Acórdão nº 08B3669 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | ALBERTO SOBRINHO |
Data da Resolução | 11 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, veio a executada AA, LDª, deduzir embargos de executado contra a exequente BB - ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES, S.A.
, com o fundamento de que a exequente/embargada se constituiu na obrigação de a ressarcir dos prejuízos decorrentes do atraso na conclusão da obra que com ela contratara, além de que essa obra apresenta defeitos vários.
Contestou a exequente/embargada, impugnando, em síntese, quer o atraso na conclusão da obra, quer a existência de defeitos.
Saneado o processo e fixados os factos considerados assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, julgaram-se os embargos improcedentes.
Inconformada com o assim decidido, apelou a executada/embargante, e com sucesso, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença recorrida e julgou procedentes os embargos com a consequente extinção da execução.
É a vez de recorrer agora a exequente/embargada de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, defendendo a nulidade do acórdão recorrido e, subsidiariamente, pugnando pela improcedência dos embargos.
Contra-alegou a exequente/embargante em defesa da manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da recorrente radica, em síntese, no seguinte: 1- O acórdão recorrido, além de referir que a ora recorrente não apresentou contra-alegações, decorre, igualmente, do conjunto do texto desta decisão que a mencionada referência não constitui mero lapso de escrita e que pura e simplesmente não foi conhecida e tida em conta toda a defesa e argumentação por si apresentada em sede de contra-alegações, que efectivamente apresentou.
2- O Tribunal omitiu um momento processual expressamente previsto na Lei (201°, n.° 1 C.Pr.Civil e violou o princípio da equidade, consagrado no artigo 20° Constituição da República Portuguesa, na vertente de assegurar a todos os cidadãos, não só o acesso à Justiça, mas também a um processo regulado por um conjunto de regras que postulam designadamente a igualdade das partes e o contraditório.
3- O que teve influência directa no exame e decisão da causa, que foi julgada sem apreciar a defesa apresentada pela ora recorrente no anterior recurso de apelação, pelo que está ferido de nulidade, nos termos do art. 668°, n.° 1, al. d) C.Pr.Civil.
4- Para além disso, a recorrida não demonstrou que tivesse sofrido, pelos alegados "defeitos", quaisquer "prejuízos", já que os factos por si alegados a esse respeito mereceram do tribunal respostas de "não provados".
5- Mas também não pode proceder a invocada "excepção de não cumprimento", prevista no artigo 428°, n.° 1 C.Civil, que se reporta a contratos bilaterais quando não haja prazos diferentes para o cumprimento das obrigações, o que não é o caso dos autos.
6- O dono da obra pode invocar o cumprimento defeituoso ou incumprimento parcial do empreiteiro para recusar o pagamento do preço - 428°, n.° 1 do Código Civil, mas desde que a obrigação de pagamento do preço não seja de vencimento anterior ao da entrega da obra - 428°, n.° 1 do Código Civil e que exista proporcionalidade entre a parte do preço cujo pagamento se recusa e a desvalorização provocada pelo defeito - artigos 227° e 762°, n.° 2 do Código Civil.
7- O que os autos revelam é que as facturas em dívida pela ora recorrida e, sobretudo, a letra exequenda - que tem data de vencimento de 09 de Janeiro de 1994 - se venceram muito antes de ter ocorrido a eventual obrigação de reparação dos pretensos e tardios "defeitos de obra".
8- E que, entregues provisoriamente as obras, a recorrente cumpriu o seu dever de reparação de todos os defeitos denunciados e aceites, na expectativa, obviamente, de receber o devido pagamento, contrariamente à recorrida que só muito mais tarde veio invocar a existência de "defeitos", para não pagar o que devia.
9- Não era a dona de obra que devia cumprir em segundo lugar, desde logo porque a letra exequenda não constitui "novação", isto é, ela não foi emitida com intenção de se constituir uma nova obrigação, em substituição da antiga (qual seja o pagamento das facturas em dívida), que se extinguiria.
10- E cabia à executada/embargante, uma vez que alegou cumprimento defeituoso, por via do qual invocou a excepção de não cumprimento prevista no artigo 428°, n.° 1 do Código Civil, efectuar prova de que a obrigação de eliminação dos invocados defeitos é anterior à obrigação do pagamento do preço.
11- Também não pode proceder o entendimento defendido no acórdão recorrido, nos termos do qual cabia à exequente/embargada, por ser esta a parte a quem o facto aproveita - 516° do Código do Processo Civil -, alegar e provar que o custo global da eliminação dos (alegados) defeitos é igual ou inferior ao montante de € 1.234.250,90, já recebido pela executada/embargante, resultante da "cobrança" das garantias bancárias.
