Acórdão nº 5539/04.6TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | MARIA CLARA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 5539/04.6 TVLSB.L2.S1 Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA, com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra BB - ..., com os sinais dos autos, alegando ter vendido à Ré três milhões de óculos para eclipse, não tendo a Ré pago parte do preço, no montante de € 485.151,00, o que pede seja condenada a fazer acrescido de juros vencidos e vincendos.
A Ré contestou por impugnação e excepção alegando, em síntese, que a Autora entregou parte dos óculos sem as características acordadas como essenciais, pelo que o montante peticionado não é devido. Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.
A Autora replicou, impugnando a matéria da excepção e defendendo ter cumprido o contrato. A Ré apresentou articulado superveniente, alegando pagamento parcial, na sequência do qual a Autora reduziu o pedido em conformidade, ou seja, no montante de € 54.388,50 de capital e juros correspondentes, redução que não foi homologada, mas foi tida em atenção na sentença. Procedeu-se a audiência preliminar, tendo sido proferido saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.
Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar os montantes peticionados, deduzido o montante da redução, por entender que, sendo embora defeituosa a prestação dos óculos sem logótipo, a Ré não observou o preceituado nos artigos 913.º, n.º 2 a 916.º, n.º 2 do Código Civil, quanto a denúncia dos defeitos, exigência de reparação, redução do preço ou resolução, pelo que estava obrigada ao cumprimento da sua prestação: o pagamento integral do preço.
A Ré apelou da decisão, requerendo a fixação de efeito suspensivo com fundamento no prejuízo que decorreria da execução. A Autora interpôs recurso subordinado.
Iniciaram as partes uma fase processual anómala de resposta e contra-resposta, finda a qual foi indeferida a fixação de efeito suspensivo ao recurso principal, admitido como apelação. Não foi admitido o recurso subordinado.
A Relação alterou o efeito da apelação e determinou a ampliação da matéria de facto, com inclusão da impugnação motivada apresentada pela Autora à alegação da excepção da essencialidade das características dos óculos, para julgamento restrito à ampliação. Cumprido o demais legal, quanto à matéria do aditamento que foi julgada não provada, foi proferida sentença de teor idêntico à anterior.
Desta decisão apelou a Ré.
O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Distribuídos os autos nesta Relação, foi requerida pela Recorrente a junção de um documento que está a fls. 1785.
Após contraditório foi remetida para a conferência a apreciação da junção, a qual veio a ser indeferida.
Por acórdão datado de 11 de Abril de 2013, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa «julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré do pedido formulado pela Autora e, bem assim, do da sua condenação como litigante de má-fé».
A Autora, inconformada, recorre de revista, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: «I. Ao concluir que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda sob amostra abrangendo toda a mercadoria, o tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, ofendendo o disposto no art. 236.º do Código Civil.
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Desde o primeiro momento que a recorrente afirmou a impossibilidade temporal de produzir os 3 milhões de óculos pretendidos pela Associação Nacional de Farmácias; III. A recorrente propôs-se fabricar 1,5 milhões, de origem, e fornecer outros 1,5 milhões, que tinha fabricados, em armazém, sem compromissos com outros clientes.
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Complementarmente propôs-se imprimir nesses lotes, que tinha armazenados, os logótipos pretendidos pela referida ANF.
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Foram estipulados preços autónomos para o fabrico de origem dos óculos com os logótipos, para o fornecimento dos óculos em stock e para as impressões nos mesmos.
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Tomando em consideração toda a matéria dada como provada, é inequívoco que um declaratário normal consideraria haver incumprimento do contrato se, após a avaria que impediu a impressão dos logótipos nos óculos já fabricados e que se encontravam em stock, a recorrente não tivesse procedido ao fornecimento.
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Efetivamente, a recorrente tinha assumido, antes de tudo, o compromisso de vender à ANF duas partidas de óculos, que tinha em armazém, totalizando 1,5 milhões de exemplares.
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Destinando-se o fornecimento a resolver um problema de saúde pública, tendo a ANF invocado, expressamente, que os óculos se destinavam ao Ministério da Saúde de Portugal, afigurava-se óbvio, para qualquer declaratário normal, que a falta dos logótipos não afetava a qualidade da mercadoria, para o fim a que ela se destinava.
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Se não tivesse fornecido os 1,5 milhões de óculos sem a impressão dos logótipos, teria a recorrente incumprido o contrato, tanto mais que era claro e inequívoco que havia fornecido à ANF um preço de venda que não incluía as impressões.
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E que o preço das impressões foi estabelecido de forma autónoma.
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Tendo sido fixado o preço da compra e venda, para os lotes de óculos em stock, sem o preço da impressão, não pode interpretar-se o fax a que se refere o ponto 31 da matéria de facto dada como provada como um reclamação eficaz, para os termos do disposto no art. 471.º do Código Comercial.
