Acórdão nº 23/09 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 23/2009

Processo n.º 751/08

3 Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional

1. Relatório

1. O Ministério Público acusou A. Ldª e B., no Tribunal Judicial da Comarca de Caminha, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), com base em factos ocorridos em 2001 e 2002.

Já em fase de julgamento, a requerimento do Ministério Público e com oposição das arguidas, o juiz ordenou que se solicitasse aos serviços da Administração Fiscal a notificação dos arguidos para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que entrara em vigor posteriormente à acusação.

Este despacho foi impugnado pelas arguidas, mas o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso.

Retomado o julgamento, na sentença de 19 de Maio de 2008 (fls. 1004 e segs.), o Tribunal Judicial da Comarca de Caminha entendeu dever reapreciar a questão da notificação para cumprimento da obrigação fiscal, e decidiu absolver as arguidas com fundamento na inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º5, primeira parte, da Constituição, das normas constantes do “artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pelo artigo 95.º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e do artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, quando conjugadamente interpretadas” com os seguintes sentidos: - A ausência de resposta por parte do agente à notificação prevista na primeira das normas, feita depois de a acusação se encontrar deduzida e sem que da mesma conste qualquer referência à dia notificação e resposta do agente, pode fundamentar uma condenação penal; - Permitir ou impor ao juiz, que presidir à fase de instrução ou que presidir à fase de julgamento, a iniciativa de mandar proceder à notificação aí prevista”.

2. O Ministério Público interpôs recurso desta sentença para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista à apreciação das normas “julgadas inconstitucionais” na sentença recorrida.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concluiu:

“1. Não são inconstitucionais as normas dos artigos 105.º, n.º 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pelo artigo 95.º, da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e 2º, nº 4 do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que a ausência de resposta por parte do agente à notificação prevista na primeira das normas, feita depois da acusação se encontrar deduzida e sem que da mesma conste qualquer referência à dita notificação e resposta do agente, pode fundamentar uma condenação penal e, ainda, no sentido de permitir, ou impor ao juiz, que presidir à fase de instrução ou do julgamento, a iniciativa de mandar proceder à notificação aí prevista.

2. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”

Os recorridos não alegaram.

II. Fundamentação

3. No presente recurso está em causa o bloco formado pelas normas da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e pelo n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, conjugadamente interpretados, nas duas dimensões aplicativas que a sentença recorrida “julgou inconstitucionais” e no relatório se destacaram.

Na primeira vertente, averigua-se a conformidade com o princípio acusatório de uma dimensão relativa à relação entre actos processuais, à função da peça acusatória na definição do objecto do processo penal e na delimitação dos poderes cognitivos do tribunal. Na segunda, está em consideração um aspecto relativo à separação entre órgão acusador e órgão de julgamento. Na sua essência, trata-se, em qualquer caso, de manifestações do princípio do acusatório: aspectos procedimentais, quanto à primeira; aspectos orgânico-funcionais quanto à segunda.

4. É o seguinte o teor do artigo 105º, n.º s 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção dada pelo artigo 95º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro:

“Artigo 105º

Abuso de confiança

1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

[…]

4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

  1. Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

  2. A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

[…]”

No momento em que a acusação foi deduzida, a lei não fazia depender a punibilidade do abuso de confiança fiscal da interpelação suplementar prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT. Bastava a mora pelo período de 90 dias. A Lei n.º 53-A/2006 passou o teor dispositivo que até então constava do corpo do n.º 4 para a alínea a) e acrescentou-lhe a alínea b), ficando a punição dependente desse incumprimento qualificado.

Na falta de disposição especial transitória, deu a alteração da lei origem a dúvidas nos tribunais, bem espelhada neste processo, acerca da natureza da nova exigência legal e do seu reflexo nos processos pendentes que tivessem ultrapassado a fase de acusação. Designadamente, no aspecto substantivo, se o legislador introduziu um novo elemento do tipo ou uma nova condição de punibilidade e, no aspecto adjectivo embora indissociável daquele, como e a quem compete praticar os actos necessários a assegurar a sua verificação.

5. O Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se sobre questões de constitucionalidade que a aplicação do novo regime tem suscitado em processos em que esteja ultrapassada a fase de acusação. Foi o que sucedeu nos acórdãos n.ºs 409/08, 506/08 e 531/08, todos disponíveis em wwwtribunalconstituciona.pt. No essencial, com variações de formulação, decorrentes da fase em que o processo se encontrava, trata-se sempre do mesmo problema de constitucionalidade que no presente recurso se discute.

Disse-se no acórdão n.º...

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