Acórdão nº 02608/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelLUCAS MARTINS
Data da Resolução10 de Março de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

- «S..... - Soc. ....................................., S.A.», com os sinais dos autos, por se não conformar com as decisões proferidas pela Mm.ª juiz do TAF de Lisboa que, por um lado, lhe indeferiu requerimento para um segundo adiamento de designada inquirição das testemunhas arroladas, preterindo-se, assim, a produção de tal tipo de prova e, por outro, lhe julgou improcedente esta impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998, delas interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões; 1.

No Recurso da Decisão de Indeferimento do Adiamento da Inquirição de Testemunhas; a.

O mandatário da impugnante, na data designada, encontrava-se realmente impossibilitado de se apresentar nesse tribunal, uma vez que, por motivos pessoais, foi obrigado a deslocar-se ao estrangeiro.

b.

A inexistência de um substabelecimento não pode fundamentar o indeferimento do pedido de adiamento, porquanto ele depende da forma como mandante e mandatário compuserem a sua relação, circunstâncias insindicáveis pelo tribunal.

c.

O Código de Processo Civil permite o adiamento da inquirição das testemunhas, ao contrário do que sustenta o despacho recorrido, contanto que ambas as partes se encontrem de acordo.

d.

No presente caso, a produção da prova testemunhal se afigura essencial para a descoberta da verdade material.

- Conclui pela procedência do recurso, pela reforma, ou anulação do despacho recorrido, pela necessidade da diligência em questão ao apuramento da verdade material.

  1. No Recurso da Decisão Final; A.

    O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença de fls.

    ..., proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efectuada pela Administração Fiscal, relativamente aos exercícios de 1997 e 1998.

    B.

    A recorrente não se conforma com o sentido da sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto à questão da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, imputando--lhe um erro de interpretação e aplicação de direito, designadamente na interpretação e aplicação da norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

    C.

    Não obstante, independentemente da decisão quanto à questão de direito consubstanciada na interpretação própria daquela norma do CIRC, sublinha a recorrente a circunstância de se encontrar pendente de apreciação, na Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso interposto, em 13.07.2006, do despacho de fls.

    ...,proferido em 20.06.2006, que indeferiu o pedido de adiamento da diligência de inquirição de testemunhas e que, em virtude desse indeferimento, impediu a produção de prova testemunhal nos presentes autos.

    D.

    Vejamos: salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu, na sentença que proferiu, num apreciável erro na interpretação e aplicação da norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC - designadamente na interpretação do requisito da indispensabilidade e da relação com os ganhos ínsito naquela norma -, e, concomitantemente, num inegável vício de violação do princípio constitucional da tributação de acordo com o seu lucro real e do princípio fundamental da liberdade de gestão e da autonomia privada.

    E.

    O Tribunal a quo não considerou a vigência, no nosso ordenamento jurídico, do princípio constitucional segundo o qual as empresas devem ser fundamentalmente tributadas de acordo com o seu lucro real, em resultado do que não teve também em conta a regra segundo a qual têm relevância fiscal todos os encargos suportados pelas sociedades na prossecução dos seus objectivos estatutários.

    F.

    No nosso sistema, em que as regras e princípios da contabilidade funciona como um prius em relação à regulação fiscal do balanço económico das empresas, é forçoso que a lei fiscal introduza no resultado contabilístico pontuais correcções, por forma a acautelar certos interesses fiscais autónomos a que este é alheio, e que, desse modo, aquela regra comporte determinadas excepções. É ao nível dos custos que estes casos excepcionais são mais numerosos e impressivos, sendo porventura a noção de custo fiscal a que mais diverge da sua homóloga contabilística.

    G.

    Todavia, sempre estes casos excepcionais hão-de estar previstos na lei, sob pena de intolerável ofensa ao princípio da legalidade.

    H.

    Aliás, neste domínio, encontra-se vedado o recurso à analogia, quer por força do princípio da legalidade - que reserva à lei formal a definição dos elementos essenciais da vida do imposto -, quer por as normas excepcionais - como são as que recusam a relevância fiscal de certos custos - não poderem ser objecto de analogia, nos termos do art. 11.º do CC.

