Acórdão nº 342/04.6TAAVR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. RIBEIRO MARTINS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra - I - 1- No processo comum 342/04 do 2º Juízo Criminal de Aveiro foram condenados pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social os arguidos "A,L.da"e D...

, aquela em 300 dias de multa à taxa diária de € 6 e este num ano e seis meses de prisão com a execução suspensa por igual período na condição do pagamento de € 105.739,97 e respectivos juros de mora ao Instituto de Segurança Social.

2- O arguido recorre, concluindo - 1) Tendo o arguido deixado de ser o representante comercial da A, Lda. por força da insolvência decretada em 3/6/2003, não pode ser responsável pelas não entregas de contribuições posteriores a essa data. Assim o ponto 3 da matéria de facto deve ser alterado em conformidade.

2) A prova produzida, designadamente os depoimentos do próprio arguido e da testemunha R..., não permite concluir que tenha havido uma única resolução na determinação da conduta do arguido. A própria motivação da convicção do tribunal revela que assim não sucedeu. Além de que ocorreu uma descontinuidade temporal incompatível com a existência de uma única resolução. Assim nessa parte se discorda do ponto 6 da matéria de facto.

3) Se dos depoimentos das testemunhas e do arguido ainda sobrassem dúvidas sobre o montante do seu vencimento, bastaria que o tribunal solicitasse ao arguido que apresentasse um recibo do seu vencimento actual. Recibo que agora se junta. Pelo que o ponto 13) dos factos provados deve ser alterado em conformidade.

4) O arguido não tem um veículo da marca Audi, modelo A6; e a sua mulher não tem um veículo da marca Smart. O que o arguido disse - e no que respeita às suas condições pessoais e sócio-económicas o Tribunal atendeu ás suas declarações que considerou sinceras nesse particular (conf. parte final da motivação da convicção do Tribunal) - foi que se limita a conduzir um veículo Audi A6 e o mesmo sucede com a sua esposa relativamente ao Smart.

Pelo que o ponto 14) dos factos provados deve ser alterado de acordo com a prova produzida.

5) Se os montantes referidos no ponto 25) dos factos provados são determinados é necessário explicitar o seu valor. Sendo este o que resulta do ponto 12) da contestação e foi confirmado pelo arguido e pela testemunha R....

6) A prova produzida, e principalmente a prova documental, no que respeita ao facto de o arguido se ter arruinado pessoalmente, ao ponto de ser declarado insolvente, para tentar a todo o custo salvar a empresa, impunha que fosse dado como provado que o arguido não obteve qualquer benefício com a não entrega das contribuições à Segurança Social. Aliás a própria motivação do Tribunal deixa implícito que de facto não houve qualquer benefício para o arguido.

7) Desde logo o hiato temporal entre Janeiro e Junho de 2002, no que respeita às não entregas de contribuições, é incompatível com a qualificação do crime em causa como da execução permanente.

Depois também é certo (vide motivação) que o arguido entregou dinheiro ao contabilista que não o entregou à Segurança Social.

O quadro de dificuldades da empresa e a ausência da inspecção da Seg. Social determinaram o arguido a tomar sucessivas decisões mensais de não entrega das contribuições descontadas. Pelo que estamos perante uma pluralidade de resoluções criminosas.

8) Pelo que não estamos perante um crime de execução permanente mas sim perante um crime de execução continuada, cuja noção está vertida no art. 30/2 do Código Penal.

Mas mesmo que se estivesse perante um crime de execução permanente, a redacção do n.º7 do art. 105° do RGIT não exclui a sua aplicabilidade aos crimes de execução permanente, já que o que está em causa para os valores a considerar são aqueles que devem constar em cada declaração a apresentar à administração tributária.

9) Conjugando as declarações de fls. 280 a 349 com os mapas de fls. 356 a 363 constata-se que mensalmente, nenhum dos valores não entregues ultrapassa os 50.000,00 €. O que significa que o crime não se enquadra no n.º5 mas sim no n.º1 do art.º 105º do RGIT, sendo admissível uma pena de multa em alternativa à pena de prisão.

