Acórdão nº 0977/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE CASCAIS.

Aquele Tribunal, além do mais, julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora - os custos com a reestruturação de carreiras e com a redução do horário de trabalho do pessoal do Réu ao serviço da Autora, no valor de € 393.397,50, com IVA; - os custos que a Autora teve de suportar pela não disponibilização dos «quartéis», no valor de € 1.461.157,73; - a actualização do valor de € 1.461.157,73 segundo a fórmula de revisão de preços do Contrato de Prestação de Serviços, a liquidar após a sentença.

Não se conformado com a sentença, o Réu interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 10-7-2008, lhe negou provimento.

Novamente inconformado, o Réu interpôs o presente recurso excepcional de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA, que foi admitido por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 27-11-2008.

Neste recurso, o Réu apresentou alegações com as seguintes conclusões: I. O presente recurso de revista tem fundamento quer no pressuposto previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, ou seja a existência de uma "questão que, pela sua relevância jurídica (...) se [reveste] de importância fundamental", como também no segundo pressuposto contemplado no número l do artigo 150.º do CPTA, de que a admissão do presente recurso é "claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

  1. O Acórdão recorrido entendeu que, para efeitos do n.º 2 do artigo 659.º do CPC e da alínea b) do n.º l do artigo 668.º do mesmo Código, basta invocar determinados princípios de direito administrativo para condenar o Recorrente na realização de uma dada prestação, não sendo necessário subsumir os factos aos ditos princípios jurídicos, convertendo o comando abstracto que deles decorre em comando concreto, de tal sorte que fique claro que a decisão proferida a final resulta da aplicação do direito ao caso "subjudice".

  2. Isto não obstante os invocados princípios jurídicos não constituírem fontes as obrigações, já que estas encontram-se circunscritas aos factos jurídicos previstos nos artigos 405.º a 510.º do Código Civil, conforme ensina, entre muitos outros autores, MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA (in Direito das Obrigações, 9.ª edição, pág. 179).

  3. Esta é uma questão jurídica de importância fundamental, sendo o presente recurso, manifestamente, necessário para uma melhor aplicação do direito, pelas razões seguidamente indicadas.

  4. A ser válida a orientação expendida no Acórdão sob revista ficarão, claramente, diminuídos os direitos e garantias dos cidadãos, em especial naquilo que à aplicação da justiça diz respeito, podendo estes ser impelidos ao cumprimento de determinadas obrigações, com base em princípios gerais de direito e sem que se descortine em que medida tais princípios, simplesmente invocados na respectiva decisão judicial, determinam, no caso concreto, a constituição de um dever na sua esfera jurídica.

  5. O Acórdão, ao entender que basta a invocação de princípios jurídicos, sem necessidade de subsunção a estes dos factos provados, e sem clarificar qual a fonte de tais princípios, viola o disposto no n.º l do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 659.º do CPC, uma vez que tais normas exigem que as decisões dos tribunais possuam clara e inequívoca fundamentação, de tal sorte que os destinatários dessas decisões soberanas compreendam em que medida os comandos abstractos constantes da lei, quando aplicados ao caso concreto sub judice, determinam e motivam, num raciocínio lógico, a decisão proferida a final, daí resultando uma grosseira violação dos princípios constitucionais em que assenta o Estado de Direito, nomeadamente naquilo que respeita à administração da justiça.