    I.

    Ora, de acordo com a formulação do art. 23.º do CIRC, a regra, bem ao invés do que pretende a Administração fiscal e, na sentença da qual ora se recorre, o Tribunal a quo, é a de que todos os custos efectivamente incorridos pelas sociedades na prossecução dos seus objectivos estatutários são custos fiscalmente dedutíveis - muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado.

    J.

    Da mesma forma, por se tratar de determinar o significado do conceito, não está em causa qualquer especial saber técnico, juízo de mediação ou valoração pessoal: trata-se antes de um juízo tipo cognoscitivo, o qual se há-de basear exclusivamente no quadro factual que consta do procedimento. Neste sentido vai o entendimento de ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, muitas vezes citado pela nossa jurisprudência, em A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004, e de TOMÁS CASTRO TAVARES, em "Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos", publicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396 (Outubro-Dezembro de 1999).

    K.

    É exactamente por ser assim que o art. 23.º do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos actos de gestão das empresas.

    L.

    Por outro lado, a indispensabilidade do custo não pode aferir-se nem função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa.

    M.

    Na verdade, o corpo do n.º 1 daquele art. 23.º apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, isto é, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a actividade da sociedade, como os encargos com despesas privadas dos sócios, ou com terceiros, estranhos à empresa (CYRILLE DAVID, OLIVIER FOUQUET, MARIE-AIMÉE LATOURNERIE e BERNARD PLAGNET, Les Grands Arrêts de la Jurisprudence Fiscale, Paris, 1988, p.285; CHARLES ROBBEZ MASSON, La Notion d'Évasion Fiscale en Droit Interne Français, Paris, 1990, p. 156 e ss.) - a sua aplicação para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado, está, portanto, circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiro (LUDWIG SCHMIDT, Einkommensteuergesetz Kommentar, 1995, 14.ª edição, anotação 483 ao § 4).

    N.

    Conforme dito já em sede de petição inicial, o teor doe excurso antecedente tem sido reconhecido pela jurisprudência portuguesa - a propósito da natureza do art. 23.º, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 6350/02, de 24.06.2003 que "custos fiscais, em regra, são os gastos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, que não consubstanciem uma diminuição patrimonial: só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas ela alheios (o sublinhado é nosso). Pelo que "só se as operações económicas deixarem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro de benefícios em favor do património pessoal do empresário em nome individual é que não serão havidos como custos fiscais".

    O.

    Ou seja, a regra é a de que as despesas concretamente contabilizadas sejam custos fiscais. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador tendo em vista, não permitir a intromissão da Administração fiscal na gestão da empresa, mas sim impedir a consideração fiscal de gastos que, embora contabilizados como custos, não são susceptíveis de se subsumir no âmbito da actividade da empresa.

    P.

    As considerações tecidas tornam claro que aos factos descritos nunca se poderá aplicar o n.º 1 do art. 23.º do CIRC - repita-se: a desconsideração de uma perda efectiva incorrida por uma sociedade na prossecução dos seus fins estatutários de forma algum se pode estribar na definição legal de custo fiscal.

    Q.

    Aceitando que os negócios se praticaram a valores adequados - e outra coisa não é admissível na ausência de correcções aos preços praticados -, aceitando ainda que o recurso aos serviços adquiridos é matéria da inviolável esfera da autonomia privada daquele que a eles recorre, e admitindo - dado nunca ter sido questionado - a finalidade empresarial a que os serviço adquirido se destina (proporcionar a célere deslocação dos trabalhadores da empresa para participação em reuniões de negócios nas instalações da casa-mãe, a S... G....., SGPS, e bem assim nas instalações de fornecedores e clientes da sociedade, em diversos pontos do território nacional e internacional), o encargo suportado com a aquisição de um serviço utilizado na actividade operacional da empresa como elemento potenciador e maximizador da sua fonte produtora resulta, necessariamente, numa perda, que não pode deixar de ser tida em conta na determinação da matéria colectável.

    R.

    Não é este, contudo, o sentido dado pelo Tribunal a quo à norma do n.º 1 do art. 23.º do...

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