Acórdão nº 0609/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Data04 Fevereiro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, com sede no Palácio da Justiça, Rua Marquês de Fronteira. 1098-001, Lisboa, intenta, contra o Conselho Superior do Ministério Público, acção administrativa especial de declaração de ilegalidade das disposições normativas, contidas nos pontos 1. e 2. da deliberação de 22 de Fevereiro de 2006 do Conselho Superior do Ministério Público, relativas à organização dos turnos e às férias pessoais dos Magistrados do Ministério Público, no período das férias judiciais.

Alega, em síntese, que: (i) a Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto é formal e materialmente inconstitucional, respectivamente, por inobservância do direito de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais e por incongruência ou irracionalidade internas, implicando uma violação do princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, na medida em que este comporta um sub-princípio de racionalidade; (ii) assim, as disposições normativas contidas na deliberação impugnada, enquanto assumem como pressuposto uma lei inconstitucional são inválidas, assim devendo ser declaradas, procedendo-se à sua desaplicação concreta; (iii) e padecem de vícios próprios que igualmente a invalidam, a saber: - quanto aos pontos 1. e 2., a deliberação foi praticada por autor relativamente incompetente, devendo, em consequência, ser declarada ilegal e desaplicada; - a deliberação impugnada é inválida por pretender aprovar disposições normativas integrativas do sistema de férias dos magistrados do Ministério Público tal como constantes do respectivo estatuto na redacção da Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto; - as normas em causa violam a lei por incompreensão da organização legal do sistema de férias judiciais, diluindo a distinção entre processos urgentes e não urgentes, sendo que o ponto 1. não respeita a organização do trabalho por turnos durante as férias judiciais, afectando qualquer magistrado do Ministério Público à realização de trabalho urgente; - no que diz respeito às substituições de magistrados do Ministério Público escalados para os turnos viola um sem número de disposições legais, maxime os art. 58º/4/1/h), 63º/4, 64º/3, 65º/2, 67º, 68º e 105º-A do Estatuto do Ministério Público, o nº 5 do artigo 37º do Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e o art. 2º/1/b) do DL nº 167/94, de 15 de Junho.

Razões pelas quais formula o seguinte pedido: "Devem as disposições normativas correspondentes aos pontos 1 e 2 da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 22 de Fevereiro de 2006, sobre a organização das férias judiciais, a organização dos turnos e as férias pessoais dos magistrados do Ministério Público ser declaradas ilegais, e determinada a sua desaplicação concreta" 1.2. Na contestação, a fls. 181-200, o Conselho Superior do Ministério Público, pugnou, primeiro, pela absolvição da instância, por ilegitimidade do autor e, segundo, pela improcedência da acção, dada a legalidade das normas impugnadas.

1.3. Foi lavrado despacho saneador e, por se ter considerado que não havia razões que obstassem ao prosseguimento da acção, foram as partes notificadas para alegações.

Cumpre decidir 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. OS FACTOS Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos: a) A consulta pública da Proposta de Lei nº 23/X, que deu origem à Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, decorreu no período de 8 a 27 de Julho de 2005 (Publicação na Separata do DAR nº 23/X/1ª, de 8 de Julho de 2005; b) No referido período pronunciaram-se, por escrito, sobre a identificada Proposta de Lei as seguintes entidades: um cidadão oficial de justiça, em 25 de Julho de 2005; A Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, em 25 de Julho de 2005; o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em 21 de Julho de 2005; o Conselho Superior da Magistratura, em 21 de Julho de 2005 e o Conselho Superior do Ministério Público, em 19 de Julho de 2005; c) No mesmo período, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos e Liberdades e Garantias, da Assembleia da República procedeu ainda às audições das seguintes entidades: Conselho Superior da Magistratura, no dia 19 de Julho de 2005; Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no dia 19 de Julho de 2005; Ordem dos Advogados, no dia 20 de Julho de 2005; Câmara dos Solicitadores, no dia 21 de Julho de 2005; Associação Sindical dos Juízes Portugueses, no dia 26 de Julho de 2005; Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, no dia 26 de Julho de 2005; Sindicato dos Funcionários Judiciais, no dia 26 de Julho de 2005.

d) O Conselho Superior do Ministério Público, reunido em sessão em 22 de Fevereiro de 2006, tomou a deliberação que se transcreve: «Os magistrados do Ministério Público que, no período de férias judiciais, não estejam a gozar férias pessoais consideram-se em serviço efectivo e estão obrigados ao cumprimento dos respectivos deveres funcionais, incluindo o dever de assiduidade. Assim, cabe-lhes: 1. Colaborar com os colegas escalados para o turno, coadjuvando - os e substituindo-os se necessário; 2. Substituir, em caso de necessidade, por determinação do Procurador - Geral Distrital ou de quem o substitua, os colegas escalados para o turno de outro círculo judicial; 3. Executar o restante serviço que lhes for distribuído pelo superior hierárquico, dando prioridade àquele a que estiverem já adstrito s».

2.2. O DIREITO Nesta acção, em benefício da sua pretensão, o autor alega que a deliberação de 22 de Fevereiro de 2006, do Conselho Superior do Ministério Público, enferma (i) de ilegalidade derivada da inconstitucionalidade da Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto e (ii) de ilegalidade por defeitos próprios com origem na ofensa de regras legais de competência, de procedimento e de conteúdo.

A - Da ilegalidade derivada de inconstitucionalidade 2.2.1. O autor invoca, como primeiro fundamento da acção, a invalidade das disposições normativas contidas na deliberação identificada decorrente da inconstitucionalidade formal da Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto.

Neste ponto argumenta, no essencial, que: - a despeito de não invocar expressamente a Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, dado o carácter ilógico e irracional que assumiria se se referisse à anterior redacção do artigo 86º do Estatuto do Ministério Público, a deliberação mencionada só pode ter como causa material o referido acto legislativo; - ora, a Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, é inconstitucional em sentido formal, já que violou, em abstracto, o direito constitucional de participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho decorrente da alínea a) do nº 2 do art. 56º da Constituição; - na verdade, estando em causa a configuração do exercício do direito constitucional a férias dos magistrados do Ministério Público a Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, inclui-se no âmbito do conceito de «legislação do trabalho»; - a regulamentação do exercício do direito de participação legislativa das associações sindicais na legislação do trabalho encontra-se, hoje, no Código do Trabalho, sendo que nos termos do seu art. 525º, nenhuma proposta de lei relativa a legislação de trabalho pode ser «discutida e votada» pela Assembleia da República «sem que as comissões de trabalhadores ou as respectivas comissões, as associações sindicais e as associações de empregadores se tenham podido pronunciar sobre ela»; - a possibilidade de pronúncia decorre de publicação da iniciativa legislativa em separata do Diário da Assembleia da República, como determina a alínea a) do nº 1 do art. 527º do Código do Trabalho, sendo o prazo de apreciação pública de 30 dias, prazo este que só a título excepcional e por motivo de urgência, devidamente justificado no acto que determina a publicação, pode ser reduzido para 20 dias; - a proposta de Lei nº 23/X que deu origem à Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, foi publicada para apreciação pública em separata do Diário da República, de 8 de Julho de 2005 e foi discutida e aprovada na especialidade e em, votação final global, decorridos apenas 19 dias, em 28 de Julho de 2005; - não foi, pois, respeitado o procedimento estabelecido, inquinando o acto legislativo de inconstitucionalidade formal e, por consequência, a deliberação identificada, enquanto acto normativo de natureza administrativa que assume como pressuposto uma lei inconstitucional é inválida, devendo como tal ser declarada, procedendo-se à sua desaplicação em concreto.

A entidade demandada defende a legalidade da deliberação dizendo, nesta parte, em primeiro lugar, que a mesma não entronca directa ou indirectamente naquela Lei, que não assume como pressuposto, antes se inscreve no exercício das competências próprias da PGR, quer através do Procurador Geral da República, quer do CSMP (artigos 10º/c), 15º/1 e 27º/c) e d) todos do EMP) e que o respectivo conteúdo pode ser definido a qualquer momento por qualquer imediato superior hierárquico dos seus destinatários, desde que haja fundadas razões de urgência e interesse do serviço (cfr. arts. 63º/b/c) e 65º do EMP) e a sua concreta execução cabe, nos termos do seu texto, ao Procurador Geral Distrital, que para tanto detém competência, nos termos do art. 58º/1 do EMP e 2º/1/c) do DL nº 167/94, de 15 de Junho.

Alega, em segundo lugar que, ainda que assim se não entendesse, dado que como o próprio autor expressamente reconhece esse direito foi atempada e adequadamente exercido e por isso o desrespeito do prazo fixado para esse efeito não produz, "in casu", efeito invalidante daquela Lei Vejamos.

Apreciando diremos, antes de mais, que, tal como refere o autor, a deliberação em causa, que afirma o princípio de que os magistrados do Ministério Público que, no período de férias judiciais não estejam a gozar de férias pessoais se consideram em serviço efectivo e estão obrigados ao cumprimento...

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