Acórdão nº 0814050 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução26 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 4050/08-1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, foi julgado em processo comum (../04.5TAARC) e perante tribunal singular o arguido B.........., devidamente identificado nos autos, tendo a final sido proferida decisão que o condenou como autor material de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, n.º 1 e 2 do Cód. Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; como autor material de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181º do C. Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; como autor material de um crime de difamação, previsto e punido pelo art. 180º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00. Em cúmulo jurídico, condenou-o na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de € 6,00.

O arguido foi ainda condenado a pagar ao demandante C.......... a quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora desde a citação do pedido de indemnização civil, à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com tal condenação, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação concluindo, em síntese: - O requerimento para a constituição de assistente do ofendido foi feito depois do prazo legal, impondo-se o arquivamento dos autos por ilegitimidade do MP para o exercício da acção penal (conclusões 1ª e 2ª); - Impunha-se a suspensão do processo-crime até decisão da questão cível, onde se discute o direito real de propriedade sobre os imóveis relacionados com os factos em causa nos autos (conclusão 3ª); - Não se poderia ter dado como assente o facto do ponto 6) da sentença recorrida, por se tratar de matéria litigiosa, resultando assim a incompetência do Tribunal em razão da matéria, o que consubstancia uma inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 32º, 9 da Constituição (conclusão 4ª); - A acusação pública não contém factos suficientes para conduzirem à condenação pelo tipo legal de dano (conclusão 5ª); - As expressões constantes da acusação não são susceptíveis de se subsumir no tipo de ameaça (conclusão 6ª e 7ª); - Existem depoimentos que se não encontram devidamente gravados, o que constitui irregularidade, impondo-se a repetição do julgamento, porquanto não estão as provas documentadas e a prova no entretanto produzida perderá eficácia, pelo decurso de 30 dias (conclusão 8ª); - O julgamento da 1ª instância enferma de erro na apreciação e valoração da prova (9ª e 10ª); - A condenação na parte cível terá de claudicar, por não haver facto ilícito e culposo e, em todo o caso, porque a condenação pelos danos não patrimoniais ultrapassa o "quantum" adequado (conclusão 11ª).

O Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância respondeu à motivação do recurso, sustentando a manutenção da sentença, concluindo em síntese: - O recorrente violou o disposto no art. 412º, n.º 2, al. a) do CPP, devendo assim o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art. 420º, n.º 1, do CPP; - O requerimento de constituição de assistente foi formulado dentro do prazo legal; - A acusação particular foi regularmente efectuada; - Não há insuficiência da matéria de facto da acusação pública, não houve violação do princípio in dubio pro reo, nem erro na apreciação da prova.

O assistente respondeu também à motivação apresentada, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Por despacho do Relator, foi o arguido convidado a corrigir a motivação, indicando as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas.

Respondendo ao convite, veio esclarecer o seguinte: "Constituição de assistente, prazo e legitimidade, os artigos 68º e 50º do CPP; Processo Cível/prejudicialidade, os arts. 8º do CPP, 32º, 9 da CRP e 180º, 2 do CP; Inexistência do tipo legal de ameaça, que não dano, como por lapso se refere, artigo 153º do C. Penal; Erro na apreciação da prova/irregularidade, art. 127º, 363º e 364º do CPP, 32 da CRP e 180º, n.º 2, b) e 181º, 2 do C. Penal".

O Ex.º Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o arguido não supriu as irregularidades detectadas e que suscitaram o convite à correcção, acompanhando, no mais, a resposta do MP na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se à realização da audiência Cumpre decidir.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: a) Factos provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1) Em data não apurada do ano de 2004, mas anterior a 22 de Maio de 2004, o arguido disse para D.......... para transmitir ao denunciante C.......... para nunca mais pôr os pés nas terras senão que lhe dava uns tiros.

    2) Como consequência directa e necessária da sua conduta, o arguido provocou no denunciante fundado temor que viesse a concretizar as ameaças que proferiu.

    3) O arguido agiu voluntária e conscientemente, com intenção de causar receio ao denunciante, fazendo-lhe crer que concretizaria o que afirmava, e de forma idónea a provocar-lhe temor, o que conseguiu.

    4) Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, ao que foi indiferente.

    Mais se provou que: 5) Na sequência da morte de E.........., o assistente estabeleceu negociações com os seus herdeiros a fim de lhes comprar alguns dos prédios rústicos sitos na freguesia de .........., Arouca.

    6) Em resultado de tais negociações, o assistente, em 4 de Junho de 2003 comprou, pelo preço global de € 21 450, sete prédios rústicos que os vendedores herdaram, por sucessão testamentária, da E.......... .

    7) Após a compra dos referidos prédios e pago o respectivo preço, o assistente procedeu ao registo da aquisição a seu favor na competente Conservatória do Registo Predial de Arouca.

    8) Após o assistente ter adquirido os prédios e entrado na posse dos mesmos, o arguido começou a chamar o assistente de "Ladrão".

    9) Depois da compra realizada pelo assistente, o arguido tem vindo, quer directa, quer por interposta pessoa, apelida o assistente de "ladrão".

    10) O arguido chega mesmo a contactar vizinhos pedindo-lhes que digam ao assistente que é um "ladrão", chegando mesmo a afirmar que tem as propriedades compradas pelo assistente registadas na Conservatória do Registo Predial a favor dele.

    11) Em 22 de Maio de 2004 o assistente foi interpelado em .........., em casa do pai, pelo D.........., que lhe transmitiu que o B.......... mandava dizer que o assistente era um "ladrão" e que ele, B.........., tinha as propriedades registadas em seu nome e "para nunca mais pôr os pés nas terras senão que lhe dava uns tiros".

    12) O arguido, por várias vezes, nos meses de Março, Abril e Maio de 2004, quando encontra ou passa pelo assistente chama publicamente de "ladrão" e "que lhe há-de dar uns tiros".

    13) O arguido bem sabe que a sua actuação é proibida e ilegal.

    14) O arguido actua livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o não pode nem deve fazer e que tal constitui crime.

    15) O assistente é pessoa de sã formação moral e cívica.

    16) O assistente é pessoa séria, honrada, digna de toda a consideração social.

    17) O assistente sentiu-se e continua a sentir-se profundamente vexado, humilhado e psicologicamente afectado face aos ataques à sua honra, bom-nome e consideração, que foram denegridos pelo arguido.

    18) O arguido tem vindo a pôr em causa a honra, bom-nome, imagem pública e consideração social do assistente.

    19) O arguido é considerado boa pessoa, cumpridora, é honesto e de confiança.

    20) O arguido é casado.

    21) Encontra-se reformado, recebendo € 226 de pensão. A mulher é doméstica.

    22) Vive em casa de familiares, não pagando renda.

    23) Tem o 4º ano de escolaridade.

    24) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

    1. Factos não provados Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos: 1) Após o assistente ter adquirido os prédios e entrado na posse dos mesmos, o arguido, por inveja doentia, começou a chamar o assistente, em vários locais públicos e repetidamente, de "Ladrão".

      2) Depois da compra realizada pelo assistente, o arguido tem vindo a aumentar a frequência e a gravidade das vezes que, quer directa, quer por interposta pessoa, apelida o assistente de "ladrão".

      3) Nos meses de Março, Abril e Maio de 2004, o arguido, frequentemente, em locais públicos de grande frequência, da freguesia de .........., tem afirmado publicamente que o...

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