Acórdão nº 08B3877 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | JOÃO BERNARDO |
Data da Resolução | 08 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na comarca de Ourém, AA, BB e CC, instauraram a presente acção declarativa, em processo ordinário, contra: DD e EE.
Alegaram, em síntese, que: São proprietários e possuidores do prédio misto que identificam.
Tal prédio veio à sua posse por doação de seus pais, celebrada em 19 de Outubro de 1983; Desde então, até hoje, vêm-no utilizando-o do modo que pormenorizadamente descrevem, tendo-o adquirido, nomeadamente, por usucapião; Não está, porém, registado em seu nome na Conservatória do Registo Predial; E foi penhorado, na acção executiva que identificam, tendo nela sido adquirido, por arrematação, pelo réu EE.
Aquela penhora e esta aquisição foram registadas na CRP.
Pediram, em conformidade: Que os réus sejam condenados a reconhecerem que eles, autores, são os proprietários e possuidores de tal prédio; Que seja anulada a inscrição nº 020000000000 da Conservatória do Registo Predial de Ourém; Que se declare que este prédio inclui o imóvel vendido em hasta pública, bem como que tal prédio é aquele que está descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o nº 27.000, a fls. 34 verso do Livro B - sessenta e cinco; Que se anule a venda celebrada.
Contestou apenas o réu EE.
Alegou, em síntese, que: O que adquiriu na referida execução foi um prédio urbano, pelo que não sabe, nem tem obrigação de saber, se este é o prédio que os autores reivindicam, até porque as confrontações Norte e Nascente nem sequer são coincidentes; Mesmo que assim se não entendesse, uma vez que os autores não registaram o prédio em seu nome e tem ele, réu, a sua aquisição registada, a escritura de doação que os autores invocam não lhe é oponível.
II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação, tendo, na altura oportuna, sido proferida sentença que a julgou procedente.
III - Apelou o EE, mas sem êxito, porquanto o TRC confirmou a sentença.
IV - Ainda inconformado, pede revista.
Conclui as alegações do seguinte modo: 1. Nas duas matérias que o tribunal recorrido apreciou - aquisição em venda executiva sob protesto e a boa fé do comprador; conceito de terceiro para efeitos de registo - invoca como argumento desfavorável ao recorrente o de este não poder ser considerado comprador de boa fé.
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Para o efeito, limitou-se a seguir o entendimento do tribunal da 1.ª instância e pouco mais.
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Segundo esse entendimento, pelo facto do executado e o ilustre mandatário dos AA, aqui recorridos, terem estado presentes na venda judicial de 22.10.2001 e terem junto protesto pela reivindicação do imóvel, bem como escritura de doação de 19.10.83, ao R, aqui recorrente, não podia deixa de se colocar, pelo menos, a forte suspeita de que aquele prédio já não pertencia ao executado.
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O tribunal recorrido não se pronunciou sobre os argumentos e as particulares circunstâncias deste caso que haviam sido esgrimidas pelo recorrente e que apontavam no sentido inverso.
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Segundo o entendimento do tribunal de 1.ª instância, acompanhado pelo tribunal recorrido, independentemente dos contornos do caso concreto, o comprador em venda judicial deve considerar-se de má fé sempre que seja apresentado protesto de reivindicação e uma escritura de doação, seja ela qual for. E se esse protesto for apresentado por advogado, a má fé do comprador é ainda mais evidente, como nos diz o acórdão recorrido.
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Esta posição é insustentável.
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A boa fé do comprador em venda judicial sob protesto e boa fé em geral, tem de ser vista caso a caso, sendo que o presente é particularmente sui generis.
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Em abstracto, o protesto de reivindicação numa venda judicial não afasta nem abala, por si só, a boa fé do comprador.
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Quem adquire um prédio numa venda sob protesto, é como se o fizesse sob a condição de poder vir a ser convencido, em acção de reivindicação posterior, de que a propriedade pertencia ao reivindicante e não ao executado.
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O estado psicológico do comprador sob protesto não é equivalente ao da má fé, que se caracteriza pelo conhecimento ou desconhecimento culposo de que a propriedade do bem não pertencia ao executado.
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O comprador nestas circunstâncias é alguém que está a comprar um imóvel que foi penhorado num processo executivo, que a penhora foi registada, que foram cumpridas todos os procedimentos que visam garantir a defesa de eventuais direitos de terceiros sobre o bem penhorado, que a venda foi publicamente anunciada nos jornais e que depois disso o prédio é-lhe vendido através de um tribunal.
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O protesto de reivindicação apresentado na venda não elimina a boa fé do comprador, quando muito pode instalar a dúvida o que não é o mesmo que a má fé.
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Sendo esse o nosso entendimento em abstracto, olhando para este caso concreto, há ainda muito mais razões para concluirmos pela boa fé do recorrente.
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Neste caso, o comprador por via judicial, aqui recorrente, era também exequente e foi ele quem promoveu todas as diligências que conduziram à venda judicial, onde nada fez prever ou suspeitar sequer que o bem não fosse do executado, dado que, nunca foram deduzidos embargos de terceiro.
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Aquando da venda judicial, o recorrente tinha sérias razoes para crer que o prédio reivindicado no protesto não era o mesmo que lhe estava a ser vendido.
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A doação que os recorridos apresentaram remetia para uma descrição predial diferente da descrição onde fora inscrito o registo da penhora e que constava do anúncio da venda.
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O artigo matricial que constava da doação era o artigo 23.107.0, referente a um prédio misto, enquanto que o que havia sido penhorado era urbano sob artigo 2.419.0.
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Na escritura de doação refere-se que a parte urbana estava omissa na matriz e que tinha sido apresentada declaração para a sua inscrição.
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Nesta acção, após longa e aturada produção de prova, concluiu-se que essa participação deu origem ao artigo urbano 2.419.0.
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No entanto, o recorrente, não sabia nem lhe era exigido que soubesse esse facto na venda judicial de 2001.10.22, momento em que devemos aferir da sua boa fé.
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As confrontações que constavam da doação e as que constavam na descrição n.º 2380 não eram coincidentes.
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Da descrição n.º 023880, onde foi registada a penhora, constava que o prédio já tinha sido penhorado ao executado e 1.º R, em 1992.09.14, através da Fazenda Nacional, como se vê da certidão de registo predial de fls ..
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Todas estas circunstâncias levavam, como levaram, o recorrente, e podiam ter levado qualquer um, a crer que o prédio que constava da doação não era o mesmo que havia sido penhorado.
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