Acórdão nº 08P3974 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Círculo Judicial de Torres Vedras, no processo comum nº 713/01.0 OPATVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Vedras, foi o arguido: AA, divorciado, agente comercial, nascido a 22 de Maio de 1949, natural da freguesia de Pontevel, concelho do Cartaxo, filho de ... e de Maria ...., anteriormente residente na Rua ..., nº 00, 1º Dtº, Praia de Pedrógão, Leiria e actualmente preso no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria; Condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 (onze) anos de prisão e 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de 5 € (cinco euros), num total de 2000 € (dois mil euros) ou, caso a multa não seja paga voluntária ou coercivamente, 266 (duzentos e sessenta e seis) dias de prisão.

Inconformado com tal decisão, o arguido AA interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação da mesma.

Na respectiva motivação formula as seguintes conclusões: 1- O recorrente foi condenado em cúmulo jurídico a uma pena única de 11 anos de prisão e, 400 dias de multa à razão diária de 5€ (cinco euros) num total de 20000 (dois mil euros), a qual considera exagerada.

2- Os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, são unicamente contra o património, sendo que a pena mais gravosa que lhe foi aplicada foi de dois anos.

3- Todos os outros crimes foram de uma forma geral punidos com penas de pouca gravidade, sendo que em algumas decisões as penas chegaram mesmo a ser suspensas e, outras eram penas não privativas da liberdade (multa).

4- No cúmulo anterior foi aplicado ao arguido uma pena única de 9 anos de prisão, e se se analisar o cúmulo ora aplicado verifica-se que na realidade foi feita uma soma aritmética entre o anterior cúmulo e as penas parcelares do presente processo que perfazem 1 ano e 11 meses.

5- Agravando na realidade a situação criminal do arguido, violando assim os direitos do arguido subjacentes na CRP nos arts. 29 nº 4 e 30, e o art.409 do CPP.

6- A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá que demonstrar, fundamentando, que além de indicados foram efectivamente avaliados os factos e a interacção destes com a personalidade.

7 - No caso vertente, num determinado espaço de tempo, o recorrente cometeu alguns crimes, o que mereceu da decisão recorrida a consideração de que existia um modo de vida criminal, que foi valorada em termos de pena conjunta.

8- Independentemente da circunstância de avaliação da personalidade em função dos factos não se poder reconduzir a um apelo de repetidas fórmulas de natureza genérica (que induzem à elaboração de um cúmulo jurídico à revelia dos concretos factos a ponderar), como o fez o acórdão recorrido, é evidente que o denominado modo de vida referido na decisão recorrida, se consubstancia apenas na existência de concurso de infracções quer dá origem à elaboração do cúmulo jurídico.

9- Sendo esta operação um caso especial de determinação da pena que, necessariamente, assume um conteúdo agravativo, é inadmissível definir a pena conjunta em função, exclusivamente, da existência de um concurso de crimes, pois tal constitui uma dupla valoração, que se não pode admitir.

10- Por outro lado, a alusão à personalidade começa e acaba na referência ao modo de vida, não permitindo concluir se o tribunal avaliou, ou não, a personalidade em termos da globalidade dos factos, detectando indícios de uma personalidade vocacionada para a prática deste tipo de infracções, indicando-se uma tendência que se deverá traduzir num sentido agravativo, ou, pelo contrário, apenas apurando uma pluralidade de ilícitos pouco sedimentada na personalidade.

11- Também se deverá atender à idade do recorrente, bem como à sua modesta condição social, cultural e económica para atribuição da medida da pena, não tendo feito foi violado o art. 77 do CP.

12- O Tribunal" a quo" ao omitir a pronúncia sobre esta questão, que tinha de apreciar e decidir, inquinou a decisão com a nulidade a que alude o art. 3790 do CPP.

13- É inequívoca a verificação de uma situação de concurso de crimes, tal como define o art. 30 nº1 do CP, cometido pelo recorrente. Donde a verificação deste pressuposto legal só pode levar à imposição de uma única pena nos termos do art. 77 nº1 do CP.

14- Há concurso de crimes quando hipoteticamente é concebível a possibilidade de realização de um único julgamento por todos os crimes.

15- E tendo em atenção os crimes praticados pelo arguido nomeadamente burla, falsificação cheque sem provisão, a similaridade do modus operandi o que aliás foi dito pelo MMo Juiz" a quo" na sua decisão, a linha ininterrupta em termos temporais da prática dos crimes, sem margem de dúvida que se está perante uma única resolução criminosa/crime exaurido, devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não tendo decidido dessa forma violou o Tribunal" a quo" o art. 30 e 77 nº1 do CP.

Respondeu a Exmª Magistrada do MºPº junto do Círculo Judicial de Torres Vedras.

Na respectiva motivação, sem formular conclusões, sustenta que o acórdão recorrido deve manter-se.

Aquela motivação é, grosso modo, do seguinte teor:

  1. Ao proceder-se a novo cúmulo jurídico o anterior é "desfeito", passando a ponderar-se novamente a pena a aplicar.

    Assim, a situação verificada nos autos não se trata duma qualquer reformatio in pejus.

    O que o tribunal fez foi uma "reponderação", explicando bem qual foi o raciocínio que presidiu à escolha da pena única.

    Na verdade e para além doutros factores a que entendeu ser de dar relevância, o tribunal ponderou, e bem a nosso ver, o facto da globalidade da actuação do arguido não ter sido apreciada devidamente com a dispersão dos factos a julgar por processos diversos.

    Ora como é bom de ver, o facto de o arguido ter sido sucessivamente julgado por factos similares isoladamente, nunca permitiu que os tribunais pudessem dar a devida relevância à personalidade revelada com a reiteração da actuação.

    Com efeito, julgando crimes isolados nunca os tribunais puderam dar a devida relevância ao facto do arguido ter angariado o seu sustento ao longo dum considerável período de tempo mediante a prática de crimes de falsificação e burla.

    Assim, o presente acórdão cumulatório mais não é do que o reflexo duma ponderada reflexão que se impunha ao tribunal.

  2. Salvo o devido respeito, a factualidade sobre a qual assentaram as sucessivas condenações do arguido não é de molde a configurar o crime exaurido.

    Também o facto dos crimes de falsificação terem sido meio empregue na concretização dos crimes de burla não lhes retira a autonomia, tanto mais que as disposições legais que prevêem e punem tais crimes protegem bens jurídicos diversos.

    Deste modo e mesmo que o arguido houvesse sido julgado num só processo pela totalidade da sua conduta criminosa, nunca a conduta do mesmo deveria ser tida como um único crime.

    Contudo, a questão nem será de apreciar nesta fase processual.

    Com efeito, cada um dos acórdãos condenatórios levados em conta no acórdão agora recorrido mostra-se transitado em julgado, pelo que as condenações neles operadas não podem já ser postas em crise.

  3. Não tinha o acórdão de fazer qualquer ponderação quanto ao facto assente dado como de que o arguido teria trabalho na REMAX quando fosse libertado.

    Na verdade, um tal facto não releva para a escolha da pena quando a pena a aplicar seja de prisão efectiva, apenas podendo relevar quando o tribunal haja que ponderar uma eventual suspensão da execução de pena de prisão.

    Ora tal situação não se acha de modo algum em causa nestes autos, uma vez que a pena aplicar em cúmulo ao arguido se afasta bastante dos cinco anos de prisão.

    Por outro lado, resulta bem explícito no acórdão os motivos pelos quais o tribunal não atribuiu relevância ao actual arrependimento do arguido, logo o tribunal debruçou-se sobre o mesmo, pelo que o acórdão não é omisso quanto à ponderação do "arrependimento actual".

    Sucede é que, justamente por entender não ser de lhe atribuir relevância, tal arrependimento não teve reflexos num "abrandamento" da pena.

    Não é também verdade que o tribunal não haja...

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