Acórdão nº 1734/00.5TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelATA
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

O arguido AM..., foi condenado no âmbito deste processo como autor de um crime de burla agravada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. a ) e 202.º, al. b) do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, condicionada ao dever do arguido pagar aos queixosos toda a quantia de que se apoderou, no prazo de três anos, à razão de 1/3 por ano. Não tendo procedido ao pagamento da referida indemnização por despacho de revogo 06-06-2008 foi decretada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o seu cumprimento.

Inconformado com a revogação da suspensão, o arguido interpõe recurso e formula as seguintes conclusões: 1 - Foi o arguido AM…, condenado, com trânsito em julgado em 2510112005, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, condicionada ao dever do arguido pagar aos queixosos a quantia de 74.819,68 E, no prazo de 3 anos, à razão de 1/3 por ano.

2- A suspensão da execução da pena foi revogada por decisão de 06/06!2008, considerando o Tribunal a quo que “ o arguido não cumpriu com os deveres, podendo ter cumprido ", 3 - A Douta decisão, no nosso entender, carece de fundamento, porquanto o ora recorrente, apesar de todas as dificuldades económicas, foi pagando conforme as suas possibilidades, conforme requerimentos juntos aos autos.

4 - Na verdade, o recorrente pagou ao ofendido, entre o dia 23/02/2006 e o dia 19/12/2006, um total de 3500,00€, o que demonstra que não se alheou do processo e do seu destino, tentando cumprir, dentro das sua possibilidades, a obrigação que lhe foi imposta.

5 - Continuando, conforme consta dos autos, na expectativa de receber honorários referentes a projectos que efectuou e a quantia de 15.462,73 € a título de indemnização no âmbito do Processo n° 492/99.9JACBR (reqº de 15/01/2007).

6 - Assim, todas as quantias entregues foram provenientes apenas dos seus parcos rendimentos mensais, que se situam em 1032,00 €, atentas as penhoras que incidiam sobre o seu vencimento e a reforma da sua esposa, com os quais tem de fazer face à despesas do seu agregado familiar composto por 4 pessoas, conforme se encontra documentado nos autos, 7 - Acresce que o ora recorrente nunca omitiu qualquer rendimento, auxiliando sempre na investigação da sua situação económica, tendo inclusive autorizado expressamente qualquer banco a fornecer ao Tribunal informação sobre todas as suas contas bancárias.

8 - Em requerimento de 24/10/2007, esclareceu o recorrente, após notificação do Despacho de 03/1 012007, que a simples transcrição dos montantes depositados, não traduzem a situação económica do recorrente.

9 - Tais situações: cheques devolvidos por falta de provisão, necessidade de empréstimo, saldos irrisórios e frequentemente a negativo, são demonstrativos das grandes dificuldades económicas pelas quais o recorrente tem passado que o impediram de liquidar quantia superior da indemnização.

10 - Por ter sido sempre sua intenção proceder ao pagamento da referida indemnização, chegou mesmo a solicitar empréstimo junto do seu pai e posteriormente junto de AJ, uma vez que a sua grave situação económica o impede de solicitar qualquer empréstimo junto de qualquer entidade bancária.

11 - O artigo 56° do C.P ., preconiza a não revogação automática da suspensão e ao abrigo da alínea a) do n° 1 deste normativo, a suspensão da execução da pena de prisão só é revogada se o condenado infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos.

12 - Ora, no nosso entender, dos autos resulta em abundância que o condenado não infringiu com culpa grosseira os deveres que lhe foram impostos - a condição de pagamento - antes sim resulta dos mesmos a sua vontade e empenho na satisfação da condição, apenas não a tendo cumprido na totalidade por motivos económicos alheios à sua vontade.

13 - Assim sendo, e por tudo o que fica exposto, entende-se não existirem motivos para revogar a suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos.

14 - Mesmo que se entenda que o recorrente, culposamente, deixou de cumprir os seus deveres deveria o Tribunal a quo ter prorrogado o período de suspensão e de pagamento da indemnização, nos termos da alínea d) do artigo 55° do Código Penal.

XV - Violou assim o Douto Despacho recorrido os artigos 55° e 56° do C.P .

Termos em que deve o presente Despacho ser revogado, sendo substituído por outro em que seja levada em consideração a ora motivação, e em consequência ser prorrogado o período de pagamento da indemnização, nos termos da alínea d) do artigo 55° do Código Penal.

O recurso foi admitido.

Na resposta diz o Ministério Público que face aos elementos carreados nos autos e examinados pelo tribunal – que o recorrente não rebateu de modo convincente e satisfatório – a decisão ora contestada – e que o Ministério Público já há longo tempo propugnava – não nos merece qualquer reparo, pecando, talvez, por tardia.

