Acórdão nº 2070/11.7TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Junho de 2014

Data03 Junho 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – A Causa 1.

Em 23/12/2011 A… e mulher, M… (AA. e Apelantes neste recurso), demandaram o R. Banco B… (1º R. e aqui Apelado), S… e É… (2ºs RR.), formulando os seguintes pedidos: a) Seja declarada extinta a hipoteca a hipoteca que onera o prédio […] descrito na Conservatória do registo predial da Marinha Grande sob o nº […[1]], por ter ocorrido o pagamento da obrigação que lhe serve de fundamento.

Se assim não se entender, b) Sempre deverá ser considerada nula a oneração sobre [esse mesmo prédio], por ter incidido sobre um bem que em Setembro de 2002 já não pertencia aos mutuários [os aqui 2ºs RR.].

A história relatada pelos AA. suportando estes pedidos – tratam-se de pedidos que são apresentados numa relação de subsidiariedade [então prevista no artigo 469º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC); corresponde actualmente ao artigo 554º, nº 1 do CPC (v. nota 2 supra)] –, a história que suporta estes pedidos, dizíamos, assenta na alegação, como facto básico referido aos AA., de terem eles adquirido aos 2ºs RR., em 11/10/2000 e através da escritura de compra e venda junta a fls. 12/14, o prédio urbano correspondente ao tal nº …, constando dessa escritura que a venda do prédio era realizada “livre de [quaisquer] ónus ou encargos”. Em 21/01/2008 tiveram os AA. conhecimento que incidiria sobre esse prédio uma penhora ocorrida em processo executivo no qual foram executados os aqui 2ºs RR. sendo aí exequente a instituição bancária 1ª R., referindo-se a execução a uma dívida contraída por aqueles em 23/09/2002, para liquidação de uma anterior dívida, de Agosto de 1998, dos mesmos 2ºs RR. à 1ª R., tendo a hipoteca sobre o prédio aqui em causa sido constituída como garantia desse (primeiro) empréstimo entretanto “liquidado” (liquidado, dizem-no os AA., em Setembro de 2002 com o segundo empréstimo).

Assim, entendem os AA. – e corresponde essa incidência aqui ao seu pedido principal – que esse empréstimo de 2002, liquidando o 1º empréstimo (o de 1998 garantido pela hipoteca, como afirmam os AA. ter sucedido), teria operado a extinção dessa garantia hipotecária, nos termos da alínea a) do artigo 730º do Código Civil (CC)[2].

Paralelamente – e corresponde este segundo argumento ao pedido subsidiário acima indicado como alínea b) –, entendem os AA. que, extinta que estaria a hipoteca em 2002 pelo referido pagamento, os 2ºs RR. careceriam então de legitimidade para onerar (logo para hipotecar) o prédio, nos termos do artigo 715º do CC[3].

1.1.

O 1º R. (o Banco B…) contestou, excepcionando – e centramos este relato no que apresenta interesse para a decisão aqui recorrida – a existência de caso julgado formado pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça (junta a fls. 65/75), proferida a culminar o processo – uns embargos de terceiro – nº … no qual foram embargantes os aqui AA. e embargados todos os aqui RR. (era aí exequente o 1º R. e executados os 2ºs RR)[4].

1.1.1.

Responderam (replicaram) os AA. à dedução da excepção invocando a falta de identidade da causa de pedir entre os anteriores embargos de terceiro e a presente acção[5], sendo que naqueles – e deduzem os AA. esta incidência do texto do Acórdão do STJ – não teriam sido consideradas as circunstância aqui (na presente acção) apresentadas como causa de pedir: o pagamento da obrigação garantida, como afirmada causa de extinção da hipoteca; a oneração de coisa alheia como afirmada ilegitimação dos 2ºs RR. para dar de hipoteca.

1.2.

Realizou-se, nos termos documentados a fls. 278/284, audiência prévia. Nesta, após discussão nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b) do CPC da excepção dilatória de caso julgado suscitada pela 1ª R., pela Exma. Juíza foi proferido o saneador-sentença documentado a fls. 279/284 – este constitui a decisão final objecto do presente recurso – julgando verificada a referida excepção, absolvendo os RR. da instância[6]. 1.3.

Inconformados, apelaram os AA. concluindo o seguinte: “[…] Considerando que a presente acção se funda num documento ‘Proposta de Crédito’ que serve de base à causa de pedir na presente acção, e que pretende sustentar que: a) a hipoteca se encontra extinta pelo pagamento b) que existiu uma oneração de bens alheios, consequentemente nula, com o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo se entende não estarmos perante o caso julgado, pois não havendo identidade de pedido e causa de pedir, não se encontrarão reunidos os pressupostos de que depende e que constam do artigo 581º do CPC.

Assim, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, nos termos e com os fundamentos supra alegados, revogando-se a Douta Sentença, prosseguindo os autos para apreciação das pretensões formuladas pelos recorrentes, […]”.

II – Fundamentação 2.

Relatado o iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que a conclusão formulada pela Apelante (tomamos como tal o trecho transcrito no anterior item que culminou a motivação do recurso), tal conclusão, dizíamos, operou a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[7]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Trata-se aqui de sindicar a decisão da primeira instância – a ratio decidendi desta – quanto à afirmação de estar verificada a excepção dilatória de caso julgado reportada ao pronunciamento constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/2011 (junto a fls. 65/75). Esta discussão coloca em confronto esse pronunciamento judicial, que culminou os embargos de terceiro propostos pelos aqui Apelantes, com a estrutura da presente acção, tomando como referência a alegada – alegada aqui pelos Apelantes – exclusão da força projectiva desse caso julgado – obviamente que o Acórdão do STJ algum caso julgado material formou – por falta de identidade de causa de pedir entre as duas acções.

2.1.

As incidências com base nas quais o Tribunal a quo julgou verificado esse caso julgado foram as seguintes (todas elas colhem demonstração documental ao longo deste processo[8]): “[…] 1.

Nos presentes autos de processo declarativo sob a forma ordinária, movidos por A… e mulher M… contra o Banco B…, S… e É…, peticionam aqueles que a) seja declarada extinta a hipoteca que onera o prédio inscrito na matriz predial da freguesia da Marinha Grande sob o artigo … e descrito na Conservatória de Registo Predial da Marinha Grande sob o n.º … (tratando-se de lapso já que é …) por ter ocorrido pagamento da obrigação que lhe serviu de fundamento e, se assim se não entender b) ser declarada nula a oneração que incidiu sobre o supra identificado prédio por ter incidido sobre um bem que em Setembro de 2002 já não pertencia aos mutuários S… e É...

  1. No âmbito do Proc. n.º … que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, A… e M… deduziram embargos de terceiro contra o Banco B…, S… e mulher É…, peticionando a admissão dos embargos e o levantamento da penhora sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …; 3.

    Na primeira instância vieram os referidos embargos a ser julgados improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução hipotecária em apreço (saneador-sentença datado de 27.09.2009), vindo tal decisão a ser confirmada pela 2ª instância (em douto Acórdão e 29.06.2010) e, oportunamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça (em 10.03.2011), que, a tal propósito, expendeu e decidiu o seguinte: ‘… Daí que os factos novos mencionados pelos embargantes/recorrentes nas respectivas alegações de recurso, como sejam, terem os executados celebrado um contrato de mútuo no dia 23.09.2002 e que, nessa data, se tenha prestado garantia através de hipoteca constituída em 1998 (…) se não possam ter em conta, uma vez que se não mostram alegados por qualquer das partes, no âmbito dos presentes embargos de terceiro, nem poderiam ser tidos como factos supervenientes – artigo 663.º do CPCivil levando em conta a data da sua declarada verificação. (…) Acresce que os embargantes/recorrentes, nas alegações por si apresentadas (…) pretendem, à guisa de pedido, que se proceda à extinção da hipoteca, libertando-se a fracção desse ónus, considerando-se como nula a oneração que, pretensamente, teria ocorrido em 2002, data em que s executados já não seriam proprietários, e cancelando-se a penhora registada em 2007, ficando os recorrentes como titulares únicos da fracção, sem ónus ou encargos. Tais ‘pedidos’ (pretensões) que têm por base a factualidade só agora trazida à lide processual pelos embargantes, representam alteração da causa de pedir e pedido formulado, o que para além de não ter o consentimento da recorrido, concita questões novas que não podem ser objecto de apreciação no âmbito do presente recurso. É certo que (…) é possível ao tribunal de recurso conhecer de questões novas, desde que ‘… de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se quer à relação processual… quer à relação controvertida (v.g. a nulidade do negócio, ante o estatuído no artigo 286.º do C.C.). (…) Poderá entender-se que subsiste a questão da prevalência (ou não) do registo de aquisição a favor dos embargantes/recorrentes, ainda que posterior, sobre a penhora, questão esta...

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