Acórdão nº 10484/2008-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | CARLOS ALMEIDA |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O arguido J... foi pronunciado pela prática de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal (fls. 208 a 214).
No dia 2 de Julho de 2008, no termo da audiência de julgamento que decorreu no 4.º Juízo Criminal de Lisboa, veio a ser proferida sentença que absolveu o arguido da prática do crime que lhe era imputado.
A demandada "Companhia de Seguros ..., S.A." foi também absolvida dos pedidos de indemnização cível contra ela formulados pelos demandantes T... e "Instituto da Segurança Social, I.P.".
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que: 1. No dia 23 de Dezembro de 2005, cerca das 6h15m, o arguido conduzia o ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-SB, na Av. Infante D. Henrique, em Lisboa, no sentido Norte /Sul; 2. Uns metros antes da entrada do túnel, C... iniciou a travessia da faixa de rodagem da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo do arguido; 3. O arguido apercebeu-se que o C... estava a efectuar a travessia da via e, embora tenha travado, não logrou imobilizar o veículo, evitando o embate; 4. O veículo embateu o peão com a frente, projectando o corpo no ar a cerca de 46,70 m do local do embate e fazendo com que aquele passasse por cima da viatura, ficando caído no solo a 6,20 metros à retaguarda da viatura; 5. Em consequência directa e necessária do embate, C..., sofreu infiltração hemorrágica do couro cabeludo e aponevrose epicraniana das regiões parietais, luxação da sexta sobre a sétima vértebra cervical com contusão da espinal-medula a este nível, laceração da aorta torácica com secção traumática total desta a nível da sexta vértebra torácica, contusão do lobo inferior do pulmão direito, hemotórax bilateral de cerca de 1125 cc. à esquerda e de 500 cc. à direita, laceração do baço, hemoperitoneu de cerca de 200 cc. e hemorragias petequiais subpleurais, subepicárdicas e subendocárdicas que lhe determinaram a morte; 6. No local havia vestígios de travagem do veículo numa extensão de 68,50 m; 7. Após o embate o veículo ficou imobilizado a sensivelmente 23,30 m do túnel e a 2,70 m do separador da via; 8. O local do embate é uma artéria em recta, plana, de duplo sentido de tráfego com placa central de 80 cm em bloco de cimento e tem, no sentido em que o arguido seguia, 12,20 m de largura; 9. A via possui uma passagem aérea a cerca de 168 metros dessa zona e não apresenta passadeiras a menos de 50 m desse ponto; 10. Aquando do embate o peão percorrera já 10 m da via, estando, por isso, a 2 m do separador central; 11. Nesse troço da via, encontra-se um placar informativo, sendo que um dos pilares de suporte do mesmo encontra-se no passeio e um outro no eixo da via; 12. Nessa zona, o separador central encontra-se afastado do pilar, sendo que aí se poderia transpô-lo; 13. Na ocasião, não estava a chover e os candeeiros existentes estavam em funcionamento; 14.
Agiu o arguido de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 15. Pela apólice n.º 5.............0 a "Companhia de Seguros ..., S.A." assumiu perante o arguido o pagamento das quantias devidas em virtude de acidentes de viação em que o veículo de matrícula ..-..-SB fosse interveniente; 16. O falecido nasceu em 10 de Novembro de 1981 e era canalizador; 17. O falecido era uma pessoa alegre e estava emocionalmente ligado à assistente, sua mãe e ajudava nas despesas do agregado familiar; 18. A demandante ainda não esqueceu a morte do filho e sofreu pela perda daquele; 19. O Centro Nacional de Pensões pagou a T... a quantia de € 1.295,00 em virtude das despesas de funeral de C...; 20. O arguido é titular de carta de condução desde 20 de Dezembro de 1974, não lhe sendo conhecidos antecedentes contra-ordenacionais; 21. O arguido é tido pelas pessoas que com ele convivem como um condutor prudente e como uma pessoa de quem todos gostam; 22. A via referida no ponto n.º 8 tem quatro faixas de rodagem; 23. Antes de travar, o arguido não se apercebeu da presença do falecido na via; 24. Na altura do embate, o veículo conduzido pelo arguido seguia, com as luzes ligadas, a mais de 50 km/h, na faixa mais próxima do separador central, sendo que, para o trajecto que pretendia tomar, existia uma outra faixa; 25. O arguido é divorciado, vive com uma companheira, explora um estabelecimento comercial, aufere em média cerca de € 500 por mês e suporta o pagamento mensal da renda do referido espaço no valor de € 400, sendo que as despesas da casa onde habita são suportadas por aquela; 26. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
O tribunal considerou não provado que: · O arguido imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade instantânea não inferior a 100 km/h; · O arguido apercebeu-se da presença do peão quando ainda se encontrava distante do local onde aquele estava, sendo que 16,40 metros dos rastos de travagem estão marcados ainda antes do local de embate; · O arguido, nas condições supra descritas, sabia que conduzia com uma velocidade excessiva para aquele local, não ignorava que agia sem as cautelas a que se encontrava obrigado e de que era capaz de observar, de forma a evitar o embate com o corpo do C... e a sua morte; · O arguido agiu de forma voluntária; · Na sequência do embate, C... teve a noção de que iria morrer; · O falecido sempre viveu com a mãe; · Na sequência da morte de C..., a assistente passou a ser medicada com anti-depressivos e calmantes, sentindo revolta, sendo que o dia do aniversário do seu filho é um dia de tristeza e de mágoa; O tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos: No que respeita aos factos elencados nos pontos n.ºs 1 a 4 (no que respeita ao embate no corpo de C... e ao modo como o mesmo se desenrolou), o tribunal considerou as declarações do arguido que, de uma forma livre e parcial, admitiu os mesmos.
