Acórdão nº 0817274 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | EDUARDA LOBO |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso nº 7274/08 1ª secção Proc. nº ...../08.4JAPRT Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO Nos autos de Inquérito nº ....../08.4JAPRT que correm termos no DIAP do Porto, na sequência de promoção do Sr. Procurador da República, o Juiz do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto não autorizou o registo de voz e imagem do investigado e de indivíduos que com o mesmo contactem, por entender que não se mostra suficientemente justificada a absoluta necessidade de recurso ao referido meio de investigação.
Não se conformando com a referida decisão, dela veio o Mº Público interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1. O registo de voz e imagem, na previsão do artº 6º da Lei nº 5/2002 é admissível quando tal seja necessário para investigar os crimes previstos no artº 1º do referido diploma, não configurando a Lei o recurso a tal meio de recolha de prova como excepcional; 2. Competindo ao Mº Público dirigir o inquérito nos termos do artº 53º nº 2 al. b) do C.P.P. e realizar diligências de prova, a lei processual penal não confere ao Juiz de Instrução a possibilidade de graduar e hierarquizar as diligências de obtenção de prova por aquele promovidas, podendo indeferi-las apenas com o fundamento na sua ilegalidade; 3. A única entidade que no inquérito pode lançar mão a critérios de discricionariedade técnica no domínio da escolha dos meios de obtenção de prova, preferindo uns meios a outros ou conjugando vários, segundo a estratégia de inquérito, mas sempre sujeita a princípios de legalidade, é o Mº Público, pois que o Juiz de Instrução não dirige o inquérito nem é titular da acção penal; 4. O despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente os artºs. 1º e 6º da Lei nº 5/2002 de 11.1 e os artºs. 53º nº 2 b), 268º e 269º do C.P.P.
Pretende assim a revogação do despacho recorrido e a substituição por outro que ordene a promovida diligência.
*O Sr. Juiz de Instrução admitiu o recurso e proferiu despacho de sustentação, mantendo o decidido, por entender que, ao promover a realização daquele meio de prova, o Mº Pº não indicou as razões concretas para se poder concluir da respectiva imprescindibilidade para a investigação em causa.
*Neste Tribunal da Relação do Porto, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, por entender que, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 6º da Lei nº 5/2002, o registo de voz e imagem sem consentimento do visado, só é admissível quando necessário para a investigação de crimes referidos no artº 1º da Lei, dependendo de prévia autorização ou ordem do juiz.
Portanto, embora o titular da acção penal seja o Mº Pº, é ao JIC que compete autorizar, caso a caso, a captação de voz e imagem se entender que tal meio de obtenção de prova é efectivamente necessário para a investigação, tendo em conta ainda os princípios da adequação e da proporcionalidade.
No caso em apreço, tendo sido autorizada uma busca a casa do suspeito e, sem se saber os resultados concretos dessa diligência, entende o ilustre PGA que fica posta em crise a necessidade do pretendido registo de voz e imagem, que sempre seria de considerar prematura atenta a fase embrionária em que se encontra o inquérito.
*Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*II - FUNDAMENTAÇÃO Nos autos de inquérito em apreço, o Mº Pº proferiu o seguinte despacho (transcrição): "Conforme resulta dos elementos já coligidos, os presentes autos propõem-se investigar o envolvimento dos indivíduos referidos a fls. 3 a 10 (e elementos que com o mesmo se relacionam) na actividade criminosa de tráfico de estupefacientes.
Porque a investigação em curso não se coaduna com a publicidade do processo (que, a manter-se, poderia fazer perigar a aquisição de indícios probatórios) nos termos do disposto no artigo 86º nº 3 do CPP determino a aplicação aos presentes autos do segredo de justiça na fase de inquérito.
Para apreciação e eventual validação do ora determinado, remeta os autos ao TIC.
*Porque tal meio de aquisição de indícios se revela imprescindível para a descoberta da verdade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 187º, 188º, 268º nº 1 alínea f) e nº 2, e 269º nº 1 alínea f) do CPP, e artigos 1º nº 1 alínea a) e 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, com referência ao artigo 21º nº 1 do D.L.15/93 de 22 de Janeiro, igualmente se promove que seja autorizado o registo de voz e imagem do elemento investigado nos autos, assim como de outros indivíduos que com o mesmo contactem no âmbito da investigação dos ilícitos a que se reportam os presentes autos.
*Mais se promove que, nos termos do disposto nos artigos 174º, nºs 1 a 3, 177º e 269º nº 1 alínea c) e nº 2, com referência ao artigo 268º nº 2 do CPP, seja autorizada a realização de uma diligência de busca domiciliária à habitação (e respectivos anexos) de B............., sita na Rua ........., nº ...., casa ..., nesta cidade, pois que a mesma será, possivelmente, utilizada para guardar produtos e/ou objectos relacionados com a actividade criminosa em investigação nos autos, bem como a arma referida a fls. 3."*Sobre tal despacho/promoção recaiu o seguinte despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal (objecto do presente recurso): "Do requerimento de autorização para o registo de voz e imagem: Com todo o respeito por diferente entendimento, afigura-se-nos que não está suficientemente justificada a absoluta necessidade de recurso a um meio de investigação de natureza excepcional, como é o registo de voz e imagem nos termos do artigo 1º nº 1 al. a) e 6º da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro.
Nestas condições, abstemo-nos de autorizar o seu uso.
Notifique o Ministério Público."*III - O DIREITO: Conforme jurisprudência constante e pacífica[1], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do CPP e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
A questão que se coloca no presente recurso consiste em saber se o registo de voz e imagem é admissível quando seja necessário para investigar algum dos crimes previstos no artº 1º da Lei nº 5/2002, não se configurando como excepcional o recurso a tal meio de obtenção de prova e se a lei apenas confere ao JIC a possibilidade de indeferir as diligências de obtenção de prova requeridas pelo Mº Pº com fundamento na sua ilegalidade, não podendo aquele magistrado judicial graduar ou hierarquizar tais diligências.
Dispõe o art. 262º n.º 1 do C. de Processo Penal que «O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação».
O inquérito tem, então, um duplo sentido: o de fase processual («é uma fase em sentido lógico, já que é dominado por actos pertinentes a uma mesma ideia, a uma...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO