Acórdão nº 08A2353 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução02 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e esposa, BB, residentes na Austrália, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra CC e marido, DD, residentes em Santarém, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a reconhecer o autor marido como único dono e exclusivo proprietário do prédio identificado, nos artigos 1° e 2° da petição inicial, e, em consequência, a abster-se de todo e qualquer comportamento que colida com os direitos do autor, a reconhecer que o prédio identificado, no artigo 15° da petição inicial, tem a descrição e a composição daí constante, a indemnizar o autor marido, a título de danos morais, na quantia de €3.000,00, acrescidos de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e a pagar ao autor marido a quantia mensal de €150,00, desde Maio de 2002, até que desocupem e entreguem o prédio identificado, nos artigos 1° e 2º da petição inicial, tudo acrescido de juros, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, alegando, para o efeito, e, em síntese, que o autor marido é dono deste último prédio, por o ter adquirido por partilhas, por morte do pai, e registado a sua aquisição, no dia 9 de Setembro de 1997, partilhas essas em que foi, igualmente, adjudicado à mãe, quer do autor marido, quer da ré mulher, o prédio urbano contíguo, identificado no artigo 15° da petição inicial, mas que, no dia 12 de Abril de 1999, foi doado à ré mulher.

Após esta doação, a ré mulher, passou, gradualmente, a reclamar como seu o aludido prédio rústico e a proibir que o irmão e a mãe do autor entrassem, cultivassem ou colhessem os seus frutos, pelo que os autores, regressando em férias a Portugal, e receando a conduta da ré mulher, não entraram nesse prédio, encontrando-se privados do mesmo e das suas utilidades, o que traz o autor marido preocupado, triste e desgostoso.

Na contestação, os réus alegam, em síntese, que jamais se arrogaram donos ou ocupam qualquer prédio do autor, acrescentando, contudo, que se limitam a ocupar e a utilizar o logradouro, anexos e horta, que fazem parte do seu prédio urbano, cujo terreno envolvente, assim composto de logradouro, anexos e horta, corresponde a cerca de 2/6 do prédio rústico reivindicado pelos autores, sendo certo que, continuam os réus, no próprio dia da escritura de partilhas, ficou acordado que os logradouros e hortas envolventes sempre pertenceriam à casa que, posteriormente, veio a ser doada à ré mulher.

Na réplica, os autores alegam que não corresponde à verdade que aqueles, a ré mulher e sua mãe tivessem acordado que o terreno que envolvia o prédio urbano, agora da ré, pertencesse a este, aceitando, porém, a confissão de que o referido terreno envolvente corresponde a cerca de 2/6 do prédio rústico reivindicado pelos autores, mantendo a posição assumida no articulado inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus a reconhecer o autor marido como único dono e exclusivo proprietário do prédio, identificado nos números 1° e 2° da petição inicial, absolvendo-os do demais peticionado.

O Tribunal da Relação, decidindo a apelação interposta, julgou-a, totalmente, improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Deste acórdão, os autores interpuseram recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão recorrido deve ser revogado.

  1. - Assim, não podia o Tribunal a quo ter corrigido o facto provado no ponto 6o da fundamentação de facto da sentença.

  2. - Pois, ao ter corrigido dessa forma, violou os artigos 659°, n°3, 713º, n°1 e 508º, n°1, e), do CPC, na medida em que tal facto provado resulta da alínea F) dos factos assentes.

  3. - Tendo as partes aceite expressamente a redacção de tal alínea.

  4. - Assim, ao introduzir no ponto 6o da fundamentação de facto, factos novos que não constavam na alínea F) da matéria de facto assente, bem como, em manifesta oposição com o alegado nos arts. 16° e ss da P.I., arts. 18, 21, 22, 23 da contestação e arts. 5, 8, 9 da réplica.

  5. - Viola o tribunal a quo os arts. 490°, 567°, n°2, 508º-A n°1 -e) e 511°, n°2, do CPC.

  6. - Estando vedado ao tribunal a quo introduzir no ponto 6 da fundamentação de facto da sentença, matéria que extravase a alínea F) da matéria de facto assente.

  7. - Tanto mais que tal matéria de facto nova, introduzida no ponto 6o, nem sequer foi objecto de prova.

  8. - Só se entende a necessidade da introdução de tal matéria a fim de "salvar" a sentença de uma contradição insanável que leva à sua nulidade, ou a um crasso erro de julgamento, com a consequente repetição da audiência de julgamento.

  9. - A sentença e o acórdão enfermam de nulidade nos termos dos arts. 668°, n°1, c), do Cód. Proc. Civil, na medida em que a decisão está em oposição com os fundamentos.

  10. - Atendendo aos factos dados como provados na douta sentença no que toca aos factos assentes e aos arts. da B.I., que constam da fundamentação de facto da sentença nos n° 1, 2, 3, 4, 5, 6, 11, 12.

  11. - Bem como, atendendo às respostas restritivas dadas aos arts. 8, 9, 10, 13 da B.I., pelos quais os réus, ao contrário do que alegaram, não provaram que o prédio urbano identificado nos números 3, 4, 5 tenha logradouro, anexos e horta.

  12. - Bem como à prova testemunhal que foi valorada pelo tribunal a quo como sendo firme, convincente, coerente e consistente.

  13. - Assim, como aos documentos de fls. 5 a 26 juntos à P.I.

  14. - Deveriam ter sido julgados procedentes os pedidos formulados em b), c), d) e e) da P.I.

  15. - Sendo que os próprios réus confessaram que se encontram a ocupar 2/6 do prédio rústico dos autores identificado nos arts. 1o e 2o da PI, como se extrai dos arts. 21, 22, 23 da contestação.

  16. - Pelo que enferma de erro crasso a sentença quando faz outra interpretação da alínea F) dos factos assentes não atendendo ao contexto em que os réus alegaram tal facto, ou seja aos arts. 21, 22, 23 da contestação.

  17. - Por outro lado, a sentença valora um acordo verbal, realizado aquando da escritura de partilhas, segundo o qual e por via dele, a ré e a mãe do réu podiam beneficiar de uns anexos e amanhar parte do terreno adjacente à casa da ré (vide ponto 14° da fundamentação de facto).

  18. - Ora tal acordo, realizado na data da escritura de partilhas, em 29/1/1997, não é válido nem eficaz, nem para desanexar parte do prédio rústico dos autores e nem para o integrar no prédio urbano da ré.

  19. - Ao considerar o tribunal a quo válido e eficaz tal acordo, para constituição e transmissão de direitos reais, violou o disposto nos arts. 80° do Cód. Notariado, e nos arts. 219°, 220°...

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