Acórdão nº 08S3054 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, contra BB - Produtos Eléctricos, S. A.

, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 16.367,74, acrescida de juros de mora, desde a data da cessação do contrato de trabalho, em 23.11.2005, sendo € 14.898,96 a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa e € 1.468,78 a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato.

Em resumo, a autora alegou o seguinte: - em 1.3.1989, foi admitida ao serviço da ré, que é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de electrodomésticos, e a partir daquela data passou a exercer, remuneradamente, a sua actividade profissional, por conta e sob a direcção da ré no estabelecimento sito no Norte Shopping, em ......., Matosinhos, estando profissionalmente classificada pela ré como 1.ª Caixeira; - em 17 de Novembro de 2005, a ré comunicou-lhe que o seu local de trabalho passaria a ser na loja da Covilhã; - por carta de 19 de Outubro de 2005, informou a ré dos gravíssimos prejuízos, a nível pessoal e familiar, que essa transferência lhe acarretaria; - por carta de 21 de Outubro de 2005, a ré reafirmou-lhe a ordem de transferência do local de trabalho, invocando para o efeito a "lógica da gestão empresarial da BB"; - em 15 de Novembro de 2005, enviou outra carta à ré, reafirmando as extremas dificuldades que resultariam da sua transferência para a Covilhã; - não obstante, a ré, por carta de 16 de Novembro de 2005, voltou a reafirmar a ordem de transferência; - por tal razão, em 23 de Novembro de 2005, resolveu, ao abrigo do disposto no art.º 315.º, n.º 4, do Código do Trabalho, o contrato de trabalho que havia celebrado com a ré, invocando, para o efeito, o prejuízo sério, a nível pessoal e familiar, que a transferência lhe causaria; - uma vez que era casada, residia em Freixieiro, Matosinhos, o seu marido trabalhava na Maia e os seus filhos, de 14 e 8 anos de idade, encontravam-se a estudar em Perafita, tendo, por isso, toda a sua vida pessoal, familiar e social centrada e organizada em Matosinhos, sendo incomportável, em termos pessoais e familiares, ser deslocada para um estabelecimento situado a mais de 300 Km do local onde residia, acrescendo que a ré tinha dezenas de lojas na área da residência da autora, para onde ela poderia ser eventualmente transferida, sem que os prejuízos daí decorrentes fossem tão gravosos.

Também em resumo, na contestação a ré alegou o seguinte: - quando a autora passou aos quadros da ré, em 1 de Julho de 1991, após o período inicial a termo, celebrou o contrato de trabalho que ora se junta; - da cláusula 6.ª desse contrato consta que "tendo em conta o âmbito do território de actuação definida nas cláusulas 1.ª e 2.ª do presente contrato, o 2.º Outorgante aceita que possa ser deslocado, dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos que pertençam ao 1.º Outorgante"; - tal estipulação foi acordada por razões objectivas relacionadas com a estrutura empresarial e com a actividade comercial da ré, que então dispunha e ainda hoje dispõe de mais de 100 lojas abertas ao público, um pouco por todos os país, além de abrir novas lojas e fechar outras com frequência, no âmbito da sua actividade; - na Cláusula 7.ª do contrato também foi estipulado que, para efeitos da referida mudança de local de trabalho, a BB deveria notificar o trabalhador "... por carta registada, com 30 dias de antecedência, do novo local para onde aquele deverá ir exercer as suas funções, e da respectiva dada de início"; - e foi ainda estipulado, na cláusula 8.ª, que, em caso de mudança, a BB se obrigava a "... custear as despesas resultantes do transporte da família e mobiliário do 2.º Outorgante"; - ora, a ré comunicou à autora a mudança de local de trabalho, a que contratualmente se obrigara, por carta de 13 de Outubro de 2005 com efeitos a 17 de Novembro do mesmo ano; - a insistências da autora, a ré clarificou a situação da mudança, por carta de 21 de Outubro de 2005 e por correio electrónico de 16 de Novembro de 2005; - mais ainda, a ré diligenciou pela obtenção de um apartamento condigno, na Covilhã, para os trabalhadores transferidos, conforme contrato de arrendamento que se junta; - assim, facilmente se constata que a ré cumpriu aquilo a que se havia contratualmente obrigado, o mesmo não tendo sucedido com a autora; - a mudança do local de trabalho pode ser contratualmente estipulada entre as partes, afastando ou alargando o regime legal, como constava do art.º 24.º, n.º 1, da LCT, em vigor na altura, e como actualmente consta dos artigos 315.º, n.º 1 e 316.º, n.º 2, do Código do Trabalho; - tal é reconhecido pela melhor doutrina e jurisprudência; - por outro lado, a loja onde a autora prestava funções (como outras na zona do Porto) é uma loja deficitária que, durante o ano de 2006 e no âmbito da reestruturação da actividade da ré em curso, virá, muito provavelmente, a ser encerrada, pelo que a mudança da autora também visa a salvaguarda do seu posto de trabalho; - por último, acresce que, ainda que tal requisito fosse necessário, não havia qualquer prejuízo sério para a autora, dado que a ré suporta todas as despesas inerentes à mudança do local de trabalho e o próprio alojamento; - a ordem de transferência do local de trabalho é, pois, perfeitamente válida e legítima, não consubstanciando qualquer fundamento de rescisão com justa causa por iniciativa da trabalhadora.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada improcedente, com o fundamento de que a ordem dada pela ré não se traduzia numa transferência do local de trabalho, uma vez que do clausulado no contrato de trabalho decorria, "de forma clara e inequívoca, que a Autora anuiu contratualmente em estabelecer como seu local de trabalho um espaço fisicamente variável, delimitado por todas as lojas da Ré situadas no Continente, Ilha da Madeira e Arquipélago dos Açores, em funcionamento, ou que, entretanto, viessem a abrir", não tendo, por isso, "aplicação ao caso o disposto no art.º 315.º do Código do Trabalho, pois que não houve transferência da trabalhadora, que se manteve no seu local de trabalho, com a amplitude que lhe é dada pelas cláusulas 1.ª e 4.ª do contrato".

A autora apelou da sentença, sustentando: - que a ordem dada pela ré consubstanciava uma efectiva transferência do seu local de trabalho; - que as cláusulas 4.ª e 6.ª do contrato de trabalho eram nulas (por violação do disposto nos artigos 15.º e 22.º, n.º 1, alínea f), do DL n.º 446/85, de 25/10, uma vez que o contrato de trabalho se apresenta como um contrato tipo, no qual apenas foram introduzidas as alterações necessárias em função da identificação, da categoria profissional e da retribuição do trabalhador em causa e as cláusulas em questão revestem as características de pré-elaboração e unilateralidade); - que a transferência lhe causaria sérios prejuízos; - que a ré quis colocar a autora e muitos outros trabalhadores numa situação absolutamente insustentável - transferência de todos eles para a Covilhã, onde nem sequer caberiam todos - que os deixassem sem outra alternativa que não fosse a resolução do contrato; - que tal comportamento excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do seu pretenso direito, constituindo, por isso, um exemplo acabado de abuso do direito.

Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação do Porto entendeu: - que o local de trabalho da autora estava tacitamente limitado "à área ......./Matosinhos, onde se inseria o estabelecimento e onde a autora, durante cerca de 16 anos, prestou serviço para a ré"; - que a cláusula 6.ª do contrato de trabalho era nula, por violação do disposto nos art.os 280.º, n.º 1, e 400.º do C.C (indeterminação do local de trabalho) e por violação...

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