Acórdão nº 07P0605 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | SORETO DE BARROS |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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AA, Lda, recorrente e arguida nos autos de recurso de contra-ordenação n.º 6459/06.5, da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão de 07-11-2006, daquela Relação, proferido no aludido processo .
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1 Apresentou as seguintes alegações: «1. Nos termos do acórdão proferido no âmbito dos presentes autos foi o recurso da Arguida rejeitado por manifesta improcedência entendendo-se que o art. 7.º do Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro não diferencia entre prática dolosa ou negligente, punindo todo o incumprimento aí previsto num único tipo contra-ordenacional, pelo que o comportamento negligente é punido.
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Porém por Acórdão proferido em 7 de Março de 2006 também pela 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 51/06, a propósito do mesmo art. 7.º do Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro sufraga a posição que a negligência não é punida por esta norma jurídica.
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Assim, temos que, no domínio da mesma legislação e, tendo por base a mesma norma jurídica - o art.º 7.º do Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro - existe um conflito jurisprudencial em que o acórdão recorrido interpreta a norma no sentido de punir o comportamento negligente enquanto que o acórdão identificado em segundo lugar entende não ser punida a negligência no não cumprimento do disposto nos art.ºs 3.º,4.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1 e 2 do mesmo Decreto-Lei.
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Os acórdãos em questão foram proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e deles não é admissível recurso ordinário, sendo pois admissível recurso extraordinário.» 1.
2 Em conferência decidiu-se que, não ocorrendo motivo de inadmissibilidade e sendo patente a oposição de julgados, o recurso devia prosseguir.
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3 Notificados os sujeitos processuais nos termos do art. 442.º n.º 1 do CPP, alegaram a recorrente e o Ministério Público.
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3.1 A primeira, nas alegações que apresentou, após concisa abordagem da questão a decidir, formulou, quanto ao sentido da jurisprudência a fixar, as seguintes conclusões: «1. O comportamento ilícito é imputado à Arguida a título de negligência e ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro.
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A Lei-quadro do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) só permite a punição por negligência quando esta for especial ou expressamente prevista.
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O Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro, vigente ao tempo da prática dos factos, não pune expressamente o comportamento típico na forma negligente.
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O facto de o legislador não ter feito menção expressa à punição do comportamento negligente, só pode significar que não pretendeu tal punição.
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Decidir diferente será sempre decidir em violação do disposto no artigo 8° da Lei-quadro do Regime Geral das Contra-Ordenações.» 1.
3.2 Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nas alegações que apresentou, concluiu que: «1. Nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência».
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Os casos especialmente previstos na lei são os casos em que, de modo especial, particularmente, com particular referência, a lei declara a punição da negligência.
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A norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 197/2002, de 25/09, que estabelece o regime sancionatório do não cumprimento do disposto nos artigos 3.°, 4.°, n.º 2, e 5.°, nºs 1 e 2, do referido diploma, não prevê, de modo particular, a punição por negligência das condutas nela tipificadas.
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Não se mostrando prevista, de modo particular, na norma que estabelece o regime sancionatório, a punição por negligência das condutas tipificadas também na mesma norma, só é possível a sua punição a título de dolo.
É este o sentido da jurisprudência a fixar.» 2.
Colhidos os vistos e reunido o pleno das Secções Criminais, cumpre conhecer e decidir.
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A decisão da Secção sobre a verificação da oposição de julgados e sobre o regular processamento do recurso não vincula o pleno das Secções Criminais, pelo que o presente acórdão deve começar pelo reexame dessas questões.
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1 Fundamentação dos acórdãos em conflito 3.
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1 Acórdão recorrido Em processo de contra-ordenação, foi aplicada à recorrente, por decisão da autoridade administrativa (Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola - INGA), uma coima no valor de € 2490, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 3.º e 7.º do DL 197/02, de 25-09.
Inconformada, a recorrente impugnou esta decisão junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que, por decisão de 29-03-2006, julgou improcedente o recurso apresentado.
Irresignada, recorreu de novo para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 07-11-2006, rejeitou o recurso, por manifesta improcedência.
Os factos provados são os seguintes (transcrição do acórdão da Relação): «A arguida procedeu ao preenchimento da declaração mensal da taxa de comparticipação das despesas EEB, relativa às operações efectuadas durante o mês de Junho de 2003, em 18-09-2003, documento a fls. 10 dos presentes autos.
Como meio de liquidação da taxa foi utilizado o cheque bancário n.º 000000000, do Banco Nacional de Crédito Imobiliário da agência da Amadora, assinado pelo operador, no montante de € 10.201,53 datado de 18-09-2003.
O meio de pagamento, bem como a respectiva declaração de autoliquidação relativa às operações efectuadas durante o mês de Junho de 2003, foram recepcionados no INGA em 24-09-2003, fora do prazo para o efeito, que seria até ao dia 15-09-2003.
O facto da arguida ter preenchido a declaração acima referida, e de ter preenchido o cheque acima referido, em 18-09-2003, no terceiro dia da prática da infracção, demonstra que já nessa ocasião, detinha todos os elementos necessários relativos ás operações efectuadas no mês de Junho de 2003 para efectuar o pagamento atempadamente pelo que a arguida não tomou as diligências necessárias e o devido cuidado no envio dos documentos para a sede do INGA sendo nesta recepcionado com 9 dias de atraso, assim agindo com desrespeito do dever de diligência que conhece e é obrigada a respeitar.» Perante esta factualidade, o Tribunal da Relação considerou que «De nada vale invocar que "o facto imputado à recorrente não tem prevista na lei a sua punição" a título de negligência (art.º 7.º do Decreto-Lei 197/2002, de 25 de Setembro), porque tal não corresponde à letra da lei, a qual dispõe que a contra-ordenação será punida sempre que verificada a sua ocorrência (independentemente de ser cometida com dolo ou negligência), não tendo a recorrente alegado que o legislador teria pretendido diversa interpretação, nem (fundamentada, ou sequer de forma meramente implícita) qual, e, frustrado tal argumento fenece consequentemente de razão o argumento de inconstitucionalidade decorrente do mesmo.
Ao não prever a diferença de tratamento entre a prática dolosa ou negligente da sanção pela prática da contra ordenação, e pelos ponderosos motivos de saúde pública referidos na decisão recorrida, decorrentes do aparecimento da encefalopatia espongiforme, pretendeu o legislador punir todo o...
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