Acórdão nº 08S3255 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução03 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

Pelo Tribunal do Trabalho de Viseu demandou AA, mediante acção com processo comum, BB, Ldª, solicitando a condenação desta a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, se essa fosse a sua opção, a pagar-lhe a indemnização prevista no artº 439º do Código do Trabalho, e a pagar-lhe determinadas importâncias, que discrimina, devidas a título de comissões a integrar no subsídios de Natal, nas férias e subsídios de férias e proporcionais, a título de utilização de um veículo automóvel e de um telemóvel a integrar em tais subsídios, férias e proporcionais, a título de trabalho prestado em dias de descanso e de descanso compensatório, a título de descontos ilícitos praticados pela ré, a título de salário de Março de 2006, a título de retribuições vincendas, e a título de danos não patrimoniais, estes computados em não menos de € 5.000.

Muito em síntese, invocou que: - - ela, autora, que foi admitida ao serviço da ré em 15 de Junho de 1998 mediante contrato individual de trabalho, a fim de exercer as funções de encarregada/gerente de postos de abastecimento de combustíveis, funções que desempenhou em vários postos pertença da ré, auferia determinados vencimentos base, que indicou, acrescidos de subsídios por isenção de horário de trabalho e de alimentação, e comissões, pagas sobre a venda de combustíveis, pagamento este efectuado, em regra, de três em três meses e sob a rubrica «incentivo irregular», verbas que nunca foram tidas em conta quanto às férias, subsídios de férias e de Natal, além de lhe ter sido entregue um telemóvel e um veículo automóvel, que podia utilizar durante 24 horas por dia, sete dias por semana, ficando as despesas a eles atinentes por conta da ré, o que proporcionava à autora um benefício mensal não inferior a € 275 mensais, benefício esse que também nunca foi tido em conta naquelas férias, subsídio de férias e de Natal; - a autora trabalhava muitas horas de trabalho para além das oito horas diárias, algumas delas em trabalho nocturno, aos Sábados, Domingos e feriados, não tendo jamais beneficiado do descanso semanal obrigatório e complementar, tendo-lhe a ré somente pago € 1.015,81 a título de «horas extra», sendo que nunca lhe pagou o descanso compensatório; - a autora foi despedida na sequência da instauração de processo disciplinar, tendo sido suspensa provisoriamente, despedimento que considera ilícito, pois que os factos que o basearam isso não permitiam e estava já caduco o exercício do poder disciplinar, vindo a sofrer, por isso, de tristeza, abatimento, pessimismo e desgosto.

Após contestação da ré, que propugnou pela sua absolvição dos pedidos, e após ter a autora desistido dos pedidos referentes à utilização do veículo automóvel e do telemóvel, optando pela sua reintegração no posto de trabalho, veio, em 19 de Julho de 2007, a ser proferida sentença, por via da qual, julgando-se parcialmente procedente a acção, foi a ré condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, com a categoria profissional e antiguidade que lhe pertenciam, e a pagar-lhe € 25.976,79, a título de retribuições em dívida já vencidas, bem como as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, além de juros, bem como a pagar à mesma autora a importância, a liquidar em execução de sentença, devida por trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal, feriados e descanso compensatório.

Do assim decidido apelaram autora e ré.

O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão, não datado, mas que, tudo o leva a crer, teria sido prolatado em 15 de Maio de 2008 (cfr. «acta» dessa data), julgou improcedente a apelação da ré e, considerando, em parte, procedente a apelação da autora, revogou a sentença recorrida na parte em que excluiu a média das comissões nos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006, consequentemente condenando a ré a pagar à autora, a esse título, € 27.138,77.

  1. Vem agora a ré pedir revista daquele acórdão, finalizando a alegação adrede produzida com as seguintes «conclusões»: - "1ª - Como resulta dos autos, mormente do processo disciplinar, a fls., o despedimento da A., Recorrida, fundamentou-se na violação dos seus deveres de zelo e diligência, de cumprir as ordens do empregador ou emanadas do seu superior hierárquico em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, violação da confiança que o empregador nela depositou e lesão de interesses patrimoniais sérios do empregador.

    1. - De acordo com o estipulado no nº 1 do artº 396º do Cód. do Trabalho, constitui justa causa de despedimento ‘o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho', sendo que, para apreciação da justa causa, se deve atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes - cfr. nº 2.

    2. - Assim, há justa causa quando, analisados e considerados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes - como sejam a intensidade da culpa, a gravidade e as consequências da conduta do trabalhador, o grau de lesão dos interesses do empregador e o carácter das relações entre as partes - se conclua pela premência da desvinculação.

    3. - O conceito de justa causa compreende, segundo o entendimento generalizado, tanto na doutrina como na jurisprudência, três elementos, a saber: a) - um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) - um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, e c) - o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

    4. - Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento encontram-se enumerados, a título meramente exemplificativo, no nº 3 do artº 396º do Cód. do Trabalho.

    5. - Por sua vez, os deveres a que o trabalhador se encontra vinculado encontram-se enumerados no artº 121º do mesmo Cód. do Trabalho.

    6. - Como resulta da matéria assente, a ‘Farpertrans' foi ‘Cliente a crédito' em 2002, altura em que a ‘Cepsa' ordenou a extinção dos ‘Clientes a crédito' devido ao crédito mal parado então existente (negrito nosso) (al. hh), tendo a A., Recorrida participado, no ano seguinte, isto é, em 2003, em acção de formação onde foi dado a conhecer a todos os gerentes de Postos de Abastecimento da R., Recorrente, entre os quais a A., Recorrida, o procedimento referido cc) e ttt) (cfr. al. uuu).

    7. - Resultou, ainda, provado nos autos que, não obstante ter conhecimento do procedimento referido em cc) e ttt) dos factos assentes, e ter participado na dita acção de formação, a A., Recorrida, não solicitou a abertura de ‘Cliente a crédito' para a dita ‘Farpertrans' (que deixara de ser Cliente a crédito da Ré) (cfr. al. ee), tendo, inclusivamente, no período compreendido entre 30.9 e 12.10.2005, autorizado o abastecimento de combustível a veículos propriedade da ‘Farpertrans' sem, contudo, receber, dessa sociedade, no acto do abastecimento, o pagamento imediato deste, lançando em sistema informático a informação de que recebia um cheque como meio de pagamento (al. eee) dos factos assentes).

    8. - Resultou igualmente provado nos autos, que a A., Recorrida, a partir de Agosto de 2005, passou a exigir à ‘Farpertrans', em regra, a entrega de apenas dois cheques por semana para pagamento dos abastecimentos, que eram efectuados pelos diversos caixas que trabalhavam no ‘Posto de Abastecimento' sito no IP3 tendo em conta as orientações da A., Recorrida (al. tt) dos factos assentes).

    9. - Temos pois, que a A., Recorrida, em 2005, vendeu, a crédito, combustível à Farpertrans.

    10. - Tendo a ‘Cepsa' ordenado, em 2002, a extinção dos ‘Clientes a crédito'[,] não restam dúvidas de que a A., Recorrida, de forma clara, desobedeceu às ordens da sua empregadora.

    11. - Essa conduta da A., Recorrida, foi prolongada no tempo.

    12. - Veja-se que a descrita conduta da A., Recorrida, só foi verificada na sequência da vistoria aludida em s) da matéria assente e após a consulta dos documentos arquivados pela A., Recorrida, no mesmo Posto de Abastecimento - al. ppp) dos factos dados como provados.

    13. -A conduta da A., Recorrida, é grave e culposa, 15ª - e teve consequências, graves para a Recorrente.

    14. - De facto, três dos cheques emitidos pela dita ‘Farpertrans', no valor total de € 11.366,70, foram devolvidos com indicação de falta de provisão; nenhum deles foi pago à R., Recorrida, sendo que a Farpertrans foi declarada falida (cfr. als. OOO), qqq), rrr) e sss) dos factos assentes).

    15. - Isto significa dizer que, do referido valor, a R., Recorrente, nunca vai ser ressarcida, ficando, assim, com o prejuízo total, resultante da conduta da A., Recorrida.

    16. - Donde resulta que a conduta da A., Recorrida, não só foi culposa, - como, aliás, o Acórdão recorrido reconhece -, como foi, ainda, grave nas suas consequências.

    17. - ‘III - Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, deverá considerar-se o entendimento de um ‘bOnus pater familias', de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso concreto' - Ac. do S.T.J., de 07-05-2008, in www.dgsi.pt.

    18. - Atendendo à factualidade dada como provada, qualquer homem médio, qualquer empregador razoável, entenderia, como o entendeu a R., Recorrente, como culposa e grave a conduta da A., Recorrida.

    19. - Na realidade quem é o empregador que pode manter a confiança num empregado que sabe que não pode dar crédito, mas continua a dar crédito, e que, em resultado desse ‘dar crédito', causa um prejuízo à empresa em valor superior a 100 Unidades de Conta, ou seja, € 11.366,70? 22ª - Está, pois, quebrada a confiança nesse trabalhador, já que o mesmo demonstrou não ser fiel ao empregador, a Recorrente, nem desempenhar...

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