Acórdão nº 0846661 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelAIRISA CALDINHO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:*I. No processo comum colectivo n.º .../99.9GBPNF do ..º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, o arguido B.........., inconformado com o acórdão que o condenou, pela prática de dois crimes de passagem de moeda falsa p. e p. pelo art. 265.º, n.º 1, al. a), e de dois crimes de burla p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena única de 7 meses de prisão e em 150 dias de multa à taxa diária de 5,00€, suspensa a pena de prisão na sua execução por um período de 3 anos sob condição de pagamento das quantias de 50,00€ a cada uma das duas ofendidas, veio dele interpor recurso com os fundamentos constantes da respectiva motivação e as seguintes conclusões: - "...

I-

  1. O acórdão recorrido enferma de vários vícios, desde logo contradição entre a fundamentação e a decisão, pois o Tribunal "a quo" considerou provado no ponto B do douto acórdão "que em data e de forma não concretamente apurada mas seguramente durante o ano de 1999 os arguidos entraram em poder de quantidade indeterminada de notas de cinco mil escudos em tudo semelhantes às notas de 5.000$00 emitidas pelo Banco de Portugal e que eram utilizadas como meio de comércio..".

  2. Contudo dos factos provados e de toda a matéria prova produzida em audiência de julgamento o arguido B.......... em 1999 não tinha em seu poder qualquer nota, pois os factos pelos quais o arguido B.......... foi condenado ocorreram no ano de 2000.

  3. Por outro lado e relativamente aos factos que ocorreram no ano de 2000, pelos quais o arguido B.......... foi condenado e que são relatados nos pontos S a V como tendo sido estes praticados pelo arguido C.........., sendo o arguido B.......... acusado de actuar em comunhão de esforços com este e ainda pelos factos constantes nos pontos W a Z a houve erro notório na apreciação da prova.

  4. Com efeito, os factos pelos quais o arguido foi condenado passaram-se num único dia no mês de Março do ano 2000 e relativamente a estes factos não se produziu prova cabal para condenar o arguido B.........., como se pode ver na fundamentação à matéria exarada nas alíneas S a V nem sequer é feita qualquer referencia ao arguido B.......... .

  5. Já relativamente à matéria relatada nas alíneas W a Z, sendo nesta parte o único episódio em que o arguido foi reconhecido por uma testemunha também não foi suficiente a prova produzida.

  6. A única testemunha que reconheceu o arguido, D.........., teve um depoimento pouco credível, pois no decorrer do seu depoimento disse ser a única vez que viu o arguido, que na altura nada a fez desconfiar, pois a pessoa que foi ao café agiu normalmente; G) Por outro lado ainda mais é de estranhar este reconhecimento, uma vez que na douta acusação publica o arguido B.......... nem sequer vinha acusado deste facto, era sim o outro arguido C.........., tendo sido o depoimento desta testemunha que fez com que se alterasse a acusação neste ponto.

  7. E não podemos olvidar a testemunha viu o indivíduo que lhe passou a nota uma única vez e por um ou dois minutos, não tendo qualquer motivo para estar atenta à fisionomia dele, pois nada a fez desconfiar e passaram-se sete anos desde a data dos factos, pelas regras da experiência comum é fácil concluir que esta testemunha não o poderia ter reconhecido.

  8. Acresce que o depoimento prestado por E.......... que referiu ter seguido o veículo automóvel onde seguiam os arguidos não foi convincente no seu depoimento pois disse desde logo ao Tribunal que não era capaz de afirmar trata-se do arguido B.......... .

  9. Assim toda a prova produzida contra o arguido B..........o resume-se à testemunha D.......... que atento o já exposto é manifestamente insuficiente.

  10. O arguido B.......... deve pois ser absolvido dos crimes de passagem de nota falsa em concurso real e efectivo com o crime de burla por violação do artigo 410° n.° 2 al.c).

  11. Caso assim não se entenda e por mera cautela, sempre se dirá que mesmo que o arguido fosse condenado pelos factos que o Tribunal considerou resultarem provados contra si os mesmos não consubstanciam 2 crimes de passagem de moeda falsa e dois crimes de burla.

  12. O crime de passagem de moeda falsa é um dos casos típicos que consome o crime de burla, pois quem enganosamente passa moeda falsa a outrem comete, não dois crimes burla e passagem de moeda falsa, em concurso real, mas apenas um crime de passagem de moeda falsa, em concurso aparente com o de burla, já que o engano é elemento intrínseco do crime de passagem de moeda falsa.

  13. Por outro lado, também o número de crimes de passagem de moeda falsa não se verifica pelo número de vezes idêntico ao alegado número de entrega de notas.

  14. Quando muito, os factos descritos no acórdão poderiam integrar um crime continuado, o que ainda assim se não concebe, pois a multiplicidade de vezes de preenchimento do mesmo tipo legal de crime configura em regra a multiplicidade de crimes da mesma natureza.

  15. Havendo uma única resolução criminosa a presidir a uma globalidade de actuação que se prolonga no tempo, não estamos perante um crime continuado, mas perante um só crime, ainda que de execução continuada.

  16. Se há uma só resolução, um só dolo, o agente só é passível de um juízo de censura.

  17. Pelo exposto e em conclusão mesmo a considera que arguido praticou os factos que o tribunal considerou provados e pelos quais foi condenados factos estes integram apenas um crime de passagem de moeda falsa e não 2 crimes de passagem de moeda falsa e 2 crimes de burla.

  18. O acórdão recorrido violou nesta parte o disposto no artigo 30° n.° 1 do Código Penal.." O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo: - "... 1 - Não há contradição entre a fundamentação e a decisão, quando o Tribunal Colectivo dá como provado terem os três arguido entrado na posse das notas falsas em 1999 e, ter condenado o arguido B.......... por factos de passagem de moeda falsa ocorridos em 2000, já que poderia o arguido ter na sua posse moeda falsa desde 1999, mas ter decidido pô-la em circulação apenas em 2000, não significando isso qualquer contradição.

2- Não existe erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos por que o arguido B.......... foi condenado, já que da conjugação dos depoimentos prestados sobre a matéria dada como provada nos pontos S a V e W a Z, através do princípio da livre apreciação da prova, se percebe como o Tribunal Colectivo formulou o seu juízo critico e decidiu condenar o recorrente.

3- O que existe é uma opinião diferente por parte do recorrente sobre como tal prova deve ser apreciada, mas a folhas 520 a 523, O Tribunal Colectivo indicou as provas materiais em que se fundamentou para dar como provado que o arguido B.......... participou nesses factos e a forma em que tal aconteceu.

4- Os crimes de passagem de moeda falsa e de burla protegem bens jurídicos diferentes, pois enquanto o primeiro visa proteger o curso legal de moeda posta em circulação pela entidade competente, o segundo protege o património em geral, pelo que a violação desses bens jurídicos importa no cometimento de crimes diferentes.

5- Aliás, verifica-se preenchido o crime de passagem de moeda falsa pelo simples por à venda de moeda falsa, como resulta do n.° 1 do artigo 265.° do Código Penal, ou mesmo quando esse dinheiro falso é oferecido, não sendo necessário a existência de alguém que tivesse sofrido qualquer tipo de prejuízo. No entanto, este facto é elemento essencial no crime de burla, como resulta duma leitura do artigo 217.° do mesmo código.

6- Assim, quando alguém passa moeda falsa, através de erro ou engano de outra pessoa, causando a essa pessoa ou a uma outra, prejuízo material, violou dois diferentes interesses ou bens jurídicos, pelo que cometeu dois diferentes crimes, em concurso real.7- Se essa conduta se verifica por mais de uma vez, envolvendo pessoas diferentes, em momentos e locais distintos, haverá tantas as resoluções criminosas quantas as pessoas enganadas e prejudicadas, podendo falar-se em tantos crimes de burlas quantas as pessoas lesadas.

8- Já a mesma certeza não existe quanto ao crime de passagem de moeda falsa, por a detenção de várias notas falsas ter levado logo o agente a passá-las todas, podendo as mesmas ser passadas de várias vezes por uma questão de estratégia, ou oportunidade e, nesta situação, só haveria uma resolução criminosa e, portanto, um só crime dessa natureza." Neste Tribunal o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer concluindo pela improcedência do recurso e acrescentando: "... Face à nova redacção do n.º 5 do art. 50.º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o período de suspensão da execução da pena deve ter a duração igual à da pena, mas não inferior a um ano.

Porque a pena de prisão é, no caso, de sete meses, deverá alterar-se o período da suspensão para um ano, em lugar dos três anos que vinha da sentença recorrida, por força do art. 2.º, n.º 4 do Código Penal, mantendo-se, contudo as condições da suspensão.

..." Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre agora apreciar e decidir.

  1. É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

    As questões trazidas à apreciação desta Relação no recurso dos autos são as seguintes: - contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; - erro notório na apreciação da prova; - subsunção dos factos ao direito, no sentido de eles integrarem apenas um crime de passagem de moeda falsa.

    Do acórdão recorrido consta a seguinte fundamentação de facto: - "...

    Realizada a audiência de julgamento o Tribunal logrou apurar os seguintes factos: A- Os arguidos B.......... e C.......... são irmãos, sendo o último casado com a arguida F.......... .

    B- Em data e de forma não concretamente apurada, mas seguramente durante o ano de 1999, os arguidos entraram em poder de uma...

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