Acórdão nº 8162/2008-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRCIA PORTELA
Data da Resolução05 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório J, residente na Caparica, intentou acção declarativa com processo sumário, contra Companhia de Seguros S.A., com sede em Lisboa, Fundo de Garantia Automóvel, com sede em Lisboa, P e C, residentes na Amadora, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 8.251,25, acrescida de juros vencidos desde a citação até integral pagamento, a título de danos patrimoniais.

Alegou para tanto, e em síntese, que foi interveniente num acidente de viação com o 3º R., por culpa exclusiva deste, por conduzir desatento, com imperícia e com falta de respeito pelas regras de trânsito, e ainda sob o efeito do álcool.

E que demanda a seguradora e o Fundo de Garantia Automóvel, por dúvidas acerca da cobertura a apólice de seguro do 3° R.

Contestou a R. Companhia de Seguros, S.A., alegando, em síntese que a culpa do acidente ficou a dever-se ao A., na sequência do manobra imprevidente, e que à data do acidente haviam já cessado os efeitos do seguro, na sequência de alienação do veículo segurado.

Contestou o R. Fundo de Garantia Automóvel alegando, em síntese que, desconhece as circunstâncias em que ocorreu o acidente e suas consequências, e que a alegada verificação da taxa de alcoolemia não constitui transgressão causal nem integra presunção de culpa. E que sempre haveria que descontar o valor do veículo entregue ao sucateiro e a franquia de € 300,00 relativamente aos danos materiais.

Os RR. C e F, regularmente citados, não apresentaram contestação.

Foi elaborado despacho saneador e procedeu-se a julgamento.

Por sentença de fls. 213 e ss. foram os RR. absolvidos do pedido.

Inconformado recorreu o A., apresentando alegações com as seguintes conclusões: «1 - O tribunal "a quo" não levou a efeito uma correcta apreciação da matéria de facto, o que consequentemente originou uma incorrecta resposta à base instrutória.

2 - Em virtude da prova constante dos autos, quer testemunhal, quer documental, deverá a resposta aos quesitos 7°, 20° 23°, 24°, 27°, 31°, 32° e 33°., ser alterada sendo os mesmos considerados como provados; 3 - Ficaram por esclarecer as circunstâncias em que o acidente ocorreu, pelo que o tribunal "a quo" não pôde concluir pela culpa efectiva ou presumida do 3° Réu. Igualmente desconhecemos se o mesmo foi imputado ao A. ou foi causa de força maior; 4 - Não se provando em absoluto as circunstâncias do acidente designadamente a culpa - efectiva ou presumida - o condutor do veículo, que apresentava uma taxa de alcoolémia de 1,73 g/, terá de responder por apelo ao elemento risco.

5 - Estando demonstrado que o 3° Réu circulava com uma taxa significativa de álcool no sangue - 1,73 gll -, o que em si mesmo configura um ilícito criminal (conforme art.° 292° do C. Penal), não pode deixar de se considerar, por ilação (como o permitem os art.°s 349° e 351° do C. Civ.), que tal factor pelo menos também contribuiu para o desfecho verificado, associado ou não aos demais factores como seja a localização do local do embate, uma recta de boa visibilidade e a circulação eufórica e imprudente.

6 - Dispõe o N° 1 do art. 506° do C.Civil que o carácter perigoso do veículo reside mais no seu uso do que no seu dinamismo próprio. O que significa que não são apenas as situações dependentes da viatura ou a ela inerentes que preenchem o risco por ela representado, estando igualmente subjacentes ao citado preceito os riscos relacionados com o próprio condutor; 7 - Uma taxa de álcool no sangue de 1,73 g/l, torna o uso daquele veículo muito mais perigoso, pois é sabido que o álcool cria no condutor uma imoderada confiança em si próprio, ao mesmo tempo que lhe diminui a rapidez dos reflexos, a capacidade visual e o raciocínio.

8 - Não sendo possível definir a culpa de qualquer dos intervenientes no acidente, não deixa a lei de estabelecer mecanismos de ressarcimento dos prejuízos sofridos pela parte socialmente mais fraca, à custa daquele que gera o risco, neste caso o 3° Réu.9 - Embora a causa de pedir assente na culpa do condutor da viatura e tal culpa não tendo sido provada nem por isso se terá de determinar a improcedência da acção face à limitação estabelecida pelos artigos 268°, 272°, 660 n° 2, e 668° todos do Código Civil».

A R. seguradora contra-alegou concluindo pela manutenção do julgado em relação a ela por o veículo ter sido alienado dois meses antes do acidente.

O Fundo de Garantia Automóvel não contra-alegou.

  1. Fundamentos de facto A 1ª instância considerou provados os seguintes factos: 2.1. No dia 29 de Abril de 2001, pelas 06h30m, no IC19, ao Km 10, sentido Lisboa - Sintra, ocorreu um acidente de viação.

    2.2.Foram intervenientes no acidente referido em 2.1. o veículo ligeiro de mercadorias, propriedade do A., de matrícula QG e conduzido por M, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula UX.

    2.3. O acidente verificou-se numa recta de boa visibilidade e as condições atmosféricas eram boas.

    2.4. A faixa de rodagem possui uma largura de 7 metros, distribuídos por duas vias de trânsito.

    2.5. O veículo QG era um veículo que procedia diariamente à distribuição de jornais e revistas.

    2.6. O veículo QG iniciava o seu trabalho de distribuição de jornais e revistas.

    2.7. A autoridade policial tomou conta da ocorrência.

    2.8. Feito o teste quantitativo do álcool no aparelho Seres Ethylometre 679T, o 3° R., condutor do veículo n° 2, acusou uma TAS de 1,73g/1.

    2.9. O 3° R. foi detido por condução sob a influência do álcool.

    2.10. O condutor do veículo n° 1, propriedade do A., não acusou qualquer TAS.

    2.11. Embora o veículo QL estivesse ainda em nome de E, Ldª, na altura do acidente, o mesmo era da propriedade do A..

    2.12. Desde 20 de Março de 2001 que a E havia emitido uma declaração de venda em nome do A..

    2.13. Estando inclusivamente o seguro em nome da companheira do A., R.

    2.14. Em consequência directa e necessária do acidente em apreciação, o veículo QG ficou seriamente danificada.

    2.15. O veículo foi entregue a um sucateiro.

    2.16. O A. auferia por essa distribuição o valor diário de Pte.9.470$00 / 47,24 (quarenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos).

    2.17. Remuneração esta que era sobre 30 (trinta) dias, ou seja, a distribuição é feita todos os dias inclusivamente aos sábados e domingos.

    2.18. Em carta datada de 20.Jul.2001, dirigida a R, pela Companhia de Seguros, consta que "lamentamos informar que não poderemos responsabilizar-nos pelo pagamento dos prejuízos sofridos por V. Ex.a (...)".

    2.19. O veículo seguro UX) já tinha sido alienado, dois meses antes do acidente, pela sua proprietária, a segurada, 4ª R. ao 3° R..

  2. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - causa de pedir nas acções emergentes de acidente de viação: se intentada acção com base na culpa do lesante o tribunal pode decidir com base no risco; - se se verificam os pressupostos da responsabilidade pelo risco, designadamente não se tendo demonstrado qual o concreto risco que originou o acidente; - a taxa de alcoolemia enquanto factor de agravamento do risco; - a responsabilização do Fundo de Garantia Automóvel.

    3.1. Da impugnação da matéria de facto Nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se...

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