10) As graves dificuldades financeiras da A,Lda. que quando foi declarada falida apresentava um passivo de 1.438.159,38 € cuja origem está bem identificada na sentença, o esforço que, apesar delas, a empresa faz entre 2000 e 2003 para regularizar a sua situação fiscal - tendo pago mais de 65.000.000$00 - sendo que o arguido pediu dinheiro emprestado para pagar parte deste dinheiro, a própria insolvência pessoal do arguido e esposa, que se arruinaram e afundaram com a empresa, são factores que atenuam substancialmente a culpa do arguido e justificam que a pena aplicável seja uma pena de multa.

11) Sendo certo que as condenações por crimes de abuso de confiança fiscal de que o arguido foi alvo ocorreram por factos praticados exactamente no mesmo contexto daqueles que estão na origem do presente processo. Pelo que não constituem factor de agravamento da pena a aplicar neste processo. Não ocorrendo exigências especiais de prevenção geral e de prevenção especial. Não se demonstrando que o arguido fora da situação excepcional que originou a sua conduta delituosa mantivesse a mesma. Pelo contrário, entre 1988 e 1997, quando a empresa funcionava normalmente, nunca correram situações delituosas.

12) Ademais o arguido é insolvente, é consultor de segurança, não se vislumbra que possa vir a ser novamente membro de órgãos estatutários de empresas, além de que moral, psicologicamente e socialmente foi severamente castigado pelas duplas insolvências que o atingiram, pelo que não se vê necessidade de medidas que visem impedir que o arguido possa reincidir nas mesmas práticas.

13) A pena de prisão aplicada [1 ano e 6 meses] é excessiva face à moldura prevista no art. 105°/1do RGIT, justificando-se a sua redução.

14) A subordinação da suspensão da execução da pena à condição de o arguido pagar no mesmo período de 1 ano e 6 meses a importância de 105.739,97 € é extremamente gravosa.

15) Tal condição, não sendo necessária face do art. 14° do RGIT porquanto o arguido não obteve para si qualquer benefício indevido - na realidade tendo em conta a sua situação de insolvente e baixo rendimento acaba por representar a aplicação diferida duma pena de prisão efectiva. Pelo que, no mínimo, o período de satisfação dessa condição deveria ser alargado para 5 anos, período máximo estabelecido no art. 14°/ 1 do RGIT.

16) A obrigação de entrega das contribuições descontadas deriva da lei, pelo que a sua violação não implica responsabilidade civil de natureza extracontratual. Não decorrendo do caso qualquer alargamento do prazo prescricional derivado do art. 498°/ 3 do C. Civil que não se aplica. E também a constituição de arguido ocorrida em 8 de Julho de 2004 é irrelevante para o decurso do prazo prescricional das dívidas aqui em causa.

17) Assim à presente data encontram-se prescritas as dívidas compreendidas entre Agosto de 1997 e Junho de 1998 tendo em conta o prazo de prescrição de 10 anos estabelecido no art. 14º do DL 103/80 de 9 de Maio. E encontram-se prescritas as dívidas datadas de Fevereiro de 2001 a Junho de 2003 por força do disposto no art. 63° n.º2 (prazo de 5 anos) da Lei 17/2000 de 8 de Agosto. Pelo que o pedido de indemnização civil deveria ter improcedido na sua maior parte.

3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso, no que foi secundado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir! II - 1- Decisão de facto inserta na sentença -

  1. Factos provados - 1) A A,Lda.

    é uma sociedade comercial por quotas, com início de actividade em 23 de Junho de 1988, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro com o nº ..........., cujo objecto social radica na comercialização e instalação de sistemas electrónicos de segurança.

    2) A gerência dessa sociedade comercial ficou a cargo do arguido D... e de M....

    3) O arguido, na qualidade de representante legal da referida sociedade comercial e no interesse desta, procedeu ao desconto de cotizações para a Segurança Social nas remunerações efectivamente pagas aos trabalhadores da sociedade arguida nos períodos compreendidos entre Agosto de 1997 e Janeiro de 2002 e entre Junho de 2002 e Setembro de 2003, no montante global de € 63.993,65 dos quais € 57.801,80 correspondiam aos descontos de contribuições nas remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e € 6.191,85 aos descontos das contribuições nas...

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