Acórdão nº 167178/12.0IYPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução29 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 167178/12.0YIPRT-A.P1 Tribunal Judicial de Paredes 2º Juízo Cível Relatora: Judite Pires Adjuntos: Desemb. Teresa Santos Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. “B…, S.A” propôs acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra C…, pedindo que seja esta condenada a pagar-lhe a quantia de € 146,01, acrescida de juros de mora sobre o capital de € 25,20, desde 10.10.2012 até integral e efectivo pagamento.

Alega para o efeito que, no exercício da sua actividade comercial, prestou à requerida serviços de fornecimento de água e drenagem de águas residuais, referentes ao local de consumo que identifica, que a mesma não pagou.

Regular e validamente citada, a requerida deduziu oposição, excepcionando a prescrição do crédito da requerente e impugnando o invocado fornecimento de serviços.

Após os articulados foi proferida decisão que, com fundamento em que os tribunais comuns não são os competentes, em razão da matéria, para conhecer da pretensão da requerente, mas antes essa competência está reservada aos tribunais administrativos, declarou incompetente o tribunal recorrido para conhecer do pedido formulado contra a requerida, absolvendo esta da instância.

  1. Não se conformando com tal decisão, dela veio a requerente interpor recurso para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1. A competência em razão da matéria determina-se face ao modo como a autora configura a lide na Petição Inicial, tendo que se considerar o pedido, a respetiva causa de pedir e a relação jurídica que está subjacente que, no presente caso, se prende com o contrato de fornecimento de água e recolha de águas residuais.

  2. A actividade de fornecimento de água e recolha de águas residuais desenvolvida pela recorrente encontra-se regulada pela Lei 12/2008 de 26 de Fevereiro, que procede à primeira alteração à Lei 23/96 de 26 de Julho, Lei aquela que, por sua vez, sofreu também já uma alteração, introduzida pela Lei 24/2008 de 2 de Junho.

  3. No âmbito desses contratos celebrados, a recorrente peticiona o pagamento do capital pelos serviços prestados e não liquidados pela recorrida, acrescidos dos respetivos juros de mora.

  4. Pelo que, existe justificação legal para peticionar o pagamento desses valores a título de incumprimento ou responsabilidade contratual.

  5. Neste caso, e sendo a recorrente uma pessoa coletiva de direito privado, a competência para a apreciação do litígio não cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais que se limita à responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas de direito público (Cfr. Alíneas g) e h), do n.º 1 do artigo 4º do ETAF).

  6. Além de não ser uma pessoa coletiva de direito público, também não visa a satisfação de necessidades coletivas públicas, pois sendo uma empresa privada, constituída apenas por capital privado, visa o exercício de uma actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartir pelos sócios, os lucros resultantes dessa actividade (Cfr. Artigo 980º do Código Civil).

  7. Os utentes finais contratam os serviços de fornecimento de água e recolha de águas residuais para a satisfação de uma necessidade própria e não pública.

  8. Pelo que, não se encontram reunidos os requisitos para que se conclua que estamos perante um contrato administrativo nas relações jurídicas que se estabelecem entre a recorrente e a recorrida no âmbito do contrato de fornecimento de água e de recolha de águas residuais.

  9. Por outro lado, a actividade desenvolvida pela recorrente é regulada por normas de direito civil, pelo que, nas relações que esta mantém com os seus clientes (no caso o recorrido), não se encontra munida de qualquer poder público de autoridade.

  10. Aliás a Lei 12/2008 de 26 de fevereiro, com a alteração introduzida pela Lei 24/2008 de 2 de Junho, é clara em atribuir natureza civil à actividade desenvolvida pela recorrente, retirando-lhe assim qualquer poder administrativo, quando faz referência à Injunção, processo restrito para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos civis ou comerciais.

  11. Consequentemente, violou a douta sentença recorrida os artigos 209º e 211º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o artigo 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a Lei 105/2003 de 10 de Dezembro (LOFTJ) e o artigo 66º do C.P.C.

    Nestes termos, deverão V. Exas. revogar a decisão do Mmo. Tribunal a quo, e substituí-la por outra em que se julguem os Tribunais Comuns em matéria Cível competentes para apreciação do presente litígio, dando assim cumprimento ao disposto artigos 209º e 211º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o artigo 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a Lei 105/2003 de 10 de Dezembro (LOFTJ) e o artigo 66º do C.P.C, fazendo-se assim Justiça!”.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

    II.OBJECTO DO RECURSO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

  12. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se é ou não o tribunal recorrido o competente, em razão da matéria, para apreciar e decidir o litígio.

    1. FUNDAMENTOS DE FACTO As incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são as narradas no relatório introdutório.

    2. FUNDAMENTOS DE DIREITO A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a acção é proposta, isto é, pela causa de pedir e pedido respectivos[1].

    A competência em razão da matéria determina-se pela natureza da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, independentemente do seu mérito ou demérito.

    A competência material, afere-se, pois, em função da forma como o autor configura e estrutura a acção, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento (causa de pedir).

    De acordo com o artigo 211º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

    E o artigo 64º do novo Código de Processo Civil determina que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra...

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