    VII No entender do Acórdão recorrido os invocados princípios de direito administrativo (manutenção do equilíbrio financeiro dos contratos administrativos e boa fé), constituem fontes de obrigações, determinando que, na esfera jurídica do Recorrente, se constitua um dever jurídico a efectuar determinada prestação, com a correspondente criação, na esfera jurídica da A., do correlativo direito de crédito, devidamente tutelado pelo quadro normativo vigente, pelo que, também nesta parte, estamos em presença de uma questão jurídica (e porventura social) de importância fundamental, cuja resolução é manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que a admitir-se que os aludidos princípios são fontes das obrigações, de forma directa e imediata, não deixarão as entidades que contratarem com o Estado de os invocar, sempre que pretendam obter deste qualquer prestação, que considerem ser-lhe devida, ainda que a mesma não decorra do contrato, de pouco valendo, então, o que estipulado ficou no contrato, bem como o regime jurídico da contratação pública e/ou regime jurídico da responsabilidade civil das entidades públicas, já que bastará invocar, como fonte da prestação exigida à Administração, os aludidos princípios do equilíbrio financeiro c da boa fé. VIII. O Recorrente suscitou, em sede de recurso para o TCA do Sul, as seguintes questões de direito, para além de outras: 1. A sentença recorrida, na parte em que condenou o Recorrente a pagar a quantia de € 1.461.157,73, pela não disponibilização dos quartéis, não possui, de todo em todo, qualquer fundamentação de direito, uma vez que omite, em absoluto, a subsunção dos factos ao direito e nem sequer é invocada, ou referida, qualquer norma jurídica da qual resulte a obrigação jurídica do Recorrente pagar à A. a quantia em causa, enfermando, assim, de nulidade, por força da alínea b) do n.º l do artigo 668.º do CPC, conjugada com o n.º 2 do artigo 659.º do mesmo Código; 2. Por força do n.º 2 da Cláusula 5.ª do contrato, não estava o Recorrente, à partida, obrigado a suportar quaisquer custos salariais, tanto mais que a proposta objecto de adjudicação era por preço global. E apenas seria derrogada esta regra geral, caso houvesse acordo das partes, quanto a esta matéria, conforme prescrito no n.º 8 da mesma Cláusula; 3. O eventual acréscimo de custos provenientes do factor "trabalho" já estavam reflectidos na fórmula de revisão de preços anexa ao contrato; 4. Estando em causa a realização de despesa pública, sempre seria necessária a formalização do dito acordo escrito, quer para efeitos de visto do Tribunal de Contas, quer para efeitos de cabimento e processamento contabilístico da despesa, sob pena de violação das regras da contabilidade pública, constantes do n.º 2.3.4. do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de Fevereiro, do artigo 44." n.º 1 da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto e do artigo 45.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto; 5. A sentença recorrida, ao entender que o Recorrente estava obrigado no pagamento de custos salariais, sem que tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 8 da Cláusula 5.ª violou as normas acima referidas bem como os artigos 406.º e 763.º do Código Civil; 6. A sentença entendeu que o doc. n.º 6 junto com a p.i. e dado por reproduzido na alínea PP dos factos provados constitui a própria Proposta, podendo derrogar as regras fixadas no Caderno de Encargos, o que configura clara violação do disposto nos artigos 41.º, 49.º, 51.º, 53.º, 69.º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março; 7. A não disponibilização dos denominados "quartéis" não constitui facto gerador da obrigação imposta à Recorrente pela sentença sob recurso, já que não pode o conteúdo de um documento de instrução de uma proposta, que atente contra o disposto no Caderno de Encargos, prevalecer sobre este documento.

    [X. As referidas questões, ainda que de indiscutível relevância para a decisão da causa, não foram apreciadas pelo Acórdão sob revista, pelo que o dito Acórdão padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º l do artigo 668.º do CPC.

  6. O Acórdão sob recurso, na parte respeitante à condenação no pagamento de 1.461.157,73 € pela não disponibilização dos chamados "quartéis", não efectuou (tal como não havia efectuado a sentença) a subsunção dos factos ao direito já que omite a norma ou princípios jurídicos que fundamentam a decisão proferida, já que em parte alguma da sentença se consignou qual a lei aplicável aos factos apurados, em ordem a demonstrar que dela resultaria a obrigação jurídica do Recorrente pagar à Recorrida a quantia em causa, enfermando, assim, de nulidade, por força da alínea b), do n.º l, do artigo 668.º do CPC, conjugada com o n.º 2 do artigo 659.º do mesmo Código.

  7. O Acórdão sob recurso ao decidir que a sentença do TAF de Sintra não padece de nulidade violou o disposto no n.º 2 do artigo 659.º do CPC e na alínea b), do n.º l do artigo 668.º do mesmo Código, já que tal sentença enferma do referido vício. Na verdade, XII. A sentença recorrida, na parte em que condenou o Recorrente a pagar a quantia de € 395.397,50 limitou-se a consignar, em matéria de direito, que "Cabe agora analisar se os maiores custos que a Autora suportou (...) lhe devem ser pagos pelo Réu, ao abrigo dos princípios gerais de direito administrativo em matéria de contratos", não tendo retirado, na parte decisória, qualquer ilação jurídica, aplicável ao caso concreto, dos princípios gerais do Código do Procedimento Administrativo a que fez apelo, limitando-se a afirmar "termos em que se decide pela condenação do Réu ...".

  8. O segundo trecho da sentença, ou seja a condenação do Recorrente no pagamento de 1.461.157,73 € pela não disponibilização dos chamados "quartéis" e no pagamento da actualização daquela quantia, segundo a fórmula de revisão de preços do Contrato, padece dos mesmos vícios que afectam a primeira parte daquela decisão, já que omite qual a lei aplicável aos factos apurados, em ordem a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT