Acórdão nº 01024/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2009
Magistrado Responsável | JOÃO BELCHIOR |
Data da Resolução | 11 de Março de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I. RELATÓRIO 1. A... S.A.
, melhor identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAFS) acção de contencioso pré-contratual contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.
(IEFP, I.P.) e a contra-interessada B... S.A.
, peticionando a final: - A anulação do acto de indeferimento da reclamação que pediu a anulação do concurso público internacional n.° AQS 20062100155, para prestação de serviços de refeições e serviço de bar para o Centro de Emprego e Formação Profissional de Tomar, - A efectiva anulação do concurso publico internacional n.° AQSÇ...
20062100155, - A anulação de todos os actos que eventualmente tenham sido praticados no âmbito do concurso, nomeadamente, o acto de abertura de propostas selecção de candidatos, o acto de apreciação de propostas hierarquização dos concorrentes e o acto final de adjudicação.
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Corridos seus legais termos foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção.
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O IEFP-IP, interpôs recurso jurisdicional do despacho saneador.
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Prosseguindo os autos seus termos foi proferido acórdão pelo TAFS que julgou improcedente a acção, por não provada e, em consequência, absolveu a entidade pública demandada e a contra-interessada do pedido.
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Notificada a entidade pública para, face ao teor do acórdão do TAFS, dizer se mantinha interesse no recurso referido em 3.
disse que se mantinha tal interesse.
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Do acórdão do TAFS, referido em 4.
, a A..., SA, interpôs recurso jurisdicional para o TCAS.
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O TCAS, por acórdão de onze de Setembro de dois mil e oito: - negou provimento ao recurso interposto pelo IEFP, IP, confirmando o despacho saneador recorrido; - concedeu provimento ao recurso interposto pela A..., SA, do acórdão final, julgando procedente a acção de contencioso pré-contratual, revogando a decisão recorrida e anulando a deliberação do Conselho Directivo do IEFP, de 24/8/2006, que indeferiu a reclamação apresentada em 1/6/2006, o procedimento concursal e o acto de adjudicação à B..., SA; e em não tomar conhecimento do recurso subordinado do despacho saneador interposto pela B..., SA, por ilegal interposição do mesmo.
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De tal acórdão interpuseram recurso de revista para este STA a B... e o IEFP, I.P.
8.1.
A B... formulou as seguintes Conclusões: "1. Do Programa do Concurso n.° AQS.20062100155, aprovado pelo conselho directivo do IEFP, I.P. em 16/03/2006, não consta a certificação no âmbito da HACCP como requisito de admissão.
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Do Anúncio consta a certificação, no âmbito da HACCP como requisito de admissão.
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O Anúncio foi rectificado, desaparecendo dele a referência à certificação, no âmbito da HACCP.
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Entende a A... que o prazo para a apresentação das propostas devia ter sido prorrogado face à rectificação do anúncio.
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O douto Acórdão do TAF de Sintra não deu razão à A..., considerando que, em caso de discrepância entre o programa do concurso e o anúncio, prevalecerá sempre o programa do concurso e que, no caso presente, o anúncio foi objecto de rectificação porque continha um erro material manifesto, rectificação essa legalmente permitida e que não determina a prorrogação do prazo de apresentação de propostas.
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Por seu turno, o douto Acórdão do TCA Sul perfilha entendimento diverso considerando que não existe qualquer prevalência do Programa do Concurso sobre o anúncio e que não resulta do anúncio a existência de qualquer lapso manifesto de escrita.
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As questões que se colocam na presente revista são, pois, as seguintes: - Em caso de divergência entre o que consta do Anúncio e o que consta do Programa do Concurso a respeito de requisito de admissão a concurso (do anúncio consta a exigência de certificação HACCP e do programa não consta), qual deles deverá prevalecer? - A rectificação operada no Anúncio fazendo desaparecer deste um requisito de admissão que não constava do programa do concurso determinará a prorrogação do prazo para apresentação das propostas? 8. Estas questões ultrapassam a medida habitual nas controvérsias judiciárias.
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Envolvem uma operação exegética algo complexa em torno das normas de direito aplicáveis.
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A resposta a estas questões prende-se com a natureza jurídica do anúncio e do Programa do Concurso, a qual não se resolve pela simples leitura das normas de direito aplicáveis.
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Acresce que o relevo destas questões vai para além do concurso público em apreço.
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O entendimento do TCA Sul é contrário ao entendimento expresso em dois acórdãos do STA nos termos dos quais as indicações constantes do anúncio têm carácter meramente informativo, não podendo, portanto, sobrepor-se aos elementos constantes do programa do concurso (cfr. Acórdãos do STA de 04-07- 2000, processo 045828, e de 06-07-2000, processo 045829, www.dgsi.pt).
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A presente revista é, pois, igualmente necessária para uma melhor aplicação do direito.
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Termos porque deverá ser admitido o presente recurso de revista nos termos do disposto no Art.° 150º n.° 1 do C.P.T.A..
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Quanto à primeira questão, deverá entender-se, na esteira do douto Acórdão do TAF de Sintra que, em caso de divergência entre o que consta do anúncio e o que consta do programa do concurso, este deve prevalecer sobre aquele.
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A entidade pública auto-vincula-se a comportar-se procedimentalmente tal como está no programa (cf. Art.° 89° do DL 197/99 de 8/6).
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Assim, o anúncio deve conformar-se com o respectivo programa de concurso.
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Conforme salientam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in "Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa, das fontes às garantias", Almedina, p. 270, no confronto das menções do programa do concurso, as do anúncio não valem nada: a norma do programa prevalece sobre a indicação constante do anúncio.
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Dizem estes autores que o anúncio não é um regulamento, é o anúncio de haver um regulamento e não poderia, portanto, apelar-se para ele para considerar o próprio regulamento como não escrito.
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Acrescentam ainda estes autores que não procede o argumento de que como o anúncio é publicado no Diário da República e o programa apenas é patenteado, daquele todos terão tomado conhecimento, deste não, necessariamente. Isto porque uma forma mais solene de publicação não é factor de supremacia jurídica de um acto sobre outro publicitado por forma menos solene.
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Por outro lado, não é verosímil que alguém se apresente a um concurso com base apenas no conhecimento do anúncio do concurso e não procure inteirar-se também do que consta do programa do concurso e do caderno de encargos que o próprio anúncio declara constituírem a base do concurso e estarem à disposição dos interessados.
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Quanto à segunda questão, deverá entender-se, igualmente na esteira do douto Acórdão do TAF de Sintra, que a rectificação operada no anúncio não determina a prorrogação do prazo para apresentação de propostas.
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O Anúncio de 11 de Abril de 2006 continha um mero erro de escrita: continha, por lapso, uma menção que não constava do programa do concurso.
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Tal erro de escrita era perceptível no processo concursal através do confronto do anúncio com o programa do concurso.
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O anúncio de 26 de Abril de 2006 rectificou tal erro de escrita, fazendo desaparecer a menção que, por lapso, constava do anúncio de 11 de Abril de 2006.
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Salvo o devido respeito, não tem razão o douto Acórdão do TCA Sul quando entende que não resulta do primitivo anúncio que desrespeitava o fixado no programa, a existência em si mesmo, de qualquer lapso manifesto de escrita.
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Os erros de cálculo ou de escrita podem ser revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a mesma é feita (cfr. Art.° 148º do CPA e Art.° 249 do Código Civil).
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Assim, o erro pode ser perceptível no próprio acto ou no procedimento que o antecedeu, como foi o caso do erro de escrita em causa nos presentes autos, revelado no procedimento pelo confronto do Anúncio com o Programa do Concurso (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2 Edição, Almedina, pág. 696-697, Anotação 1 ao Art.° 148°).
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A rectificação visou apenas corrigir uma divergência entre a vontade real do IEFP, I.P. (expressa através da deliberação do seu conselho directivo que aprovou o programa do concurso) e a vontade declarada no anúncio resultante de um erro manifesto de escrita.
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A rectificação deste mero erro de escrita não determina obviamente a prorrogação do prazo de apresentação das propostas.
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A rectificação caracteriza-se por corrigir apenas uma divergência entre vontade real e vontade declarada, resultante de uma irregularidade manifesta, sem que, porém, resulte dessa correcção qualquer cessação de efeitos; os efeitos que a rectificação parece fazer cessar são apenas os efeitos aparentes do acto e não os seus efeitos reais, que desde o início se produziram e não são senão reafirmados pelo acto de rectificação (cfr. Acórdão do STA de 17/02/2004, processo 0 1204/03, www.dgsi.pt) 32. Sendo certo que, perante uma divergência entre o que consta do anúncio e o que consta do programa do concurso, deverá prevalecer este último ainda que o anúncio não seja objecto de rectificação.
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No mesmo sentido, veja-se o novo Código dos Contratos Públicos o qual estabelece que as normas do programa do concurso prevalecem sobre quaisquer indicações constantes dos anúncios com elas desconformes (cfr. Art.° 132° n.° 6).
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Termos porque deverá o douto Acórdão do TCA SUL ser revogado, assim se fazendo a Costumada Justiça!".
8.2.
O IEFP-I.P. formulou as seguintes Conclusões: "1ª.
Para o douto Acórdão ora recorrido a tempestividade da presente acção de contencioso pré-contratual é aferida em função da data do acto de indeferimento da reclamação administrativa, apresentada pela A..., S.A. em 1.JUN.2006, o qual foi notificado a esta em 1.SET.2006.
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Acolhe, assim, o que já tinha sido...
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