Acórdão nº 525/06.4GCLRA.C1. de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Relatório os presentes autos com o NUIPC 525/06.4GCLRA, por sentença proferida em 20/05/2008, foi o arguido …absolvido da prática de um crime de ameaça p. e p. pelo artº 153º, nºs 1 e 3 do CP e condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artº 143º, nº1, do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €10 (dez euros), perfazendo €900,00 (novecentos euros).

Inconformado com essa condenação, veio o arguido interpor recurso, pedindo a sua absolvição ou, assim não se entendendo, a redução da pena. Extraiu da motivação a seguinte síntese conclusiva: 1ª- Pela douta sentença proferida nos autos à margem identificados foi o arguido/recorrente condenado pela prática, como autor e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, n° 1 do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 10, num total de € 900.

  1. - Em face do princípio da subsidiariedade, vertido no art. 18°, n° 2 da CRP, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista na norma do art. 143°, n° 1 do CP deve ser determinada objectivamente e não pode ser insignificante ou ligeira.

  2. In casu, como é dito na douta sentença sob recurso, «a agressão em questão foi bastante leve», sem consequências além das que resultam de um empurrão com as mãos no peito de um homem, sendo o agente mais velho e não tendo o ofendido caído ou recuado.

  3. - Assim, a acção do arguido não pode deixar de ser considerada banal, situando-se no âmbito dos comportamentos que, pese embora desagradáveis ou incomodativos, não deverão ser censurados pelo direito de agressão máxima, ou seja, pelo direito penal.

  4. - O que vale por dizer que a conduta do arguido não preenche o tipo de crime p. e p. pelo art. 143°, n° 1 do CP, constituindo antes uma ofensa atípica, destituída de dignidade penal.

  5. - Donde que, salvo o devido respeito, a douta sentença em crise violou o disposto no art. 143°, n° 1 do CP, devendo ser revogada, com a consequente absolvição do arguido da prática do crime de ofensa à integridade física simples.

  6. - Subsidiariamente, sempre se aduz que a norma do art. 143°, n° 1 do CP, se interpretada no sentido de integrar toda e qualquer ofensa ao corpo ou à saúde, incluindo ofensas insignificantes, diminutas ou ligeiras, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da subsidiariedade, consagrado no art. 18°, n° 2 da CRP.

  7. - Pelo que, se for assim interpretada, deverá aquela norma penal ser declarada inconstitucional, sendo a douta sentença em crise revogada, com a consequente absolvição do arguido absolvido.

  8. Ainda a título subsidiário e sem conceder, sempre se aduz que, perante a factualidade dada como provada, inexistem ponderosas razões de prevenção geral positiva ou de prevenção especial que justifiquem uma pena de 90 dias de multa.

  9. - Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nas normas conjugadas dos art°s. 400, n s 1 e 2, e 71°, n° 1, ambos do CP, pelo que sempre se imporá a sua revogação parcial, reduzindo-se a pena de multa aplicada a não mais de 20 dias, à taxa diária de €10.00.

Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, deixando, por seu turno, as seguintes conclusões: I - A noção de corpo é também uma referência a um todo psíquico-somático indissociável que constitui a base de uma só realidade - a pessoa humana.

II - O STJ fixou jurisprudência por acórdão do plenário das secções criminais de 18 de Dezembro de 1991, DR, série I-A, de 8 de Fevereiro de 1992, do seguinte modo: "Integra o crime do art. 142° do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.".

III - Entendida a noção de ofensa corporal é inquestionável que a integridade física do queixoso foi atingida.

IV - O princípio da subsidiariedade que o art. 18°, n.° 2 da CRP consagra, pelas razões já aduzidas em relação à qualificação jurídico-penal dos factos, não tem relação com a concreta interpretação dada à norma no caso dos autos.

V - Entendemos que o tribunal aplicou correctamente uma pena de multa ao arguido, por se afigurar que assegura plenamente as finalidades de prevenção geral e especial que o caso reclama - arts. 70° e 71° do Cód. Pena VI — Deve indeferir-se o recurso e manter-se a douta sentença recorrida.

Neste Tribunal, a Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu douto parecer, nos termos do qual, em síntese, considera que mostram-se preenchidos todos os elementos essenciais do crime por que o arguido foi condenado e que a pena fixada não merece censura.

Fundamentação Âmbito do recurso É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].

São duas as questões colocadas: primeiro a verificação dos elementos essenciais do crime de ofensa à integridade física tipificado no artº 143º, nº1, do CP, tendo com sub-questão a inconstitucionalidade material de interpretação que leve a incluir na previsão daquele tipo penal de «ofensas insignificantes, diminutas ou ligeiras»; depois, e a título subsidiário, a redução da pena para «não mais de 20 dias».

Apreciação Da decisão recorrida (de facto) Não vêm suscitados nem se vislumbram no texto da decisão em matéria de facto quaisquer vícios, pelo que cumpre considerar fixados os factos pertinentes para a verificação do acerto do juízo subsumptivo tal como referidos na decisão recorrida, com o seguinte teor: No dia 31 de Agosto de 2006, a hora não apurada, o ofendido … dirigiu-se às instalações da firma "R… Lda" sitas na Rua da B…., área desta comarca de Leiria.

Fê-lo, conforme lhe havia sido determinado pelo arguido …, legal representante da "RSJ - Transportes", a fim de receber o seu vencimento.

Porém, aí chegado, por motivos não concretamente apurados, e após alguma exaltação o arguido abeirou-se do ofendido e...

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