Acórdão nº 9051/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelEURICO REIS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA LX PROC Nº 9051-08 (pc não especificada; direitos de personalidade; ruído excessivo) 20 Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa: 1. R intentou contra "E LDA" os presentes autos de procedimento cautelar não especificado que, sob o n.º 2209/08, foram tramitados pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, e nos quais, entre outras, foram proferidas as seguintes decisões: A) a de fls 763 a 768, cujo decreto judiciário é: "...Em conclusão, face ao pedido formulado no âmbito de uma providência cautelar pelo requerente, este Tribunal é o competente para apreciar e decidir tal pedido, não pertencendo a competência ao tribunal administrativo - cfr. arts 66º do CPC e 18º da LOFTJ - Lei n.º 3/99, de 13.01 e respectivas alterações.

Pelo exposto, julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria (incompetência absoluta) invocada pela Requerida.

Custas pela Requerida, que se fixa em 3 (três) UCs - art. 16º do Código das Custas Judiciais.

...

No caso concreto, tendo em conta os termos em que o requerente configura a relação jurídica controvertida, por se tratar de violação de direitos de personalidade, entre outros, o requerente é parte legítima na presente acção, não se aplicando o litisconsórcio necessário referente ao seu cônjuge, pelo que julgo improcedente a excepção de ilegitimidade invocada - cfr. art. 28º do CPC.

Custas pela requerida, que fixo em duas UCs - art. 16º do Código das Custas Judiciais. ..." (sic - fls 766 e 768, respectivamente); B) a de fls 998 a 1001, cujo decreto judiciário é: "...Por conseguinte, por não se coadunar com a presente providência cautelar, que se trata de uma apreciação sumária feita pelo Tribunal de factos e consequente prolação da decisão quanto se há ou não lesão dos direitos de personalidade do Requerente nos termos do art.º 381º e seguintes do CPC, pelo que indefiro tal exame pericial na presente acção, face ao supra exposto. ..." (sic - fls 1001); C) a de fls 1040 a 1069 (decisão final), cujo decreto judiciário é: "...Nestes termos e decidindo, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, determino que a requerida E LDA se abstenha da prática de quaisquer actos que violem os direitos do requerente, nomeadamente, ordenando a suspensão imediata do funcionamento do aerogerador n.º 2 (número dois), sito no Parque Eólico (...), concelho de Torres Vedras.

Custas pela requerida, com taxa de justiça reduzida a 1/4 - art. 453º, n.º1, in fine, 446º do Código de Processo Civil e art. 15º, n.º 1, al. m) do CCJ...." (sic - fls 1069).

Inconformados, a Requerida "E, LDA" (quanto às duas primeiras) e o Requerente R (quanto à terceira), vieram deduzir recursos contra essas decisões, tendo, todavia, a primeira desistido dos que interpôs, facto que mereceu o despacho de fls 1125.

E, relativamente ao agravo que subsiste, pede o Requerente recorrente (alegações a fls 1084 a 1092) que seja "...revogada a sentença recorrida e... decretada a suspensão do funcionamento dos quatro aerogeradores...", formulando, para tanto, as 13 conclusões que se estendem por fls 1090 a 1092, nas quais, em síntese, invoca que: "I. O presente recurso tem por objecto dois pontos, em primeiro lugar o facto da sentença recorrida não ter dado como provados todos os factos decorrentes dos danos sofridos pela mulher e filhos do Recorrente, por entender que estão em causa apenas a violação dos direitos de personalidade daquele.

  1. Havendo uma violação do artigo 70º do Código Civil... que protege os direitos de personalidade de uma pessoa... (devem) ser dados como provados os factos enumerados sob os números 1 a 27 dos factos dados como não provados, relacionados no essencial com os danos sofridos pela mulher e filhos do Recorrente.

  2. O segundo ponto do recurso refere-se ao facto de não terem sido dados como provados os factos relativos à influência causada pelos aerogeradores nºs 1, 3 e 4 e ao ruído que estes causam (factos não provados nºs 7, 8 e 9).... (devendo esses factos) ser dados como provados...".

A Requerida/agravada apresentou contra-alegações (fls 1101 a 11014), nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida, sustentada pelo Mmo Juiz a quo a fls 1125 a 1127.

  1. Considerando as conclusões das alegações do agravante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso - n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código), as questões a dirimir nesta instância de recurso são as seguintes: - pode ou não manter-se a decisão da 1ª instância pela qual se declarou não estarem provados os factos descritos sob os nºs 1 a 27 dessa parte do despacho recorrido, no que respeita quer ao recorrente quer à sua mulher e aos seus filhos? - com a decisão de fls 1040 a 1069 foi ou não violada a disposição contida no art.º 70º do Código Civil? E sendo esta a matéria que compete apreciar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 749º e 700º a 720º do CPC), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Exmos Desembargadores Adjuntos.

