Acórdão nº 169/07.3TBRSD.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Data da Resolução08 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. SECÇÃO – Processo nº 169/07.3TBRSD.P2 Tribunal Judicial de Resende SUMÁRIO (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) I - A apriorística prevalência em abstracto dos direitos de personalidade sobre outros direitos deve ser relativizada, na ponderação casuística da situação de conflito que entre eles se tenha gerado, de molde a que todos produzam, na medida do possível, igualmente os seus efeitos II - Este princípio de concordância prática, no sentido do melhor equilíbrio possível entre os direitos em colisão, deverá concretizar-se por apelo a critérios atinentes não só à natureza dos direitos colidentes como também à forma e à intensidade com que o exercício de cada um deles afecta o gozo dos outros III - Peticionando os autores, com fundamento em factos que consubstanciam violação do seu direito ao sossego e ao repouso, o fecho de determinado estabelecimento, onde são produzidos ruídos que afectam relevantemente aquele seu direito, recai sobre os réus o ónus de alegar e de provar a sua disponibilidade para (e possibilidade de) procederem a obras eficazes de isolamento acústico, facto impeditivo do efeito jurídico por aqueles formulado, desse modo se dando aos autores a oportunidade de contraditar tal matéria IV - É de evitar, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, uma condenação em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, exigindo ulterior verificação Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I RELATÓRIOB… e mulher, C…, intentaram a presente acção contra D…, LdA, E… e mulher, F…, G… e mulher, H…, e I…, pedindo: a) - A condenação dos 2º, 3º e 4º réus a encerrarem o estabelecimento comercial de talho e a não mais instalarem na fracção K qualquer ramo de negócio incompatível com a cláusula restritiva constante da escritura de constituição de propriedade horizontal, onde apenas se prevê a sua afectação a comércio, serviços e pequenas indústrias não poluentes nem nocivas e compatíveis com a função residencial; b) - A 1ª ré a pagar aos autores uma indemnização por danos morais e materiais sofridos, no valor global de 15,000,00 €, acrescidos de juros vencidos a partir da citação.

Fundamentaram o seu pedido, em súmula, em ofensa ao seu direito de propriedade, bem como ao direito geral de personalidade e ao seu direito ao ambiente, decorrente de ruídos conexos com o funcionamento no prédio em que residem, que compraram à 1ª ré, de um estabelecimento comercial de talho, não autorizado nos termos da escritura de propriedade horizontal, explorado pelos 2ºs réus e a funcionar em fracção propriedade dos 3ºs e 4º réus.

Os réus, regularmente citados, apresentaram contestação, impugnando a generalidade dos factos em que os autores estribaram a sua pretensão. A 1ª ré excepcionou ainda o caso julgado e a prescrição. Os 2ºs réus chamaram à acção J… e outros, que foram admitidos a intervir como partes acessórias e que, como tal, se apresentaram a contestar.

Houve réplica.

Saneado o processo, com absolvição da instância da 1ª ré, após instrução, foi efectuado o julgamento, tendo sido proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente: a) condenando o segundo réu E… a encerrar o estabelecimento comercial de talho a funcionar na fracção autónoma designada pela letra “K, correspondente ao rés-do-chão direito, do corpo segundo do edifício (corpo direito), destinada a comércio, serviços e pequenas indústrias não poluentes nem nocivas e compatíveis com função residencial, pertencente ao prédio urbano, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F – dois, sito na …, também conhecido por …, freguesia e concelho de Resende, descrito na competente conservatória do Registo Predial sob o número mil quatrocentos e vinte e sete, daquela freguesia; condenando os 2ºs, 3ºs e 4ºs réus a absterem-se de instalarem na referida fracção qualquer actividade que não se enquadre em comércio, serviços e pequenas indústrias não poluentes nem nocivas e compatíveis com função residencial; c) absolvendo os 3ºs e 4ºs réus do demais pedido.

Inconformado, interpôs o 2º réu E… o presente recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.

Os autores contra-alegaram.

Foram colhidos os vistos legais.

II FUNDAMENTAÇÃO1.

Factos provados 1. Encontra-se inscrita na matriz das finanças freguesia de Resende, sob o art. 2408-D, descrita na Conservatória do Registo Predial de Resende sob o nº 01427/210200-D, e inscrita provisoriamente a favor dos Autores sob a cota G- 1, Ap.02/080102, inscrição convertida em definitiva pela cota G-1, Ap. 07/290102, uma fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “D”, localizada na cave do prédio urbano, sito no …, em Resende (cfr. al. A) dos Factos Assentes).

  1. J…, K…, L…, M… e N…, como primeiros outorgantes, E…, G…, I…, como segundos outorgantes, e O…, e P…, como terceiras outorgantes, elaboraram no dia 24/01/2006, documento que intitularam de “Compra e Venda”, cujo teor consta de fls. 26-28 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, no que ora interessa o seguinte: “Os primeiros outorgantes declaram: que, pelo preço, já recebido, de trinta e dois mil e quinhentos e cinco euros, vendem aos segundos outorgantes a fracção autónoma designada pela letra “K, correspondente ao rés-do-chão direito, do corpo segundo do edifício (corpo direito), destinada a comércio, serviços e pequenas industrias não poluentes nem nocivas e compatíveis com função residencial, pertencente ao prédio urbano, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F – dois, sito na …, também conhecido por …, freguesia e concelho de Resende, descrito na competente conservatória do Registo Predial sob o número mil quatrocentos e vinte e sete, daquela freguesia e aí registada a fracção, em comum sem determinação de parte ou direito, a favor dos vendedores pela inscrição G – dois e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2408, com o valor patrimonial IMT de € 29.835,00.

    Declararam os segundos outorgantes: que aceitam a venda nos termos exarados.

    (…) Declararam as terceiras outorgantes: que prestam aos seus respectivos maridos o necessário consentimento para a inteira validade deste acto (cfr. al. B) dos Factos Assentes).

  2. Os Autores adquiriram o apartamento referido em 1), em 22/01/2002, por se situar numa zona sossegada, factor relevante por a Autora mulher ser doente e ter constantes dores de cabeça (cfr. artigo 1.º da B.I.).

  3. Vários meses após a aquisição referida em 1), na fracção referida em 2), foi montado e começou a funcionar um estabelecimento de talho, onde são vendidas todas as espécies de carnes frescas, salgadas, enchidos e charcutaria (cfr. artigo 2.º da B.I.).

  4. No talho referido em 4), produz-se ruído entre as 7h00m e 20h00m, emergente das marteladas no balcão e no cepo onde se partem as...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT