Acórdão nº 10019/2008-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução18 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. S. P.A. - SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, C.R.L, em seu nome e em representação dos autores e titulares de direitos autorais que identificou, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra: T...., Lda.

Pedindo a sua condenação no pagamento de Esc. 15.185.714800, acrescida de juros vencidos no valor de Esc. 5.770.852$00 e dos vincendos até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que na qualidade de representante dos seus cooperadores e beneficiários tem legitimidade para os representar em juízo, sendo que a Ré promoveu diversos espectáculos musicais com artistas e agrupamentos de grande reputação internacional, nomeadamente espectáculos realizados em 6 de Fevereiro de 1994, no Pavilhão Dramático de Cascais, e no dia 15 de Junho de 1995, no Estádio José de Alvalade.

Acontece que a Ré não cumpriu a obrigação de afixação dos programas das obras a executar nos espectáculos, nem diligenciou pela obtenção prévia de autorização para as suas execuções, recusando o pagamento dos direitos correspondentes, os quais, à data, se fixavam em 5% da lotação completa dos espectáculos, tendo deixado por liquidar as duas facturas que a Autora lhe enviou nos montantes de Esc. 495.238$00 e de Esc. 14.690.476$00, apesar de interpelada para o efeito e de tais valores serem inferiores aos praticados no estrangeiro e as facturas terem em consideração receitas de bilheteira inferiores às reais.

  1. A Ré contestou, excepcionando e impugnando.

    2.1. Por excepção arguiu:

    1. A ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir; b) A ilegitimidade da Autora por não estar demonstrado que a mesma represente os autores que identifica na petição inicial; c) A ilegitimidade da própria Ré por não recair sobre si a obrigação de obter a autorização relativa aos direitos de autor, mas sim sobre o artista/intérprete e executante da obra; d) A prescrição do direito, por estarem em causa créditos que, em seu entender, prescrevem no prazo de dois anos, tendo a presente acção dado entrada em 1999, muito após aquela data.

    2.2. Por impugnação argumentou, designadamente, que na maioria dos espectáculos por si promovidos os intérpretes eram autores das canções, razão pela qual não havia necessidade de obter autorização dos mesmos.

    Conclui pedindo a absolvição da instância ou a absolvição do pedido.

  2. A Autora replicou, opondo-se à procedência das alegadas excepções e concluiu como na petição inicial, pedindo a condenação da Ré no pedido.

  3. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador pelo Tribunal "a quo" no qual: a) Julgou o Tribunal competente; b) Julgou o processo isento de nulidade total, não enfermando a p.i. de qualquer vício que a afecte; c) Julgou ambas as partes legítimas; d) E por fim relegou para decisão final a apreciação da prescrição suscitada pela Ré.

  4. Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual o Tribunal "a quo" decidiu: a) Julgar prescrito o crédito da Autora titulado pela factura de fls. 24 dos autos, no montante de 2.470,46 Euros (Esc. 495.238$00); b) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia peticionada de 73.275,79 Euros (Esc. 14.690.476$00), acrescida de juros de mora vencidos desde 28/07/2005, às sucessivas taxas legais em vigor, e respectivos juros vincendos até integral pagamento, à taxa de 4%.

  5. Inconformada a Ré Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões [1]: I. O Tribunal "a quo" julgou prescrito o valor integrado na factura de 495.238$00, datada de 21/02/1994, por terem já decorrido mais de cinco anos à data de entrada da petição inicial, em 24/03/1999, mas não declarou prescrita a factura no valor de 14.690.476$00, em cujo valor condenou a Ré.

    1. Entendeu o Tribunal "a quo" que era aplicável o prazo de cinco anos do art. 498º, nº 3, do CC, uma vez que os factos são susceptíveis de integrar o crime de usurpação p. e p. pelos arts. 195º e 197º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (=CDADC).

    2. Porém, segundo a Recorrente, os factos remontam a 1995, levando a que, nos termos da contagem da prescrição previstos na Lei Penal, e tendo em consideração que pela moldura penal do crime pelo qual se utiliza a remissão do art. 498º, nº 3, do CC, a mesma é de 5 anos, tal conduta tenha prescrito antes da data da prolação da sentença recorrida, conforme arts. 118º, nº 1, al. c), 119º, nº 1, 120º, nº 2 e 121º, nº 3, todos do Cód. Penal.

    3. Devendo o Tribunal interpretar desta forma a dita remissão feita pelo art. 498º, nº 3, do CC., revogando a decisão recorrida e substituindo-a por uma outra em que declare prescrita a referida dívida, ou aquando da propositura da acção, pelo decurso de três anos, de acordo com o art. 498º, nº 1, do CC, ou pelo decurso dos prazos previstos na Lei Penal, sem a qual estará a violar o nº 1, 2, 5 e 9, do art. 32º da Const. Rep. Port., com as cominações previstas no art. 280º, nº 1, al. b), da Lei Fundamental.

    4. Igualmente andou mal o Tribunal "a quo" quando entendeu ser necessária autorização escrita do autor da obra, para a utilização da mesma por si próprio enquanto intérprete, e que se encontra intimamente relacionado com a interpretação do contrato celebrado, nomeadamente no que este inclui.

    5. O Código dos Direitos de Autor nada revela quanto a situações como à descrita, isto é, em que o direito de autor é o intérprete, sendo nosso entendimento que num quadro factual como o descrito ao remunerar-se o artista pela sua interpretação a Recorrente está também a remunerá-lo enquanto autor, pois esta é a solução mais consentânea com o princípio do art. 237º do CC.

    6. É o autor/intérprete quem fixa a remuneração correspondente à sua actuação. Apenas a ele cabe valorizar a sua qualidade de autor e fazer entrar na remuneração a parcela correspondente a essa qualidade. Por isso não há que presumir nenhum prejuízo do autor.

    7. Não há no caso concreto contratos distintos, celebrado com os autores/executantes, para o que respeita ao direito de autor por um lado e aos direitos conexos por outro.

    8. Quando o autor concorda com a realização dum espectáculo e o executa, a sua atitude terá de ser interpretada necessariamente como de concordância com a utilização da obra.

    9. Nos presentes autos os autores foram remunerados pela Recorrente enquanto intérpretes e autores materiais das obras literário-musicais, uma vez que assim lho permite o CDADC, nomeadamente os arts. 9º e 67º que lhes concede, obviamente, a soberania para usarem as suas obras como entenderem, nada devendo à Recorrida, tendo cumprido, literal e teleologicamente o CDADC.

    10. Suscitam-se problemas de constitucionalidade quanto à aplicação do art. 195º do CDADC à entidade promotora do espectáculo.

    11. O sistema jurídico-penal português tem, como se sabe, na sua génese, a punição pela culpa, a punição na justa medida da culpa, onde a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível (art. 30º, nº 3, da CRP).

    12. E o art. 195º do CDADC, em conjugação com o nº 2 do art. 68º do mesmo diploma legal, estabelece quem é susceptível de ser agente do crime de usurpação e em que circunstâncias.

    13. Sendo fundamental, para se subsumir uma conduta a tal ilícito, saber sobre quem recai o ónus de, no âmbito da apresentação de um espectáculo musical, salvaguardar os direitos de autor da obra representada, quando não haja coincidência entre autor e intérprete.

    14. Salvo melhor opinião parecem não restar dúvidas que, quando o autor seja diferente do intérprete, terá de ser este último a obter a autorização a que se refere o art. 195º do CDADC.

    15. A interpretação do art. 195º do CDADC, segundo a qual, nos casos em que o intérprete não é autor da obra, a obrigação de obter a autorização estará a cargo do promotor, é violadora dos arts. 1º e 25º, nº 1, da CRP - derivando da essencial dignidade da pessoa humana, com consagração na limitação referida - o que, a não ser reconhecido, terá as cominações previstas no art. 280º da CRP, uma vez que tais normativos, derivados da essencial dignidade humana, impedem a responsabilidade penal objectiva e a punição sem culpa, o que é o que sucede com a interpretação feita na sentença recorrida.

    16. Não relevam para a decisão, as menções feitas na matéria de facto provada às empresas designadas por "publishers" ou mesmo de publicidade, editoras, ou outras, e eventuais cedências de parte dos direitos de autor, por parte do seu titular, que a Recorrente desconhece e não tinha de conhecer.

    17. A ter havido tais cedências - o que não se concede - a eventual violação do clausulado entre essas empresas e os titulares dos direitos de autor terá de ser resolvida entre as partes intervenientes, dado que os autores materiais foram pagos pelos seus direitos de autor, nos termos anteriormente aduzidos, sendo soberanos na forma como gerem os mesmos.

    18. Tudo visto, entende-se que a decisão recorrida violou os dispositivos legais contidos nos arts. 9º, nº 2, 40º, 41º, 67º, nº 1, 68º, nº 2, al. b), 195º e 197º, do CDADC, arts. 236º a 238º e 498º, nºs 1 e 3, todos do CC., arts. 40º, nº 2...

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