Acórdão nº 8904/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução25 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº25/05.0IDBBR, do Tribunal Judicial do Bombarral, em que é arguido, S..., o tribunal, por sentença de 14 Julho 08, decidiu: "...

  1. Condenar o arguido S... como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, condicionada ao pagamento, no mesmo prazo, das prestações tributárias, no total de € 244.101,49 (duzentos e quarenta e quatro mil cento e um euros e quarenta e nove cêntimos) e acréscimos legais; c) Condenar o arguido S... a pagar ao Estado Português (Fazenda Nacional) a quantia de € 244.101,49 (duzentos e quarenta e quatro mil cento e um euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida do pagamento de juros vencidos e vincendos, devidos desde a notificação para contestação até efectivo e integral pagamento; .

...".

  1. Desta decisão recorre o arguido, S..., tendo apresentado motivações das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1 Vem o arguido condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do n.º 1, 2, 4, e 5 do Art.º 105.º do Regime Geral da Infracções Tributárias; 2.2 Estando-se perante um crime de apropriação, constitui elemento essencial deste tipo objectivo de ilícito, o recebimento das prestações tributárias em causa, previamente às datas da sua entrega nos cofres do Estado; Porém, 2.3 Não resulta do probatório, que o arguido ora Recorrente, tenha recebido dos seus clientes, os aludidos montantes de IVA, previamente aos prazos legais de entrega nos cofres do Estado; 2.4 Sendo a Sentença em crise, completamente omissa no que a tal elemento se refere; 2.5 Secundando o vertido na Acusação Pública; 2.6 E tendo-se por consequência, omitido na Acusação e na Sentença, factos essenciais com vista à boa decisão da causa, no que à definição da conduta do arguido como crime respeita; Acresce que, 2.7 O cerne do crime de abuso de confiança fiscal, radica no conceito de apropriação; 2.8 Que não sendo fenómeno puramente interior, exige que o animus que lhe corresponde, se exteriorize através de comportamentos que o revelem e executem; 2.9 Face ao que neste particular se dá por provado, nada porém na Sentença ora em crise, permite extrair consequências quanto à existência e verificação desses comportamentos; 2.10 E devendo face a todo o exposto, ser o arguido absolvido; A assim não se entender: 2.11 Partindo do princípio que a omissão das datas de recebimento, seria irrelevante para a boa decisão da causa e que a conduta do arguido seria penalmente sancionável; 2.12 Os montantes nos quais o ora Recorrente foi condenado, (secundando a acusação Pública) e constantes do Ponto 6. da Sentença sob recurso, não se reportam a prestações tributárias em dívida à Fazenda Nacional; 2.13 Estas são as correspondentes às 24 liquidações de IVA, emitidas pelos competentes Serviços da Administração Fiscal; 2.14 Deste modo, o Tribunal "a quo", relevou elementos - os valores constantes de 6. da douta Sentença - que não deveria ter atendido; 2.15 E inteiramente desprezou outros - os constantes das liquidações constantes de fls. 256 a 265 (1.º Volume), fls. 672 a 683 (3.º Volume) e de 816 a 827 (3.º Volume) dos autos - os quais, deveria ter acolhido.

    2.16 Na fundamentação da decisão, o Tribunal "a quo", acolhe a tese de que não obsta à punição do arguido, a circunstância da Administração Fiscal ter recorrido a métodos indiciários, para apurar os montantes de imposto alegadamente devidos à Fazenda Pública; 2.17 Constitui contudo, doutrina e jurisprudência fixadas e unânimes, que não pode presumir-se o próprio facto punível; 2.18 Pelo que a Sentença "sub-judice", se encontra mal fundamentada; Para além do mais, 2.19 A condição imposta ao arguido ora Recorrente, para a suspensão da pena, não respeita os princípios e limites da proporcionalidade e da exigibilidade; 2.20 Sendo que a relação, entre por um lado o valor arbitrado para pagamento ao Estado e por outro as possibilidades do Recorrente, é absoluta e relevantemente desproporcionada; 2.21 Mostrando-se o seu cumprimento materialmente impossível, e não lhe podendo nem devendo portanto, ser exigível; Por último, 2.22 Como se alcança da Sentença recorrida, tal condição foi imposta, por força dos ditames do normativo constante do art.º 14.º n.º 1 do RGIT; 2.23 Cuja aplicação ao caso em apreço, é por demais reveladora da violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, constantes dos artigos 13.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 2.24 Devendo por consequência e por força de tal efeito, o aludido normativo ser declarado inconstitucional; 2.25 Deste modo, resultaram violadas as normas constantes, dos n.ºs 1 e 2., 4. e 5. do Art.º 105.º do RGIT, do art.º 14.º do RGIT e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 72.º do Código Penal, as dos dispositivos dos artigos 13.º e 18.º, n.º 2 da CRP, bem como, a do n.º2, do Art.º 374.º do CPP.

  2. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu, concluindo: 3.1 No nosso entender, o recurso a métodos indiciários é legal, na medida em que se trata de uma presunção, formulada com base nos conceitos e métodos da administração fiscal, que retira uma conclusão dos factos básicos provados por meios de prova "típicos".

    3.2 Radicando o meio de prova por presunção numa presunção concreta, assente em dados objectivos concretos, ou em "factos indiciários típicos", aceites como tais no ramo da actividade em que se inserem, devidamente explicitados, com efectiva possibilidade de serem contraditados, nada impede, legalmente, mesmo em processo penal, a sua utilização.

    3.3 Não se admitindo a prova adquirida naquelas condições estar-se-ia a beneficiar quem não entregou a declaração de imposto com dados reais, ou seja aquele que além de não entregar o montante de imposto, omitiu a declaração obrigatória do seu recebimento à Administração Fiscal, face a quem, apenas não entregou o montante de imposto, hipótese que não podemos admitir, sob pena de fortes injustiças materiais e total incapacidade punitiva do Estado.

    3.4 Ao ser dado como não provada "Que o arguido utilizou tais quantias em proveito próprio e para pagamento de pessoal e regularização de letras.", tal afirmação, apenas significa que não ficou provado o destino das quantias não entregues ao Estado, não que estas não foram apropriadas pelo Recorrente.

    3.5 De facto, desde que entrem na esfera jurídica do devedor é indiferente o destino dado a tais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT