Acórdão nº 08P3547 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

No âmbito do processo n.º 9/04.5PFALM do 1° Juízo Criminal de Almada, foram julgados pelo tribunal colectivo AA e BB, acusados, em co-autoria e concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b), e i), do Código Penal e de um crime de ocultação e profanação de cadáver, p. e p. no art.º 254.º, n.º 1, al. a), também do C. Penal.

O Tribunal, após julgamento, por acórdão de 21 de Julho de 2006, decidiu condenar os dois arguidos pela prática em co-autoria material e em concurso real dos referidos crimes de homicídio qualificado e de ocultação de cadáver, nas penas, respectivamente, de quinze anos e seis meses de prisão e de doze meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de dezasseis anos de prisão.

Dessa decisão recorreu apenas a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão de 8 de Julho de 2008, foi concedido provimento parcial ao recurso e se absolveu a mesma - e também o co-arguido, que assim nessa parte beneficiou dos efeitos do recurso - do crime de profanação de cadáver e, só em relação a ela, se reduziu a pena pelo crime de homicídio qualificado para treze (13) anos de prisão.

  1. Desse acórdão recorreu a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, extraiu conclusões desnecessariamente longas e que não respeitam as indicações legais sobre a necessidade de nelas se resumir as razões do recurso, as quais se passa a transcrever: 1. Salvo o melhor e, bem devido respeito, o tribunal a quo não reexaminou a matéria de facto - nos termos das alíneas a) a c) do n.º 3 do art. 412° do C.P.P., então invocada, nem procedeu ao reexame da matéria de direito (a que estava obrigado).

  2. Ainda que, a defesa não tenha sido profícua na transmissão formal da matéria que impugnava, sempre cabia ao tribunal a quo a sua avaliação integral ou a opção pelo seu aperfeiçoamento.

  3. A ora recorrente não pode ficar sem justiça! 4. Não andou bem o tribunal a quo que limitou-se a confirmar a decisão recorrida, à excepção da evidente absolvição do crime de profanação de cadáver. Não fez, no nosso entendimento, a correcta subsunção do direito aos factos considerados provados. Se não vejamos, 5. Com nenhum dos acórdãos que antecedem não se pode, manifestamente, a recorrente conformar, porquanto tais decisões não se pronunciaram sobre os fundamentos, de facto e de direito, oportunamente e ora invocados e que constituem os pontos, absolutamente fundamentais, que motivaram o recurso ora interposto.

  4. Na verdade, reputa a recorrente os acórdãos recorridos como injustos e insuficientes, à luz dos princípios básicos que regem o processo penal, de lógica e de bom senso e, sobretudo, à luz de critérios elementares de justiça material ou distributiva.

  5. Na verdade, todas as questões e perplexidades ora invocadas restam sem solução nos acórdãos recorridos, limitando-se este último a remeter para a fundamentação da própria decisão sub judice.

  6. Com efeito, a técnica consagrada no acórdão recorrido consiste em remeter os concretos problemas levantados pela recorrente e confrontá-los com a fundamentação do próprio acórdão proferido em 1ª instância, num tipo de discurso que se traduz em generalizar, para evitar apreciar o caso concreto.

  7. A absolvição do crime de profanação de cadáver era por demais evidente, basta ler o dispositivo legal (art.º 254° CP) e perceber da sua inadequada aplicação.

  8. A redução da pena operada para treze anos, embora demonstrando a excessiva e pesada pena anterior, também não faz sentido atenta a errada qualificação jurídica perpetrada pelo tribunal de julgamento. Este, 11. Lamentavelmente, errou na qualificação jurídica do crime de profanação de cadáver, por manifesta inadequação, e na aplicação, ainda que dúvidas existissem (in dubio pro reo), do disposto nos artigos 131° e 132° alíneas a), b) e i) do Código Penal - homicídio qualificado.

  9. «En tal caso es regia de buena conducta en Ia duda abstenerse de condenar.» 13. Perante os factos que se deixam descritos e respectivo enquadramento jurídico, crê a recorrente que a existirem ou subsistirem dúvidas insupríveis na avaliação da prova, tais dúvidas não podem ser valoradas contra si.

  10. É o que impõe o princípio in dubio pro reo, como contra-pólo do princípio da oficiosidade que caracteriza o processo penal.

  11. E sempre se diga, nunca é demais repetir, que: "1. Nos termos do n.º 2 do artigo 32° da Constituição da República, «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa». Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 (cuja autoridade interpretativa e integradora em matéria de direitos fundamentais está estabelecida no artigo 16°, n.º 2 da Constituição da República), estatui, no n.º 1 do seu artigo 11°, que «toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas». De igual modo, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1976, estabelece-se que «qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida» (artigo 14°, n.º 2), e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, estabelece-se que «qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada» (artigo 6°, n.º 2)." Vd. O Principio da Presunção de Inocência do Arguido no Actual Processo Penal Português, AAFDL, Rui Patrício, 2000.

  12. Pelo exposto, o tribunal recorrido ao não ter aplicado o princípio in dubio pro reo, não procedeu em conformidade com os princípios que norteiam a apreciação da prova, princípio este que assim deverá ser, caso se julgue necessário, aplicado por V. Ex.as na apreciação da matéria que motiva o presente recurso.

  13. Cumpre, ainda, referir que do tipo subjectivo, avulta a falta insuprível do dolo, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, isto é, da realização do ilícito típico do crime de homicídio.

  14. Da leitura atenta dos autos, da prova produzida em audiência e julgamento e pelo ora invocado na motivação (que damos por integralmente reproduzido), jamais se poderá considerar configurada a prática do crime de homicídio qualificado p. p. pelos artigos 131° e 132° n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b) e i) do Código Penal.

  15. Confessamos a ignorância, não aceitamos a falta de sensibilidade.

  16. Na verdade, o tribunal a quo não se debruçou nem sobre o recurso interposto pela recorrente em matéria de facto, nem tão pouco sobre o recurso interposto em matéria de direito e todas as questões inerentes concretamente suscitadas, sendo que nada havia que o eximissem dessa obrigação, considerando a gravidade e os direitos de qualquer arguido em processo penal, maxime no caso em apreço, atendendo a que se trata de uma investigação deficiente e parcial. A arguida, ora recorrente, foi condenada em pesada pena de prisão.

  17. O tribunal a quo entendeu, erradamente, reduzir a pena de prisão para próximo do mínimo da moldura penal (12-25 anos), sem equacionar e valorar, devidamente, a aplicação do disposto no art.º 136° do Código Penal e a matéria de facto que o configura.

  18. Veja-se o entendimento de Figueiredo Dias sobre esta matéria (C.P. Anot. Conimbricense, CE 1999, anot. 136°, págs. 100 a 105.

  19. No entendimento da recorrente, esta cometeu, por omissão, o crime previsto e punido pelo artigo 136° - Infanticídio - do Código Penal (vd. Ac. STJ de 30-11-60, BMJ 101° 475 e Ac. STJ de 24-11-93 cit. Leal Henriques/Simas Santos 11 103) podendo aceitar-se, ainda, a sua punição aos olhos do art.º 137° n.º 2 - Homicídio por negligência - do C.P..

  20. Quer um quer outro dos dispositivos supra referidos, estabelecem uma moldura penal até 5 anos. Uma medida próxima do limite máximo desta pena acautelaria, com segurança, os pressupostos e os fins da aplicação da mesma.

  21. Contrariamente ao que se diz no acórdão ora recorrido, a arguida não participou no resultado final. Omitiu, sim, a assistência devida à recém nascida por não, imediatamente após o parto, socorrer-se de auxílio médico.

  22. A arguida nunca teve o domínio do facto atenta a sua incapacidade, manifestamente, provocada pela perturbação que sofria naquele momento. Ajudada pelo seu companheiro, levantou-se da cama, foi à sanita e voltou-se a deitar.

  23. Para não repetir a motivação, para a qual remetemos por considerarmos reproduzida, cumpre tão só referir que, não pode o tribunal a quo entender que, atenta a matéria de facto provada, não permite descortinar na actuação da recorrente qualquer indicio de perturbação justificativa da sua acção.

  24. O facto de estar perturbada pressupõe ausência de justificação para o facto e se, erradamente, como aconteceu, o tribunal de julgamento errou na apreciação e valoração da prova, não sendo esta questionada pelo tribunal a quo, não pode este produzir tal argumento pela prova que lhe é apresentada pelo tribunal de julgamento. Ou seja, 29. Preso por ter cão, preso por não ter! O tribunal a quo não tem restrições na apreciação da prova, é do conhecimento oficioso.

  25. É bom que se entenda que, a arguida não quis tirar a vida à recém nascida. Nada existe nos autos nem na prova produzida que o diga e confirme.

  26. Nada existe nos autos nem na prova produzida em julgamento que diga e confirme que a arguida percebeu que a recém nascida estava com vida.

  27. Salvo o maior respeito pelas elevadas funções da judicatura, que muito louvamos, não pode o tribunal a quo abster-se de julgar convenientemente e, a todo custo, procurar a verdade material.

  28. Resulta provadíssimo que a testemunha LL era pessoa interessada no nascimento com vida da criança, atenta a sua, eventual, comparticipação na prática...

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