12- Após o recebimento dos montantes das garantias bancárias tinha a executada/embargante que ter alegado, e provado, enquanto matéria constitutiva do seu direito - cfr. 342°, n.° 1 C.Civil -, que o valor recebido não foi suficiente para cobrir os custos de eliminação dos defeitos de construção invocados.
13- E se dúvidas houvesse quanto à natureza destes factos, as mesmas deveriam ter sido resolvidas - contra a executada/embargante - pela aplicação do artigo 342°, n.° 3 C.Civil e não pela aplicação do artigo 516° C.Pr.Civil.
14- Acresce que, para a procedência da excepção de não cumprimento é necessário, para além dos requisitos do artigo 428° C.Civil, que não haja violação do princípio da boa fé (art. 227° e 762°, n.° 2 C.Civil), devendo existir "proporcionalidade entre o preço cujo pagamento se recusa e a desvalorização da obra provocada pela existência do defeito".
15- Ora, a recorrida conseguiu receber os seus edifícios prontos nos prazos ajustados, concluídos à custa de manifesto esforço e particular dedicação da Empreiteira, aliás publicamente por ela reconhecidos, tal como conseguiu comercializar o desenvolver a sua normal actividade económica relacionada com o empreendimento, vendendo as fracções autónomas e dando o uso comercial previsto ao Shopping, dentro dos prazos ajustados.
16- Mas conseguiu não pagar as facturas da recorrente, em dívida, nem ao tempo do respectivo vencimento, nem quando as obras lhe foram entregues, com o significativo valor que têm.
17- O acórdão recorrido ao decidir neste sentido, legitimando a situação atrás descrita, violou o princípio da boa fé consagrado nos artigos 227° e 762°, n.° 2 C.Civil.
B- Face ao teor das conclusões formuladas, são, no essencial, duas as verdadeiras questões controvertidas que se colocam: - nulidade do acórdão; - excepção de não cumprimento do contrato.
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Fundamentação A- Os factos No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos: 1- A letra em causa destinou-se ao pagamento de parte dos encargos atinentes a dois contratos de empreitada celebrados entre as partes.
2- Esses contratos de empreitada são os seguintes: a. Contrato de empreitada de construção do edifício Marina Forum / Funchal, de 4 de Abril de 1990 e que constitui o documento n° 5; b. Contrato de empreitada de construção do edifício Marina Club / Funchal, de 22 de Abril de 1991 e que constitui o documento n° 2.
3- A obra constituía um empreendimento imobiliário destinado a ser vendido a terceiros, em regime de propriedade horizontal, e à instalação e exploração de um centro comercial e de parques de estacionamento.
4- A data da consignação da empreitada foi em 19 de Abril de 1990, ou seja, 15 dias após a assinatura do contrato.
5- O prazo de realização da obra terminaria em 17 de Novembro de 1991, nos termos da cláusula 33ª do respectivo contrato de empreitada.
6- A obra de construção do edifício Marina Club deveria estar concluída em 30-12-92.
7- O prazo inicialmente acordado para a conclusão da obra do edifício Marina Club era 30-12-92.
8- As partes acordaram uma prorrogação do prazo inicialmente previsto para a conclusão da obra.
9- Com base nesses acertos e a inúmera correspondência trocada entre as partes, a empreiteira remeteu ao dono da obra, em 18 de Março de 1993 um aditamento ao contrato de empreitada de construção do edifício Marina Club, com a alteração das cláusulas 4ª e 5ª.
10- Apesar do acordo efectivamente firmado nestas matérias, o dono de obra nunca remeteu à empreiteira o duplicado de tal aditamento devidamente assinado.
11- Em relação à construção do Edifício Marina Club foi celebrado escrito preliminar em 22 de Abril de 1991 onde podem ver-se as assinaturas da embargante, dona de obra, e da embargada, empreiteira, bem como várias reservas manuscritas.
12- Escrito sobre o qual as matérias de preço e quantidade de trabalhos ficaram com definições a produzir, de acordo com a obra concreta a executar, por invencível imposição de insuficiência do projecto.
13- Com efeito, na cláusula 53 estabeleceu-se que a obra deveria ser executada pelo valor global que resulta da aplicação dos preços unitários válidos para a empreitada às quantidades de trabalho que decorrem dos projectos e correspondentes mapas de quantidades a entregar pelo 1º outorgante.
14- Sendo os preços unitários da empreitada os que resultassem da aplicação de um coeficiente 1,16 aos preços acordados para a empreitada Marina Fórum, sendo o valor assim obtido acrescido de IVA à taxa em vigor.
15- Na cláusula 43 de tal convénio ajustou-se ainda que o prazo de execução da obra seria até 30 de Dezembro de 1992, incluindo sábados, domingos e feriados, contados a partir da presente data, tendo o dono de obra ficado obrigado, por força do disposto na cláusula 33, a entregar à empreiteira as peças escritas e desenhadas...até 30 dias após a data de assinatura do presente contrato.
16- Como mero...
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