Acórdão nº 2589/08-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS BARREIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

(P. C. S. n.º501/06.7TAPTL, do Tribunal J. da Comarca de Ponte de Lima, 2º Juízo) Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Guimarães: *** I – RELATÓRIO Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público acusa: A… Imputando-lhe como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, por referência ao disposto no art. 391º do CPC.

* Realizado o julgamento foi proferida sentença que, além do mais, decidiu: Condenar o arguido A… pela prática, como autor material de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art. 348°, n°1, al. b), do C. Penal, por referência ao disposto no artigo 291º do C. P. Civil, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros), o que perfaz a multa global de €560,000 (quinhentos e sessenta euros) ou, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão.” * Inconformado, recorreu o arguido, pretendendo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que o absolva do crime de desobediência em que foi condenado.

Para o efeito, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A sentença proferida não realizou um adequado e imprescindível exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento.

  1. Existe um erro notório na apreciação da prova dada como provada (art.º 410º, n.º 2, al. c), do CPP).

  2. A sentença dá como provados factos relativamente aos quais inexiste produção de prova testemunhal ou documental bastante, sendo por demais evidente que a prova produzida impunha que os mesmos fossem julgados não provados, o que não sucedeu por razões que se desconhece.

  3. Inexiste prova de que se verifique a regularidade da transmissão da ordem ou mandado ao destinatário, porquanto o arguido não teve conhecimento da decisão proferida no procedimento cautelar.

  4. De facto, o arguido negou de forma clara a prática dos factos de que vinha acusado, concretamente negou que tivesse tido conhecimento do conteúdo da decisão proferida na providência de restituição provisória da posse n.º 307-A/05.0TBPTL, que vem acusado de desobedecer.

  5. Afirmou que não é herdeiro da C…, que esta tem 9 filhos, e que se limita a pedido dos referidos a levantar as cartas que a C… recebe e quando provenientes do Tribunal e entregá-las no escritório dos mandatários daquela, desconhecendo o seu conteúdo.

  6. O arguido disse ainda que nunca deu ordens aos seus irmãos para limparem a parcela de terreno em crise – e sublinhe-se que no local existe uma parcela propriedade da C… e outros e outra propriedade do referido Á… – dizendo apenas que tinham todos de cuidar “do que era deles”, não dando ainda qualquer ordem concreta para que a limpeza fosse realizada e qual o local ou área que a mesma deveria abranger.

  7. As declarações do arguido, no que tange a existência de herdeiros – filhos – da C… foram corroboradas pelas testemunhas … – irmão do arguido e autores da limpeza da parcela como veio a ser julgado provado – que ainda, num depoimento que de “coincidente” nada teve, eivado de contradições, assumiram que o arguido tão somente lhes solicitou que cuidassem “daquilo que era de todos” e confirmaram que nunca receberam ordem concreta do arguido para limparem a parcela.

  8. Mais declararam que nunca o arguido deu instruções sobre o local onde deveria ser feita a limpeza ou seja que este nunca lhes deu instruções para limparem parte da parcela que extravasasse os limites fixados pela providência cautelar.

  9. Da mesma forma nenhum deles disse que conhecia ou que o arguido conhecia o teor da decisão proferida na providência cautelar: as testemunhas cujos depoimentos se transcreveram são unânimes em afirmar que desconhecem se o arguido conhecia a decisão do Tribunal, nunca ouviram qualquer conversa nesse sentido e confirmam que o arguido nunca lhes determinou expressamente que limpassem para além dos limites das parcelas fixados na decisão do Tribunal que o arguido vem acusado de desobedecer, e mais confirmam que a C… tem descendentes… 11. Do seu depoimento nada se retira que permita dar como provado que o arguido teve conhecimento da decisão que vem acusado de desobedecer.

  10. Depreende-se que o Tribunal foi buscar fundamento para dar como provados estes e outros factos no depoimento de Á…, ofendido, concretamente para dar como provado que “é o arguido que trata dos assuntos de C…, que na qualidade de seu sobrinho tem expectativa de vir a herdar bens desta, já que não tem descendentes.” (negrito nosso).

    Porém, do depoimento desta testemunha nada se retira neste sentido.

    O que a testemunha refere é que não tem conhecimento se o arguido conhecia a decisão proferida pelo Tribunal e diz claramente que só conheceu o arguido no decurso da acção principal intentada na sequência do procedimento cautelar, sendo pois, impossível que soubesse a forma como o arguido se relacionava, anteriormente, pelo menos, com a C… e se este tinha ou não conhecimento da decisão.

