Acórdão nº 2016/09.2TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução30 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra BB, pedindo que se declare ilícito o despedimento de que foi objecto, condenando-se a R. a pagar-lhe o montante global de € 56.436,27 de créditos salariais, de indemnização por despedimento ilícito e por danos não patrimoniais.

Invocou, como fundamento da sua pretensão, que o procedimento disciplinar que a demandada lhe moveu foi motivado apenas e só como represália pela circunstância de ter recusado a proposta da ré no sentido de passar a exercer as suas funções de professora universitária, para que havia sido contratada pela ré em Fevereiro de 2003, inicialmente ao abrigo de um contrato de prestação de serviços e, depois, a partir de Maio desse ano, através de um contrato de trabalho a termo certo, e que esse procedimento disciplinar, além de padecer de irregularidades formais, foi injustificado, pois não praticou quaisquer factos que justificassem o seu despedimento por alegada justa causa.

A acção prosseguiu os seus termos vindo a ser decidida por sentença de 13 de Setembro de 2012 que a julgou parcialmente procedente declarando ilícito o despedimento da Autora e condenando a Ré a pagar-lhe: a) a quantia de € 14.121,33, a título de indemnização pelo despedimento; b) a quantia de € 97.301,11, a título de créditos salariais devidos à autora desde os 30 dias anteriores à data da propositura da presente acção e até esta data, incluindo remunerações de férias, de subsídio de férias e de Natal e retribuição de férias e de Natal, proporcionais ao trabalho que prestaria no presente ano de 2012; c) a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) o montante de € 5.904, 00, a título de subsídio de alimentação devido desde Setembro de 2006 «até à presente data»; e) as retribuições devidas «desde a data de hoje e até ao trânsito em julgado da presente sentença», à razão mensal de € 2.270,00, acrescida do subsídio diário de alimentação de € 4,10, por cada dia efectivo de trabalho.

Mais se decidiu, «nos termos do art. 390.º, n.º 2, al. a) do C. do Trabalho, na redacção da Lei 7/09, de 12.FEV», que «aos créditos acima referidos haverá que deduzir as importâncias que a Autora tenha recebido com a cessação do contrato e que não receberia, não fosse o despedimento e que sobre as referidas quantias são devidos juros legais de mora, até integral pagamento».

Inconformada com esta decisão dela apelou a Ré para o Tribunal da Relação do Porto que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 28 de Outubro de 2013, em que decidiu «conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo a Ré dos pedidos», com «custas pela recorrente».

Irresignada com o decidido, vem a Autora interpor recurso de revista para este Tribunal integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. A Autora intentou acção declarativa com processo comum contra a Ré pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento que aquela contra si promoveu e que, consequentemente, fosse condenada a pagar-lhe o montante global de € 56.436,27 de créditos salariais vencidos e de indemnização por despedimento ilícito e por danos não patrimoniais.

  1. Para tal sustentou a Autora, em sede própria, que o procedimento disciplinar que a Ré lhe moveu foi motivado apenas e só como represália pela circunstância de ter recusado a proposta da Ré, no sentido de passar a exercer as suas funções de professora universitária através de um contrato de trabalho a termo certo, sendo que em 2003 foi contratada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

  2. Alegou ainda que o procedimento disciplinar em questão padeceu de irregularidades formais, além de ter sido excessivo, pois não houve a prática de quaisquer factos que justificassem o seu despedimento por alegada justa causa.

  3. Em sede de sentença, proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, raro exemplo de concisão, clareza e saber e, tendo julgado a acção como o fez, prestigiou os Tribunais e os seus valores, ao determinar a ilicitude do despedimento da Autora, e consequente condenação da Ré no pagamento de € 14.121,33 (catorze mil, cento e vinte e um euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização por esse despedimento ilícito, a quantia de € 97.301,11 (noventa e sete mil trezentos e um euros e onze cêntimos) a título de créditos salariais devidos desde os 30 dias anteriores à data da propositura da acção e até à data da sentença, incluindo remunerações de férias, de subsídio de férias e de Natal e retribuição de férias e de Natal, proporcionais ao trabalho que prestaria no ano de 2012, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de € 5.904,00 (cinco mil, novecentos e quatro euros), a título de subsídio de alimentação devido desde Setembro de 2006 até à mesma data, as retribuições devidas desde a data da sentença até ao trânsito em julgado, à razão mensal de € 2.270,00 (dois mil, duzentos e setenta euros) acrescida do subsídio diário de alimentação de € 4,10 (quatro euros e dez cêntimos) por cada dia efectivo de trabalho, tudo isso deduzido das importâncias que a Autora tenha recebido com a cessação do contrato e que não receberia, não fosse o despedimento, e juros legais (igualmente a condenando nas custas na proporção de 73%).

  4. O Tribunal da 1.ª Instância fundamentou a sua decisão no facto de, pese embora o comportamento adoptado pela aqui Recorrente consubstanciar violação dos deveres de obediência às ordens dimanadas da sua entidade empregadora, vulgo, "utilização de métodos de avaliação contrários ao estabelecido pela Ré", a Autora "adiantou uma explicação para o facto de não ter cumprido com a determinação da sua entidade empregadora quanto aos métodos de avaliação: por um lado, evitar que pelo recurso à internet e do copy/paste, os seus alunos defraudassem os objectivos da avaliação a que se encontravam sujeitos; por outro lado, relativamente às cadeiras de Métodos e Técnicas de Avaliação e Intervenção em Terapia da Fala, e de Linguagem e Comunicação no Adulto a Autora explicou que ambas se encontram relacionadas, pelo que entendeu por bem proceder a uma avaliação conjunta dos conhecimentos dos alunos dessas unidades curriculares. Ainda que relativamente à primeira das justificações adiantadas pela Autora (evitar o recurso ao World Wide Web) se possa dizer que - a ter sido essa a motivação da Autora - a sua conduta revela uma muito razoável dose de ingenuidade, aceite-se de um modo geral o desvio que imprimiu aos métodos de avaliação que a Ré lhe impusera. Ou seja, sendo indubitável a sua desobediência às ordens da sua entidade empregadora, a motivação que esteve na génese dessa sua conduta mitiga de modo apreciável a sua culpabilidade." 6. Ficou clara a não violação dos deveres de obediência por parte da Autora, bem como o facto da Autora nunca ter mostrado qualquer desinteresse pelo cumprimento das suas obrigações laborais, nem tão pouco, causado qualquer prejuízo patrimonial da Ré que justificasse a impossibilidade na manutenção da relação laboral.

  5. Finda a apreciação deste ponto, o Tribunal de 1.ª Instância fez recair a sua atenção para a adequação da sanção disciplinar aplicada à Autora.

  6. Neste sentido, entendeu o Douto Tribunal que a relação contratual entre Autora e Ré não ficou irremediavelmente comprometida com a conduta daquela, pelo que, a sanção de despedimento resulta excessiva e desproporcionada.

  7. Não obstante, a decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação, vai no sentido inverso, violando, pois, o disposto no artigo 351°, n.º 1 e 2, alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgando verificada a justa causa do despedimento, julgue ilícito o despedimento.

  8. Com efeito, para apreciação da justa causa de despedimento o Tribunal da Relação apenas atendeu aos pontos de facto 1, 3, 6 a 10, 14 a 16 e 18.

  9. A infracção constante da supracitada matéria de facto resume-se à "utilização de métodos de avaliação dos seus alunos contrários ao que a ré havia estabelecido".

  10. Resulta da fundamentação do acórdão recorrido que: "A ocorrência do pressuposto culpa deve ter-se como evidente, nos termos do artigo 487°, n. ° 2 do C. C., pois a um trabalhador, como a Autora, ocupando o cargo de docente universitária, exigia-se um cuidado especial com a execução daquelas normas procedimentais de avaliação, o cuidado que, certamente, um normal professor universitário teria".

  11. No entanto, não foi tida em conta para efeitos de fixação do grau de culpa, a motivação subjacente ao comportamento adoptado pela Autora conforme explicação dada pela própria.

    14. Nos termos do disposto no art 607.º n.º 3 do C. P. C. a sentença assenta numa dupla fundamentação de facto e de direito sendo que na parte da fixação dos factos da causa - determina n.º 3 do mesmo artigo - que sejam tidos em conta, dentre outros, os factos notórios e os de conhecimento oficioso.

  12. A fundamentação de facto não se limita porém aos factos provados; devem ser utilizados todos os factos que foram adquiridos durante a tramitação da causa.

  13. Ora a motivação da Autora fundamento para apreciação do grau de culpa, deve pois ser tida em conta para efeitos de apuramento desse mesmo grau.

  14. O circunstancialismo em que se verificou o comportamento da Recorrida determina a impossibilidade de se concluir pela sua censurabilidade ao nível da culpa não justificando assim o despedimento.

  15. A exigência de culpa que possa fundamentar um despedimento com justa causa não se basta com qualquer espécie de negligência antes se exigindo a negligência grave, grosseira, a faute lourde do direito francês ou a leichtfertigkeit do direito alemão.

  16. Não foi o que sucedeu no caso concreto.

  17. Com efeito a sanção de despedimento afigura-se excessiva e desproporcionada ao comportamento da Autora sendo que “A sanção expulsiva deve...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT