Acórdão nº 0816381 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 6381/08-1) * Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Vinhais, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº ../07.0TAVNH, foi proferida sentença, em 19/06/2008 (fls. 190 a 206), constando do dispositivo o seguinte: "Pelo exposto, decide-se: Absolver B.........., da acusação da prática de um crime de difamação p. e p. nos termos do artigo 180.º, n.º1 do C. Penal.

Absolver B..........

do pedido de indemnização civil deduzido por C.......... .

Condenar C.......... como litigante de má fé, no pagamento de: - Multa no montante de 3 (três) unidades de conta, e - Indemnização, cujo quantitativo se fixará posteriormente.

*Custas a cargo do assistente - cfr. art.º 515.º, n.º 1, al. a) do C.P.Penal e art.º 446.º, n.º 1 do C.P.Civil ex vi do art.º 523.º do C.P.Penal.

*Após a leitura da sentença proceder-se-á ao respectivo depósito.

(...)"*Não se conformando com essa sentença, o assistente C.......... dela interpôs recurso (fls. 214 a 239), formulando as seguintes conclusões: 1. "Da matéria dada como provada, resulta evidente que o arguido afirma que viu colocada na carrinha do Recorrente uma trave de madeira; 2. Em abstracto não conteria nada de difamatório, não fosse a circunstância desta imputação ocorrer na sequência do legítimo proprietário da dita trave andar a indagar de quem lha tinha tirado; 3. Como ademais resulta manifesto das declarações do arguido, cuja transcrição aqui se junta, sendo certo que a audição das mesmas poderá ser realizada por V. Excelências, conforme o previsto no nº 6 do art. 412º do CPP; 4. Nesta sequência, e face ao contexto em que tais afirmações foram proferidas e divulgadas, sem que o arguido tenha feito prova da sua veracidade, ou sequer do fundamento sério da mesma, teremos que necessariamente concluir que tal actuação preenche os requisitos do estabelecido no art. 181º do C.P.; 5. O direito ao bom-nome é um direito de personalidade, pertencente à categoria dos direitos absolutos, consagrados, entre outros, no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa; 6. Para efeitos de determinar neste caso concreto sobre quem impende a prova da verdade ou da falsidade das afirmações difundidas pelo arguido, a norma constante do artigo 31º do CP é irrelevante, na medida em que o legislador assumidamente pretendeu estipular uma solução específica para o caso do crime de difamação, e fê-lo por via do estabelecido no nº 2 do art. 180º do C.P. impondo ao arguido o ónus de provar a veracidade do conteúdo das declarações prestadas; 7. Ora, quando o arguido claramente diz que a trave era do Sr. D.........., e que quando este lhe perguntou se tinha alguma informação acerca da trave, tendo este afirmado que a viu na carrinha do Recorrente, temos que forçosamente concluir que teve intenção difamatória; 8. E porquê? Porque nem sequer ousou demonstrar a probabilidade séria de tal facto corresponder à verdade; 9. Na nossa humilde opinião, andou mal o tribunal ao não considerar que tais factos não preenchem o tipo de crime em causa, indo ainda mais longe ao expressamente fazer lavrar que tal afirmação nada tem de difamatório; 10. Neste tipo de crimes, como ensina a doutrina e a jurisprudência, não devemos descontextualizar as afirmações (o facto que o arguido alega ter ocorrido). Exige-se ao julgador que os aprecie da forma mais aproximada possível ao meio, tempo, espaço e contexto em que tal ocorreu; 11. Há "bocas" que em abstracto nada têm de difamatório ou injurioso, mas que pronunciadas noutra circunstância passam a assumir tal carácter, como se verifica no caso vertido nos presentes autos; 12. Ficou ainda claramente demonstrado que o arguido não conseguindo justificar o alegado visionamento da trave na carrinha, e na falta de melhor argumento, acaba por dizer que a trave tinha que ser do Sr. D.........., e que a conseguia distinguir entre dez ou mais vigas! Enfim ... 13. Cremos que as simples declarações do arguido são mais que suficientes para se concluir que tais factos constituem o tipo p.p. pelo disposto no art. 180º C.P., porquanto as mesmas não são confirmadas pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, desde já se requerendo a sua audição; 14. Doutrinalmente, a "difamação" é definida como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado, o que inclui a honra como o "...elenco de valores éticos que cada pessoa possui..." e a consideração que poderá definir-se como a reputação ou "...o merecimento que o indivíduo tem no meio social..." 15. O resultante da afirmação do arguido insere-se exactamente neste âmbito! 16. Havendo crime, encontram-se igualmente preenchidos os requisitos constantes do disposto no art. 484º do Código Civil; 17. A ofensa do crédito e do bom-nome prevista no artigo 484º do C.C. apresenta-se como um caso especial de facto antijurídico definido no artigo 483º do C.C. e subordinado aos pressupostos nestes enunciados, os quais são cumulativos; 18. Pelo que, e numa relação directa, terá que se julgar procedente o pedido de indemnização cível formulado; 19. Por último, e quanto à condenação como litigante de má-fé, o tribunal a quo baseou a condenação apenas no facto do assistente insistir na circunstância de imputar ao arguido a afirmação do étimo "roubar"; 20. Face a tal circunstância entendeu que o mesmo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do art. 456º do CPC, condenando-o no pagamento de multa no montante de três Unidades de Conta, e no pagamento de indemnização em quantitativo a fixar posteriormente; 21. O arguido afirma de forma peremptória que viu a trave ou viga do Sr. D.......... na carrinha do recorrente; 22. Dado o circunstancialismo em que tal facto foi divulgado, o recorrente acabou por fazer uma qualificação jurídica das palavras do arguido, porquanto o contexto em que as mesmas foram proferidas são de molde a criar tal convicção no espírito de quem as ouve; 23. Isto é, se ele afirma que viu a trave na carrinha, é porque "...me acusa de roubo"! Ao trazer os factos para o processo, o recorrente faz uma qualificação a partir dos factos que aconteceram.

24. Nesta sequência, e pese embora o subjectivismo de tal qualificação, a qual em nada vincula o tribunal, não cremos que não exista qualquer fundamento para deduzir a pretensão compensatória, pelo que neste particular terá que cair a condenação como litigante de má-fé; 25. Só assistiria razão, caso se demonstrasse que nada foi dito, ou se porventura o arguido conseguisse demonstrar de alguma forma a veracidade de tal imputação, o que não logrou realizar; 26. Não fazendo qualquer uso ilegítimo do processo, cremos que não se encontram preenchidos os requisitos a que alude o estabelecido no art. 456º do C.P.C., não tendo o recorrente deduzido pretensão cuja falta de fundamento conhecia, e tão pouco fez um uso reprovável do processo, porquanto tudo o que o Recorrente pretende é lograr limpar a sua honra e o seu bom-nome, o qual mesmo continuando a merecer muito crédito, saiu inevitavelmente abalado pela displicência e incúria do arguido ao proferir tais afirmações, imputando um facto que bem sabe ser falso." Termina pedindo a revogação da sentença sob recurso, condenando-se o arguido pela prática de um crime de difamação (p. e p. no art. 180º do CP), acrescentando dever ser declarado procedente o pedido de indemnização cível e ser julgado improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé.

*Na sequência da decisão proferida em 9/7/2008 (fls. 268 a 269) que, dizendo completar a sentença quanto à condenação do assistente como litigante de má-fé, ainda o veio a condenar a pagar ao arguido a quantia de € 300,00 e ao defensor deste a quantia de € 500,00, mais IVA à taxa legal, o mesmo assistente, por não concordar com essa última decisão, veio igualmente completar o seu anterior recurso (fls. 275 a 280), apresentando as seguintes conclusões: a) "Sem prescindir do pedido que mantém, e que passa pela revogação da sentença na parte em que condena o Recorrente como litigante de má-fé, vem agora, em aditamento ao recurso interposto, e porque somente neste momento se conheceu a decisão que procedeu à liquidação do montante indemnizatório, formular as presentes alegações; b) O arguido peticionou o montante de € 300,00 a título de despesas, e de € 500,00 acrescido de IVA a título de honorários; c) Aquando da liquidação de tal obrigação, veio espartilhar os € 300,00 reclamados, sendo que € 125,00 corresponderiam a dois dias e meio que perdeu (não dizendo se eram de trabalho ou de lazer), e os restantes € 175,00 a título de danos morais, vergonha, etc; d) Da consulta dos autos resulta evidente que nunca foi pedida qualquer declaração de presença ou qualquer justificação para fins laborais; e) Alegou o arguido que auferia o montante de € 800,00, sem que tenha feito prova documental de tal facto; f) Pese embora o parco sustento fáctico dos prejuízos invocados, a verdade é que o Tribunal lhos veio a arbitrar pela totalidade; g) Sucede porém que a presente decisão viola de forma clara e absoluta o princípio do dispositivo, consagrado no art. 264º do CPC; h) A parte apenas reclamou as despesas, pelo que seria apenas a tal que teria eventualmente direito; i) Ora, o Tribunal ao ir mais além, sem qualquer sustento fáctico comete ilegalidade insanável, que contamina a presente decisão; j) Cabe à parte alegar os factos que integram a causa de pedir; k) A parte não alegou factos suficientes, a que acresce que pediu a condenação no montante de € 300,00 a título despesas, momento em que ficou cristalizado o pedido, pelo que a circunstância de posteriormente vir pedir outros danos, para conseguir preencher tal quantitativo, afigura-se impossível por violação da norma em causa; l) Assim sendo encontra-se preenchida a previsão normativa contida na alínea e) do nº 1 do art. 668º do CPC, sendo nula a presente...

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