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Os óculos que se encontravam em stock e que foram entregues à recorrida às especificações e à amostra, necessariamente sem a impressão.
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De qualquer modo, a recorrida não procedeu sequer à devolução da mercadoria, tendo ficado com ela.
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O comprador de coisa defeituosa não pode ter B...ício maior que o comprador de mercadoria à consignação, estando obrigado a pagar o preço ou a devolver a coisa, sendo certo que a recorrida nem pagou nem devolveu os óculos.
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Ao considerar que os óculos que a recorrente forneceu, no estado em que se encontravam, eram coisa defeituosa, o tribunal fez errada interpretação da lei, porquanto nenhum defeito lhes foi apontado, por relação à amostra.
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Mesmo que se entendesse, o que só como hipótese teórica se aceita, que os referidos óculos eram coisa defeituosa, apenas pelo facto de não terem a impressão dos logótipos, não podia o tribunal a quo, pura e simplesmente, absolver a recorrida do pagamento do respetivo preço sem que a mesma os tenha devolvido, em termos que permitissem a sua comercialização.
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Os referidos óculos, que a recorrente tinha o seu stock, tinham todas as condições para ser comercializados e usados, nomeadamente nos eclipses que ocorreram depois dessa data.
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Não os tendo devolvido e tendo ficado com eles, não pode a recorrida pretender ficar com a mercadoria e não pagar o respectivo preço.
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Se outra razão não houvesse, sempre teriam de considerar-se que, não tendo procedido à devolução, houve enriquecimento sem causa da recorrida, na mesma medida do empobrecimento do recorrente, que viu o seu ativo reduzido pelo valor da fatura não paga.
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O douto acórdão recorrido ofende assim, também, o art. 473.º do Código Civil.
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Não tendo a recorrente cobrado qualquer montante pelas impressões que não fez nos óculos que tinha em stock e que forneceu, cumpriu, de forma perfeita o contrato, no que se refere à compra e venda, estando a recorrida obrigada a pagar o preço e as despesas de transporte que foram acordadas.
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Depois do que afirmou nas declarações enviadas à ANF, a recorrente teria incumprido o art. 406.º, 1 do Código Civil se não tivesse entregue os óculos que tinha em stock, mesmo sem as impressões.
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Nesse sentido, o douto acórdão recorrido ofende, também, o art. 406.º do Código Civil».
A Ré apresentou contra-alegações, pugnando para que seja mantida a decisão que julga a acção improcedente e, em consequência, absolve a Recorrida.
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – as questões a decidir são as seguintes.
I) Da qualificação do contrato e das obrigações decorrentes do mesmo; II) Do incumprimento e suas consequências.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação de facto Os factos dados como provados, aos quais foi aditada uma alteração ao facto n.º 31 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, são os seguintes: 1. A Autora entregou à Ré três milhões (3.000.000) de óculos especiais para visualização do eclipse solar, não apresentando um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos (1.367.500) destes óculos impressos os quatro logótipos da Direcção Geral de Saúde, do CC, da DD e da Associação Nacional de Farmácias. ". - (al. A) dos Factos Assentes e arts. 1.º e 4.º da B.I.).
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Após ter sido confirmada a encomenda dos três milhões de óculos, a Ré procedeu ao pagamento de 50% do valor da encomenda, no valor de 517.500 (al. B) dos Factos Assentes).
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Em 31.05.2004 a Autora enviou à Ré o original do documento cuja cópia se encontra a Fls.101, com o seguinte teor: "( ... ) FACTURA N.º ... Estrasburgo, 24/05/2004 Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA V/ ENCOMENDA REFERENCIA N.º MJT…..cm N/GUIA DE REMESSA DE 17 E 18/05/2004 ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C...
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A Autora enviou o seguinte e-mail: "( ... ) Exma. Senhora EE, Agradecemos o vosso pedido de fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a Passagem de...
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Acórdão nº 61101/20.1YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023
...dos autos. ([7]) Cfr. Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2007, p. 836. ([8]) Vide Ac. STJ de 01/07/2014, Proc. 5539/04.6TVLSB.L2.S1 (Cons. Maria Clara Sottomayor), em www.dgsi.pt, afirmando ainda que, «Na compra e venda sobre amostra o contrato apenas se tem como efica......
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Acórdão nº 61101/20.1YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023
...dos autos. ([7]) Cfr. Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2007, p. 836. ([8]) Vide Ac. STJ de 01/07/2014, Proc. 5539/04.6TVLSB.L2.S1 (Cons. Maria Clara Sottomayor), em www.dgsi.pt, afirmando ainda que, «Na compra e venda sobre amostra o contrato apenas se tem como efica......