Acórdão nº 04256/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Março de 2009
Magistrado Responsável | Cristina dos Santos |
Data da Resolução | 05 de Março de 2009 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
P ..., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em que se decide "(..) intimar a Entidade requerida, ao abrigo do nº 1 do artigo 108º do CPTA e com as consequências do nº 2 do mesmo preceito, a proceder à reprodução dos documentos enunciados nas alíneas a) a j) do pedido formulado na presente acção, expurgada dos elementos referentes a matéria reservada ou, caso inexistam os referidos documentos, a emitir certidão negativa, no prazo de 10 (dez) dias. (..)", dela vem recorrer concluindo como segue: 1. Tendo sido requerida a aclaração da sentença recorrida, com base na manifesta obscuridade da mesma, a Mma. Juíza a quo decidiu: "eliminar a alínea a)" e "intimar a Entidade requerida (...), a proceder à reprodução dos documentos enunciados nas alíneas a) a j) do pedido formulado na presente acção, expurgada dos elementos referentes a matéria reservada ou, caso inexistam os referidos documentos, a emitir certidão negativa, no prazo de 10 (dez) dias'.
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A Mma. Juíza a quo vem, por isso, em sede de aclaração da sentença, modificar o julgado, eliminando a parte da decisão que considerou improcedente o pedido, o que não lhe é permitido, nos termos do disposto do art 666, n.° 1 do CPC, o que constitui uma nulidade processual atípica ou inominada, nos termos dos arts. 201, n.° 1, 2.a parte, art. 202, 2.a parte e 203, n.° 1 do CPC ex vi art. 1 do CPTA, nulidade essa que deverá ser declarada, no presente recurso jurisdicional, que, consequentemente, deverá revogar esse acto processual.
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Em relação aos documentos referidos nas alíneas n), g), f) e o), a sentença recorrida concluiu pela improcedência do pedido, pelo facto de a Recorrente já os ter fornecido à ora Recorrida ou ter esclarecido que os não possui.
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Na parte decisória da sentença, porém, os fundamentos estão em oposição com o decidido: a sentença afirma que a improcedência parcial da acção se fundamenta na circunstância de "não se verificar relativamente aos mesmos o pressuposto de recusa ou não satisfação da informação extra-procedimental requerida", quando, naturalmente, pretendia dizer o contrário, ou seja, que se verificam os pressupostos da recusa ou não satisfação da informação extra-procedimental requerida, o que constitui uma nulidade de sentença, nos termos do art. 668, n.° 1, c) do CPC, ex vi art. 1 do CPTA.
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A sentença recorrida insere nos "factos considerados relevantes" para a decisão a cláusula 3.2. c) do Acordo Global, no entanto, essa cláusula contém elementos que relevam para a apreciação jurídica da causa.
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Deverá ser ainda corrigida a matéria de facto de modo a ser dado por assente que: a ora Recorrida já teve acesso aos documentos das alíneas b), c), d), e i) constantes do pedido da acção de intimação; a ora Recorrente não tem os documentos referidos nas alíneas a) e j) constantes do pedido da acção de intimação.
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A sentença recorrida entendeu que à ora Recorrente, sendo uma sociedade anónima de capitais públicos, que pertence ao sector empresarial do Estado, que visa a coordenação geral e o acompanhamento global da gestão do património mobiliário e imobiliário do Estado, é aplicável a LADA.
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A LADA na sua versão inicial, da Lei n.° 65/93, de 20 de Agosto, depois alterada pela Lei n.° 94/99, de 16 de Julho, não incluía, no seu âmbito de aplicação subjectivo, os órgãos das empresas públicas.
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Esta alteração do âmbito de aplicação da lei, não tem paralelo na Directiva 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização da informação do sector público, que esta nova versão da LADA - clara e explicitamente - visou transpor.
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O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a impor aos órgãos jurisdicionais nacionais uma obrigação de interpretação conforme do direito interno.
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Fazendo uma interpretação conforme à Directiva, a LADA só seria aplicável aos órgãos de empresas públicas criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter comercial ou industrial - e, por isso, não seria aplicável à ora Recorrente.
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Olhando ao elemento histórico, a LADA só seria aplicável aos documentos que têm origem ou são detidos por órgãos de empresas públicas no exercício de poderes de autoridade.
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Fazendo uma interpretação conjugada do art. 4, n.° 1, d) e art. 3, n.° 2, b) da LADA a conclusão não é diversa.
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Há documentos elaborados por ou para empresas públicas que estão fora do âmbito de aplicação material da LADA, por dizerem respeito ao exercício privado de uma actividade económica.
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Mal andou o Tribunal a quo ao considerar - sem ir ao fundo da questão - que os documentos que a ora Recorrente detém em função e por causa da sua actividade - a gestão de participações sociais do Estado - são produzidos no exercício da sua função administrativa.
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Os documentos que foram classificados como confidenciais, no âmbito do concurso, por serem documentos relativos à vida interna da CE e conterem segredos comerciais, designadamente, informações que podiam condicionar as suas opções e estratégias futuras, a sua gestão financeira e operacional, não são documentos que relevem da actividade administrativa da ora Requerente (cfr. art. 3, n.° 2, b) da LADA).
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O mesmo se diga em relação aos documentos das alíneas f), g) e h) do pedido da acção de intimação, todos eles contêm informação económica muito sensível que não pode ser divulgada, sob pena de a sociedade se ver fortemente lesada em termos concorrenciais.
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O conceito de "segredo comercial" ou "segredo de empresa" é um conceito vago e indeterminado, cujo preenchimento é feito com base em juízos de valor técnico-especializados e de experiência, com intervenção de necessários elementos subjectivos.
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A margem de livre apreciação dos documentos que devem ser classificados como confidenciais, cabe à ora Recorrente, e decorre do exercício de um puro poder discricionário, insindicável em Tribunal, salvo caso de erro manifesto ou grosseiro.
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A sentença recorrida não demonstra que, in casu, houve erro grosseiro da ora Recorrente na classificação desses documentos, violando, assim, a margem de livre apreciação da ora Recorrente e o art. 62, n.° 1 do CPA.
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A sentença recorrida viola o art. 62, n.° 1 da CRP, ao considerar, sem fundamento legal, que o direito à informação deve prevalecer sobre o direito à propriedade privada.
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A sentença recorrida viola ainda o art. 43, n.° 1 do CCom., que confere uma protecção especial aos livros e documentos dos comerciantes.
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Ainda que os documentos solicitados pudessem ser qualificados como administrativos para efeitos da LADA - sem conceder - a ora Recorrida apenas teria acesso a esses documentos, que contêm segredos comerciais ou sobre a vida interna da CE, se estivesse munida de autorização escrita desta, ou demonstrasse ter um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 6, n.° 6 da LADA).
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Competia, assim, nos termos do art. 6, n.° 6 da LADA e das regras sobre o ónus da prova, à ora Recorrida alegar e provar o seu interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
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Os interesses - genericamente - invocados pela ora Recorrida, no requerimento inicial, não passam de "interesses" virtuais, ilegítimos ou abusivos - não são, por isso, interesses juridicamente atendíveis.
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A sentença recorrida deu por assente que a Recorrida, através do Acordo Global, se obrigou a não onerar, dar em garantia ou ceder o Autódromo (cfr. ponto F) dos "factos considerados relevantes"), entendendo, no entanto, e em clara contradição com a matéria de facto considerada relevante para a decisão, que a mesma Recorrida necessitaria de ter acesso a tais documentos para assegurar o cumprimento do Acordo ou para reagir ao seu incumprimento.
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Para aferir se o interesse da Recorrida é relevante segundo o princípio da proporcionalidade, a sentença recorrida concluiu que "não conhecendo o tribunal o conteúdo dos documentos solicitados, entende-se que existe adequabilidade e necessidade no acesso dos documentos em causa".
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Com esta conclusão a sentença recorrida inverte o princípio da prova em direito (cfr. 342º nº 1 do CC): a prova da necessidade e adequabilidade tinha que ser feita pela ora Recorrida - e essa prova não foi feita.
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O Tribunal não pode presumir a necessidade e adequação - e, muito menos, o pode fazer com base no seu desconhecimento do conteúdo dos documentos em causa.
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A sentença recorrida padece de inúmeras incongruências, de lapsos manifestos de fundamentação e apreciação, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que se conforme com o disposto nos arts. 62 da CRP, 62, n.° 1 do CPA, 3, n.° 2, b) da LADA. 43. n.° 1 do CCom e 342º nº 1 do CC.
* A Recorrida Auto...s SA contra-alegou, concluindo como segue: 1. O Tribunal a quo, em sede de despacho de aclaração, ao eliminar a alínea a) da Sentença, apenas clarificou o sentido da decisão, fazendo referência directa às alíneas do pedido final da presente acção e eliminando a referência aos documentos cuja reprodução não vinha requerida em sede de requerimento inicial, nos estritos limites do disposto no n° l do artigo 666.° do Código de Processo Civil.
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A nulidade invocada nos termos da 2.a parte do n° l do artigo 201°, da 2ª parte do artigo 202.° e do nº l do artigo 203.°, todos do Código de Processo Civil, não foi arguida dentro do prazo legal prescrito no artigo 205.° do Código de Processo Civil.
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Bem andou o Tribunal a quo ao dar por não verificada a situação de recusa claramente prevista como um pressuposto nas normas processuais aplicáveis, em concreto, no n.° l do artigo 104.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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Pelo que, nenhuma contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão final pode ser apontada, encontrando-se, assim, afastada a alegada causa de nulidade prevista na alínea c) do n.° l do artigo 668º do...
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