  2. No que respeita à matéria considerada indiciariamente provada, o recorrente, em lugar algum das suas alegações põe em causa a decisão do Tribunal a quo quanto a essa factualidade que serviu de fundamento a essa decisões que aqui cabe sindicar, pelo que, ao abrigo do disposto nos artºs 749º e 713º n.º 6 do CPC, poderia esta Relação dispensar-se de aqui transcrever essa parte do despacho recorrido e para ela simplesmente se remeter (fls 1044 a 1050, sob a epígrafe «III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A - FACTOS PROVADOS»).

    Todavia, para uma melhor clarificação da realidade submetida ao julgamento deste Tribunal de recurso, julga-se preferível não usar essa faculdade, pelo que esses factos serão a seguir expressamente enunciados.

    Já quanto aos impugnados pelo agravante, os mesmos serão indicados durante a discussão jurídica da causa.

    E os factos considerados indiciariamente provados nos autos são: a) dos invocados no requerimento inicial: 1.

    O Requerente é proprietário de uma Quinta, com 17,8 hectares, composta por duas moradias de habitação, picadeiro e estábulos, sita em Torres Vedras, de ora em diante designada por "Quinta".

  3. O Requerente reside na referida Quinta, desde 1994, com a sua família mais directa, composta pela sua mulher e dois filhos menores, um com 12 anos de idade e uma com 9 anos de idade.

  4. O Requerente é cavaleiro tauromáquico, desenvolvendo a sua actividade profissional, bem como as actividades económicas de equinocultura e de pecuária, na Quinta, empregando um trabalhador a tempo inteiro e um trabalhador a tempo parcial.

  5. O trabalhador a tempo inteiro, N, de trinta e dois anos, reside na Quinta.

  6. É na Quinta que o Requerente toma as suas refeições, trabalha, repousa, dorme, passa as suas horas de ócio e recebe familiares e amigos.

  7. O Requerente tem o seu centro da vida familiar e profissional na Quinta, onde está em permanência.

  8. O Requerente e a sua mulher optaram por residir no campo para se salvaguardarem da agitação e do stress da vida citadina.

  9. Opção essa que foi feita há treze anos atrás com a compra desta Quinta em particular.

  10. Com efeito, entendeu o requerente que o campo seria o local onde teria uma melhor qualidade de vida.

  11. E esta Quinta, era o lugar que reunia as condições ideais para a constituição de uma família e o exercer da sua actividade profissional.

  12. A Requerida é proprietária do Parque Eólico, Torres Vedras.

  13. O Parque Eólico é constituído por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000 kW (2 150 kVA); treze postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2 500 kVA, 0,69/20 kV; subestação equipada com um transformador de potência de 26 000kVA, 20/60 kV; rede de cabos subterrâneos de 20 kV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 kVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição.

  14. A Quinta do Requerente é vizinha do Parque propriedade da Requerida, mais concretamente, é contígua ao aerogerador número 2 e vizinha dos aerogeradores números 1, 3 e 4 do referido parque eólico.

  15. É o aerogerador nº. 2, dos dezasseis que compõem o parque eólico, que tem vindo a causar graves danos físicos e morais ao ora Requerente, desde a sua entrada em funcionamento, em meados de Novembro de 2006.

  16. O aerogerador n.º 2 está a uma distância muito reduzida da habitação do ora Requerente.

  17. O aerogerador n.º 2 está a uma distância de 321,83 m da habitação e de 182,36m dos estábulos.

  18. O aerogerador n.º 3 está a uma distância de 539,92m da habitação e de 439,64m dos estábulos.

  19. O aerogerador n.º 4 está a uma distância de 579,86m da habitação e de 565,50m dos estábulos.

  20. O aerogerador n.º 1 está a uma distância de 642,08m da habitação e 503,00m dos estábulos.

  21. Não sendo nem viável, nem exequível, a adopção de medidas eficazes para a minimização do ruído neste caso em concreto.

  22. Desde meados de Novembro de 2006 que o Requerente perdeu o direito ao repouso, ao sossego, à qualidade de vida, a um ambiente sadio e equilibrado, e, sobretudo, à sua saúde, pelo facto de residir e viver, em permanência, na sua Quinta.

  23. Com efeito, a entrada em funcionamento do aerogerador nº. 2 da Requerida veio alterar profundamente, e de forma muito negativa, a sua vida.

  24. O Requerente encontrava-se saudável, sem queixas de insónias, dificuldades de dormir ou perturbações do sono.

  25. Mas tal deixou de suceder com o início do funcionamento do aerogerador n.º 2.

  26. Na verdade, o nível de ruído que existe na Quinta do Requerente, provocado pela rotação das hélices do referido aerogerador, impossibilita o ora Requerente de dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também, de se divertir na sua...

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