No mesmo sentido se pronuncia o assistente, acrescentando que se deve manter o despacho recorrido, sob pena de, a assim não ser, poder passar a ideia de que o incumprimento compensa, o que não contribuirá para o prestígio dos tribunais e para a realização dos fins das penas e das expectativas da comunidade na realização da justiça penal.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto dá parecer de improcedência do recurso.

Responde o arguido reiterando os fundamentos do recurso, com apelo para a prorrogação do prazo.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

O recurso tem por único objecto sindicar a revogação da suspensão da pena.

É do seguinte teor o despacho recorrido: … O arguido foi notificado para, em 10 dias, a contar do trânsito da decisão, remeter declaração ao processo dizendo o que pretende fazer para começar desde já a pagar aos queixosos.

A decisão transitou a 25 de Janeiro de 2005 e o arguido nada disse quanto à forma como pretendia pagar aos lesados pela burla.

Por promoção do Ministério Público, em 9-3-2005 ( folhas 446 ), o arguido foi notificado para vir aos autos esclarecer a razão porque não tinha iniciado ainda o pagamento da dívida, condição para que a suspensão da execução da pena de prisão se mantivesse.

Respondeu por intermédio da sua advogada, em 21 de Junho de 2005, dizendo que não tinha condições económicas, mas que iria pagar em prestações, com início em 15 de Julho de 2005, de três em três meses a quantia de €8 500,00 euros.

Mas não pagou e sob promoção do Ministério Público foi chamado a prestar declarações tendo sido ouvido em 21 de Novembro de 2005 (folhas 523).

Comprometeu-se a pagar a partir de Dezembro desse ano, pois estava à espera, segundo disse, de receber dinheiro por serviços que havia prestado.

Pagou várias quantias de €500,00 euros, até fins de Maio de 2006, perfazendo a quantia de €3 000,00 euros (folhas 549).

Em 15-12-2006 o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena porque o arguido não estava a cumprir os pagamentos (folhas 550).

O arguido veio responder que não tinha pago porque não tinha meios financeiros para o fazer e juntou o comprovativo de mais um pagamento de €500,00 euros (folhas 552 - 15/01/2007).

O ministério Público promoveu que fosse fixado o pagamento de uma quantia certa e mensal ao arguido (folhas 554).

b ) Procurou-se, por fontes diversas da própria informação do arguido, que rendimentos terá .

Com vista a dar seguimento a esta promoção, sendo necessário ter uma ideia dos rendimentos do arguido para se fixar a quantia pretendida, pois só com tal conhecimento se poderia fixar uma quantia que o arguido pudesse pagar, podendo, mais tarde, ser responsabilizado caso não pagasse, procedeu-se à recolha de elementos nesse sentido (informações do arguido sobre a sua actividade profissional e rendimentos mensais e solicitou-se relatório social ao IRS).

O arguido respondeu nos termos de folhas 566 e seguintes e foi junto relatório social (folhas 576).

Os ofendidos informaram que apenas tinham recebido €3 500,00 euros e que as condições económicas do arguido permitiam fixar uma pensão de 3 500,00 euros (581).

O Ministério Público promoveu novamente a fixação de uma quantia certa e mensal ao arguido e respectiva imposição de pagamento.

Despachou-se no sentido de notificar o arguido de que a ausência de pagamentos não podia continuar e que o tribunal teria de indagar se o arguido tinham tido ou não possibilidades de pagar mais do que aquilo que pagou e que caso se apurasse que podia ter pago mais e não pagou, a suspensão da execução da pena poder-lhe-ia ser revogada.

Foram-lhe concedidos 10 dias para vir aos autos mostrar que pagou, que se esforçou por pagar, sob pena do tribunal averiguar se ele tinha tido possibilidades de pagar (folhas 582).

O arguido veio responder nos termos de folhas 590 e seguintes, alegando que o seu agregado familiar é composto por quatro pessoas, que há penhoras a onerar o seu vencimento e o da esposa e que dispõe do rendimento mensal de €1 032,00 euros e não tem tido meios para pagar e que fosse fixada a prestação mensal de acordo com o conteúdo do relatório do IRS.

No relatório social solicitado ao Instituto de Reinserção Social refere-se que o arguido será proprietário de uma firma de transportes, com sede em Buarcos, Figueira da Foz.

Face à falta de elementos objectivos, procurou-se averiguar que rendimentos teria o arguido por fontes diversas da sua própria informação.

Pediu-se ao arguido que fornecesse ao processo a identidade da tal empresa e declaração de onde constasse que autorizava qualquer banco ou qualquer outra entidade que receba depósitos ou aplicações financeiras, a fornecer a este tribunal informação sobre contas bancárias, depósitos ou aplicações financeiras em que o seu nome figure como titular ou um dos titulares.

Ao mesmo tempo solicitou-se aos lesados que sugerissem diligências adequadas à finalidade em causa (folhas 593)...

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