Quanto à distância entre veículo conduzido pelo arguido e o local onde o corpo se encontrava e quanto à distância entre o local do embate e o local onde ficou o corpo (ponto n.º 4 do elenco dos factos provados), foi tido em conta o croquis de fls. 5, tendo-se tido em conta que o espaço onde se encontrava o gorro que C... trazia [cf. alínea d) da respectiva legenda] foi plausivelmente indicado por R... (o agente da Polícia de Segurança Pública que compareceu no local na sequência dos factos e que elaborou o dito croquis, tendo deposto de uma forma sincera, convicta e persuasiva), como sendo o ponto de conflito, o que se revela em consonância com os dados da experiência corrente, já que seria a primeira peça de roupa a cair na sequência do embate.
Ademais, de acordo com o croquis, era no enfiamento desse local que se situava a fresta entre os muros que compõem o separador de betão por um onde C... pretenderia atravessar.
No que respeita à morte do falecido e às lesões por ele sofridas, considerou-se criticamente o teor do relatório de autópsia de fls. 24 a 28, por intermédio do qual foi possível apurar a extensão, descrição e a localização das lesões sofridas por C..., bem como estabelecer a relação causal entre aquelas e os factos descritos sob os n.ºs 3 e 4 e identificar, com maior clareza, as causas da morte.
Quanto ao comprimento dos rastos de travagem e ao local onde o veículo ficou imobilizado, foram consideradas as medições constantes do referido croquis, as quais não foram infirmadas por quaisquer meios de prova.
No que tange à caracterização da via (pontos n.ºs 8, 9, 11, 12 e 22 do elenco dos factos provados), foram tidas em conta, conjugadamente, as declarações do arguido (que, no essencial, confirmou a descrição vertida no despacho de pronúncia), as menções vertidas no dito croquis (sendo que dele não consta a existência de qualquer passadeira) e o mencionado depoimento testemunhal.
No que respeita à distância percorrida pelo peão, foram tidas em conta, conjugadamente, as declarações do arguido (que, no essencial, confirmou a descrição vertida no despacho de pronúncia), a largura total da via (que, de acordo com o dito croquis se cifra em 12,20 m) e o mencionado depoimento testemunhal.
No que concerne ao estado do tempo, foram consideradas, conjugadamente, as menções vertidas a esse respeito no auto de participação de acidente de viação (de fls. 3 e ss.), sendo que R... confirmou que não estava a chover. A respeito da luminosidade existente, o tribunal levou em linha em conta as menções aos diversos postos de iluminação existentes no local (cf. croquis de fls. 5), sendo que o arguido e R... referiram que os mesmos estavam a funcionar.
Quanto à atitude interior do arguido, o tribunal, com base no apuramento dos factos elencados sob os n.ºs 1 a 4, logrou concluir que o arguido agira livre e conscientemente e, sendo detentor de carta de condução há mais de 20 anos, saberia, por certo, que as regras estradais determinam que a velocidade no interior de localidades (como é o caso) não seja, salvo casos excepcionais, superior a 50 km/hora, pelo que bem saberia que estava a protagonizar conduta legalmente proibida e punida.
No que se refere aos factos colhidos no pedido de indemnização civil da assistente, foi tida em conta, a respeito do seguro de responsabilidade civil automóvel do veículo, a apólice de seguro de fls. 246.
Quanto à data de nascimento do falecido, foi valorada analiticamente a respectiva certidão de nascimento de fls. 246 e, no que concerne à actividade que aquele desempenhava, foi considerado o depoimento de A... (meio irmão do falecido) que se revelou sincero, assertivo, espontâneo e descomprometido e que, por isso, foi tido como credível, tanto mais que o mesmo revelou conhecimento directo desse facto.
No...
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