tribunal "a quo" sobre um concreto ponto da matéria de direito, a qual se impugna.

  1. - PONTO DE DIREITO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADO: o ter-se procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos constante do despacho de pronúncia, enquadrando-se no art. 256.º n.º 4 do CP e não no art. 260.º, n.º. do mesmo Código.

  2. - RAZÕES QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 412.º, n.º 1, do C.P.P.): A - A leitura atenta do artigo n.º 260.º n.º 1 do Código Penal.

    B - Documentos de folhas 409 a 431.

  3. - A Arguida encontra-se pronunciada pelo prática de um crime de falsificação de documento, previsto no n.º 1 do artigo 256.º do CP.

    Na 1.ª sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos e enquadrou os factos no n.º 4 do artigo 256.º do Código Penal.

  4. - Estipula o artigo 260.º n.º 1 do CP que: "O médico, dentista, enfermeiro, parteira, dirigente ou empregado de laboratório ou de investigação que sirva fins médicos, ou pessoa encarregada de fazer autópsias, que passar atestado ou certificado que sabe não corresponder à verdade, sobre o estado do corpo ou da saúde física ou mental, o nascimento ou morte de uma pessoa destinado a fazer fé perante autoridade pública ou a prejudicar interesses de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias." 6.º- A Arguida é médica no Centro de Saúde n.º . em .......... e os factos pelos quais a Arguida vem pronunciada terão sido praticados no âmbito e por causa da sua profissão.

  5. - Os Documentos que instruíram o processo-crime são designados de "Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença", que só podem ser emitidos por médicos.

  6. - O artigo 260.º do CP é uma disposição especial em relação ao tipo base de falsificação previsto no artigo 256.º do mesmo Código. Enquanto aquele preceito legal pune automaticamente os atestados falsos passados pelos técnicos respectivos, uma vez que se trata de um crime específico próprio, na medida em que só podem ser cometidos por pessoas que possuam certas qualidades, o artigo 256.º, n.1.º abarca todos os documentos, pois este, por sua vez, é um crime comum uma vez que pode ser praticado por qualquer pessoa.

  7. - "Segundo HELENA MONIZ [In "O Crime de Falsificação de Documentos. Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento", 1999, p. 247.], uma das razões que levou o legislador a autonomizar este tipo legal de crime actualmente descrito no art. 260º, nº 1, do Código Penal de 1995 (disposição correspondente, embora com ligeiras alterações formais e nas molduras penais, ao art. 234º, nº 1, do Cód. Penal de 1982, na sua versão originária) relativamente ao tipo base da falsificação de documentos (actualmente descrito no art. 256º do Código Penal de 1995 e originariamente previsto no art. 228º do Cód. Penal de 1982) está em que se trata «de um tipo legal de crime que deverá ser praticado por um específico agente». Estamos perante «um crime específico próprio, dado que o agente do crime não poderá ser uma qualquer pessoa, mas sim uma pessoa com especiais características - terá que ser um "médico, dentista, enfermeiro, parteira, dirigente ou empregado de laboratório ou de instituição de investigação que sirva fins médicos, ou pessoa encarregada de fazer autópsias» [HELENA MONIZ in "O Crime de Falsificação de Documentos" cit., p. 245." www.mj.gov.pt - Ac. Relação do Porto de 17/03/2004.

  8. - Nos crimes específicos próprios é a qualidade do agente é que justifica a criação autónoma do tipo, e 11.º- Se o Legislador criou um tipo especial é porque quer que, verificados os requisitos do crime especial e assim a qualidade do agente, se puna de modo diferente estes em relação ás pessoas em geral.

  9. - É como diz a velho princípio: "Lei especial derroga lei geral." 13.º- Pelas razões supra aludidas conclui-se que os factos imputados à Arguida só poderão enquadrar o tipo de crime previsto no artigo 260.º, n.º 1 do Código Penal.

  10. - Como tal, impunha-se, e impõe-se agora a respectiva alteração da qualificação jurídica dos factos, sendo estes enquadrados tipo legal de crime previsto no artigo 260.º do Código Penal.

  11. - Violou, portanto, o despacho recorrido a norma constante do artigo 256.º do Código Penal. (art. 412.º n.º 2, al. a) do CPP) 16.º Ao enquadrar os factos, pelos quais a Arguida vem pronunciada, no artigo 256.º n.º 4 do Código Penal o Tribunal Recorrido entendeu que houve um crime de falsificação de documento agravado pela qualidade do agente (médica). (art. 412.º n.º 2, al. b) do CPP) 17.º- O artigo 256.º, n.º 4 do Código Penal só seria de utilizar se a conduta do agente não se enquadrasse num tipo de crime específico próprio. (art. 412.º n.º 2, al. b) do CPP) 18.º- Esqueceu-se, pois, o Tribunal Recorrido que o Legislador autonomizou certos tipos de crimes e criou outros específicos que só certas pessoas, pelas suas qualidades, podem praticar.

  12. - Os factos pelos quais a Arguida se encontra pronunciada enquadram-se perfeitamente no art. 260.º, n.º 1 do Código Penal.

  13. - O art. 260.º n.º 1 do Código Penal compreende um crime especifico próprio e é esta a norma que deveria, deve ser aplicada. (art. 412.º n.º 2, al. c) do CPP) Termos em que se deve conceder integral provimento ao recurso, modificando-se a decisão sobre a alteração da qualificação jurídica dos factos da Primeira Instância e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, procedendo-se à convolação do crime para o crime de Atestado Falso, previsto e punido no artigo 260.º n.º 1 do Código Penal, conforme ao acima exposto e como é de JUSTIÇA.

    No recurso que interpôs da sentença, a arguida concluiu: I - A recorrente foi condenada pela prática de um crime de falsificação de documento na forma continuada, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. b) e nºs 3 e 4 do Código Penal.

    II - O Tribunal deu como provado, a) no ponto 7 da fundamentação que "Após o termo da baixa inicial, o arguido B.......... dirigiu-se várias vezes, nos meses seguintes, ao Centro de Saúde nº ., onde, sem ser visto por qualquer médico, ou por alguém com capacidade para certificar que o mesmo estava doente, lhe foram emitidas baixas médicas, a seguir referidas, documentadas nos respectivos Certificados de Incapacidade Temporária, todos assinados pela arguida E..........;" b) no ponto 8 da fundamentação que "Com excepção do certificado inicial, emitido regularmente a 26 de Outubro de 2000, os Certificados de Incapacidade Temporária para o trabalho por estado de doença foram sucessivamente emitidos pela arguida E.......... sem nunca ter visto o arguido B..........;" c) no ponto 9 da fundamentação, que "Sabia a arguida E.......... que a emissão dos certificados estava condicionada ao exame e comprovação de que o paciente estava de facto doente, bem sabendo que ao assinar tais certificados sem apurar de tal facto, fazia constar e atestar num documento oficial uma informação que sabia não ser verdadeira, por não ter sido por ela verificada, como exigível nos documentos que assinava"; d) no ponto 13 da fundamentação que "O arguido D.......... solicitava à arguida E.......... que assinasse os certificados que lhe apresentava"; e) no ponto 18 da mesma fundamentação que - "Os certificados remetidos à Segurança Social alemã nunca foram recuperados"; f) no ponto 24 da fundamentação que - "A arguida E.......... veio a confirmar à...

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