Acórdão nº 1313/07. 6GBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO … veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de furto p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, e de um crime de abuso de cartão de crédito, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 225º, n.º 1 e 30º, n.º 2, todos do Código Penal, nas penas parcelares de 160 e 240 dias de multa e, em cúmulo jurídico, na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de € 11,00 , perfazendo o total de € 3.300,00, ou subsidiariamente, na pena de 200 dias de prisão.

Na procedência parcial do pedido de indemnização cível formulado pela demandante … foi ainda o arguido condenado no pagamento da quantia de € 369,93 acrescida de juros a contar da prolação da sentença.

A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que: 1- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de furto, p. e p. pelo n.º 1 do art. 203º e de um crime de abuso de cartão de crédito na forma continuada, p. e p. pelo n.º 1 do art. 225° e n.º 2 do art. 30º, todos do Código Penal.

2- O presente recurso tem por objecto a matéria de facto e de direito, limitada à parte da douta sentença condenatória proferida nos presentes autos referente ao crime de furto, p. e p. pelo n.º 1 do art. 203º do Código Penal.

3- O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto: · No dia 07.11.2007, entre as 12h00 e as 17h00, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da comarca de …, o arguido, técnico de justiça nesses mesmos Serviços, dirigiu-se ao local onde usualmente exerce funções … e igualmente técnica de justiça a exercer funções nestes Serviços; · tendo constatado que a mesma aí deixara a sua carteira pessoal, formulou o propósito de se apoderar dos cartões bancários que aí encontrasse; · assim, apoderou-se de um cartão de pontos da Galp, um cartão Multibanco e o cartão de crédito Visa Gold com o n.° 412 489 300 132 2016 da queixosa, com o intuito de utilizar os mesmos em levantamentos bancários e aquisição de produtos; · o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que tais cartões não lhe pertenciam e que, ao deles se apoderar, o fazia contra a vontade e sem o consentimento da legítima titular dos mesmos.

4- O recorrente exerceu o seu direito ao silêncio, havendo o Tribunal a quo formado a sua convicção pelo depoimento, decisivo, da ofendida …, relativamente à forma como o recorrente subtraiu o cartão Visa da mesma ofendida.

5- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos supra referidos, porquanto, em relação aos mesmos, não foi produzida prova suficiente sobre a verificação da prática de um crime de furto, imputada ao recorrente.

6- Analisando a prova produzida, nomeadamente o depoimento da ofendida, não ficou demonstrado - como, aliás, o próprio Tribunal a quo reconhece na fundamentação da matéria de facto provada - o concreto momento em que o arguido se apoderou dos cartões, nem mesmo o específico modo.

7- Assim como não ficou plenamente demonstrado o local onde o recorrente se terá apoderado do cartão Visa da ofendida, o qual veio a ser utilizado pelo mesmo recorrente para adquirir determinados produtos.

8- Analisando o depoimento da ofendida, na sua globalidade, não resulta provado que o recorrente tenha agido da forma, no momento e no local constantes nos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos provados na douta sentença condenatória, proferida nos presentes autos.

9- Para além do depoimento da ofendida, não resulta dos autos qualquer outra prova com relevo no que respeita à prática, pelo recorrente, de um crime de furto, p. e p. pelo n.º 1 do art. 203º do Código Penal.

10- O Tribunal a quo faz apelo às regras da experiência comum, dando como provada, ainda que através da chamada prova indirecta, a factualidade referente à subtracção dos cartões.

11- Contudo, para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exigem-se alguns requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência - cf. Ac. do. TR Coimbra, de 18.08.2004, processo n.º 1937/ 04, disponível em www.dgsi.pt.

12- No caso em apreço, para que a prova indirecta pudesse ser tomada em consideração, teria necessariamente de ser plenamente demonstrado, face à prova produzida, o indício da prática de um crime de furto pelo recorrente, nomeadamente o facto do cartão Visa da ofendida que o recorrente utilizou para adquirir determinados produtos encontrar-se na sala onde a ofendida habitualmente exerce as suas funções.

13- No entanto, das declarações da ofendida, analisadas na sua globalidade, não resulta qual o destino dado por aquela ao seu cartão Visa, após transportar o mesmo para fora dos Serviços do Ministério Público de …, numa Quinta-Feira de manhã, em Novembro.

14- Dois dias após ter transportado o seu cartão Visa para fora das instalações dos Serviços do Ministério Público de …, quando a ofendida constatou que não tinha consigo o seu cartão Visa, colocou a hipótese de terem sido os seus filhos a retirar, da sua mala, a carteira onde este cartão se encontrava, colocando apenas como segunda hipótese ter deixado a mesma carteira naqueles Serviços.

15- A ofendida não fazia ideia, então, onde pudesse ter largado o dito cartão Visa.

16- E a ofendida apenas criou a convicção de ter deixado o mencionado cartão Visa nos Serviços do Ministério Público de ... após verificar, no dia 13.11.2007, que haviam sido efectuados determinados movimentos com o aquele cartão, nomeadamente para aquisição de determinados produtos, num posto de combustível sito em ....

17- Contudo, do mero facto de haverem sido efectuados os supra mencionados pagamentos com o cartão Visa da ofendida, não pode considerar-se plenamente demonstrada a conclusão extraída pela mesma ofendida, ou seja, que esta haja deixado o seu cartão Visa nas instalações dos Serviços do Ministério Público de ...! 18- Pelo contrário, das declarações da ofendida, analisadas na sua globalidade, apenas resulta provado que aquela não se recorda o exacto local onde terá deixado a sua carteira, 19- Tanto mais que, conforme se extrai do depoimento da ofendida, o seu superior hierárquico comentou que esta andava tão desorientada que poderia ter deixado a mencionada carteira em qualquer lado, comentário com que a própria ofendida concordou.

20- Em consequência, não pode ser afastada a hipótese de o cartão Visa da ofendida ter sido deixado (ou perdido!), pela mesma ofendida, fora das instalações dos Serviços do Ministério Público de ..., e encontrado pelo recorrente fora daquelas instalações, 21- Ora, não podendo considerar-se plenamente demonstrado o facto indiciário, não poderá, em consequência, considerar-se provado o thema probandum que, no caso em apreço, sempre será: o recorrente dirigiu-se ao local onde habitualmente exerce funções a ofendida e, nesse local, apoderou-se da carteira da mesma ofendida, onde se encontravam um cartão de pontos da Galp, um cartão Multibanco e um cartão Visa.

22- Para que o tipo objectivo do crime de furto pudesse...

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