    Em parte alguma do depoimento a testemunha é dito que o arguido tomou conhecimento da decisão proferida no procedimento cautelar, ou conhecer da vida ou relações do arguido com a C…, sendo que só o conheceu quando o arguido prestou testemunho na acção principal decorrente da providência cautelar.

    A testemunha também não conhece o teor das alegadas ordens dadas pelo arguido aos seus irmãos no que tange a limpeza do terreno.

  11. Do conjunto dos depoimentos das três testemunhas, transcritos integralmente, não se pode retirar nenhum facto que permita, como o Tribunal a quo fez, julgar provada a matéria do Ponto 3 dos factos provados.

  12. Bem pelo contrário: Face a eles, devem ser dados como não provado que “a C… não tem descendentes” e que – nenhuma prova foi feita neste sentido – “o arguido se encontra na expectativa de vir a herdar os bens da tia” E deve ser dado como provado que “a C… tem descendentes, concretamente, nove filhos.” 14. Por outro lado, deve ser dado como não provado que “apesar de ser a C… a Ré, quer nos autos de providência cautelar, quer na acção principal, é o arguido quem lhe trata de todos os assuntos, incluindo os contactos com os advogados, pelo que o mesmo tomou de imediato conhecimento da decisão proferida na providência cautelar.”.

  13. Sem conceder: Também nada se provou quanto ao conteúdo da ordem dada pelo arguido, ou seja se ele efectivamente a deu e a respectiva extensão da área a limpar: se se limitava à parcela da C… ou se se estendia à parcela do Ofendido.

  14. O arguido desconhecia a decisão que vem acusado de desobedecer, bem como não existe qualquer prova quanto ao facto de o arguido ter dado a ordem que lhe é imputada, nem quanto ao sentido nem quanto à extensão da mesma, sendo certo de que se estas existissem se devia, deitando mão do princípio in dubio pro reo, articulado com o princípio da presunção da inocência, em cujo conteúdo se integra a proibição de inversão do ónus da prova (gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição Revista – Coimbra Editora, em anotação ao art.º 32º, pág. 203), dar como provada a tese mais favorável ao arguido aqui recorrente.

  15. Não foi feita pela sentença ora recorrida, uma correcta aplicação deste princípio, pelo que, consequentemente, foi feita uma incorrecta apreciação, ponderação e avaliação da prova produzida em julgamento, relevante para a decisão, a qual impunha uma decisão diversa da recorrida.

  16. Existe erro notório na apreciação da prova “ quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta, com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”.

  17. Acresce ainda em face do exposto, e da prova testemunhal e documental produzida, que há um manifesto erro notório na apreciação da prova referente aos factos mencionados em 3.

    e 4.

    na parte “ por ordem dada previamente pelo arguido para o fazerem”, 5.

    e 6.

    do rol de factos provados consignados na sentença do tribunal a quo, relativos ao arguido sendo que fez o tribunal a quo uma apreciação insuficiente e errónea da prova produzida na audiência de discussão e julgamento.

  18. O arguido não tinha consciência de que estaria a desrespeitar uma ordem emanada na decisão proferida na providência cautelar, nem tão pouco actuou deliberada e conscientemente com o propósito de desrespeitar essa ordem, pelo que os factos julgados provados nos referidos pontos 3. e 4. na parte “por ordem dada previamente pelo arguido para o fazerem”, 5. e 6. da sentença recorrida estão incorrectamente julgados, pelo que se impugnam nos termos do disposto no art.º 412º, n.º3, al. a), do CPP, e que, por isso, devem ser excluídos dos factos provados.

    Em consequência, deve ser o arguido absolvido do crime de que vinha acusado.

  19. Desconhecendo o arguido, como desconhecia, as proibições ordenadas na providência cautelar, nunca a sua conduta poderia considerar-se dolosa, violando a sentença recorrida o disposto nos art.º 13º, 16º, n.º1 e 348º, todos do C. Penal.

  20. A sentença recorrida assentou na presunção de culpa do arguido, o que viola frontalmente o princípio da presunção de inocência do mesmo arguido.

  21. Porque a decisão recorrida violou o disposto nos art.s 13º, 16º, n.º 1, e 348º, n.º 1, al. b) e n.º 2, todos do C. Penal, por referência ao art.º 391º, do C. P. Civil, e nos art.s 379º, n.º 1, al. c) e 410º, nºs 1 e 2, al. c), ambos do C. P. Penal, por erro notório na apreciação da prova, deve a mesma ser revogada e substituída por acórdão que absolva o arguido.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida substituída por outra conforme as conclusões, com o que se fará JUSTIÇA! * O Mº Pº, junto do Tribunal recorrido, respondeu ao recurso apresentado...

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