Acórdão nº 0614/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução29 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…………, já devidamente identificado nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, contra o Município de Lagos, acção administrativa especial de anulação do despacho de 2009.03.09, do Presidente da Câmara Municipal de Lagos, que determinou a entrega livre e limpa de uma área de cedência, relativa ao Alvará de Loteamento, que anteriormente tinha sido dada de arrendamento ao autor.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a acção improcedente.

O autor recorreu para o Tribunal Administrativo Sul que, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença da primeira instância, julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado.

1.1. O Município de Lagos recorre para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 150º CPTA, apresentando alegações com as seguintes conclusões: I- Segundo o douto acórdão recorrido refere, a questão suscitada é a de determinar se a decisão judicial da 1ª instância enferma de erro de julgamento de Direito, ao interpretar e aplicar o artigo 1051º do Código Civil, em termos que determinem a caducidade ou a cessação do contrato de arrendamento.

II- A existência jurídica ou não de contrato de arrendamento é de relevância social, assim como a interpretação e aplicação do artigo 1051º do Código Civil tem relevância jurídica, relevâncias essas que se revestem de importância fundamental ou, pelo menos, mesmo que assim se não entenda (o que só por hipótese se configura), a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

III- Isso mesmo resulta claro quando se verifica que o douto acórdão teve um voto de vencido, no qual se explanam outros normativos legais e o referido artigo 1051º do C. Civil, concluindo-se que se teria julgado improcedente o recurso.

IV- Encontram-se assim preenchidos os requisitos de admissão do recurso.

V- O artigo 1057º do C. Civil não se aplica ao caso sub judice, pois a parcela de terreno objecto do arrendamento foi cedida ao Município de Lagos no âmbito do loteamento a que se refere o Alvará de Loteamento nº 5/98, de 19 de Novembro de 1998, tendo ficado abrangida pela área de cedência ao domínio público municipal.

VI- Essa cedência ao domínio público municipal destina-se a espaços verdes e de utilização colectiva e a arruamentos, passeios e estacionamento, conforme consta da planta de cedências do aditamento ao referido Alvará de Loteamento nº 5/98, emitido em 19.07.2002.

VII- As parcelas de terreno cedidas ao município integram-se automaticamente no domínio público com a emissão do alvará - artigo 16º, nº 3, do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro.

VIII- As questões susceptíveis de obstar à emissão da licença de loteamento a que alude o artigo 11º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29/11, são de apreciação meramente formal, pelo que não obsta à emissão de licença a circunstância de o direito que o requerente se arroga ser contestado por terceiros.

IX- Tendo a parcela arrendada ficado a pertencer ao domínio público municipal, não só por disposição expressa do artigo 16º, nº 3, do DL nº 448/91, de 29/11, mas ainda pelas funções de interesse público a que o terreno ficou adstrito (cedência para arruamentos, passeios e estacionamentos), cessou o direito com base no qual o contrato foi celebrado, pelo que se deu a caducidade deste na data da emissão do referido alvará, ou seja, em 19-11-1998, nos termos do disposto np artigo 1051º, alínea c) do C. Civil.

X- O que significa a adstrição da parcela àquela utilidade pública, sob pena de reversão a favor do cedente em caso de incumprimento - artigo 164º, nº 4, do aludido DL nº 448/91, de 29/11 - , sendo que o efeito translativo e a dominialização se produzem ipso jure por força da emissão do alvará.

XI- O objecto do contrato de arrendamento tornou-se legalmente impossível, dado que a parcela de terreno passou a pertencer ao domínio público, no caso, municipal, pelo que o contrato, também por esta via, caducou.

XII- A coexistência jurídica entre a dominialidade pública sobre a parcela em causa e a sua oneração privatística por contrato de locação celebrado entre os sujeitos privados, em data anterior ao licenciamento e emissão do alvará, não é possível, dada a incomerciabilidade das coisas públicas e consequente insusceptibilidade de oneração pelos modos e regras do direito privado - artigo 202º, nº 2, do C. Civil.

XIII- Mesmo admitindo que o locador, B…………, Ldª, que adquiriu a parcela em questão, em 1995.04.05, tenha sonegado ao Autor a informação de que procedia ao licenciamento do loteamento onde a faixa de terreno arrendada se insere, com a emissão em 1998.11.19 do respectivo alvará, e que dessa conduta omissiva sobrevenham, de algum modo, prejuízos de índole patrimonial e não patrimonial para A…………, é matéria a ser discutida nos tribunais comuns, pois, tratando-se de um contrato de arrendamento celebrado entre dois particulares, escapa à jurisdição administrativa.

XIV- O referido locador deixou de ser proprietário da parcela arrendada desde a emissão do alvará, carecendo, por isso, de legitimidade para dispor do bem, v. g., para arrendar.

XV- Portanto, o contrato de arrendamento anteriormente celebrado entre o mencionado locador e A………… é ineficaz perante o Município de Lagos, à luz do previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 1051º do C. Civil.

XVI- Cessado o direito com base no qual o contrato foi celebrado, a caducidade opera ex nunc, o que ocorreu em 1998.11.19, na data em que foi emitido o alvará e a parcela de terreno ingressou no domínio público municipal.

XVII- Portanto, não existe direito do Autor ao arrendamento, pelo que não pode ser violado.

XVIII- Quanto à obrigação a que diz respeito o artigo 100º do CPA, a que se refere o Autor, nada na lei obrigaria o Município de Lagos a ouvir o arrendatário de uma parcela no âmbito do processo administrativo conducente ao licenciamento de um loteamento, como era o caso.

XIX- De qualquer modo, como se lembra na douta sentença da 1ª instância, o invocado princípio da audição dos interessados não foi desconsiderado, porquanto, como o Município de Lagos refere no ofício que notifica o despacho de 2009.03.09: “Nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15/11, dispõe V. Exª do prazo de dez dias a contar da presente notificação para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a ordem que agora lhe é transmitida, podendo o respectivo processo ser consultado nos dias úteis, entre as 9:00 e as 17:00, na Divisão de Fiscalização desta Câmara Municipal, cujas instalações se situam na Estrada da Ponte da Piedade, lote 24, Lagos” XX- Pelo que o Município de Lagos não violou o disposto no artigo 100º do CPA.

XXI- Mesmo que se entenda que o Autor mantém a posição de locatário, não tem a qualidade de terceiro interessado no procedimento da operação urbanística de loteamento, no âmbito dos artigos 83º, c) e 100º do CPA, pois que a licença de loteamento e o respectivo alvará não o prejudica.

XXII- O facto principal para o Autor assenta no acto de cedência da parcela onde é locatário, na exacta medida em que a emissão do alvará opera automaticamente a transmutação do direito de propriedade privada em favor do direito de propriedade pública - artigo 16º, nº 3, do DL nº 448/91, de 29/11 - e, por consequência, arrasta a caducidade do contrato de locação por cessação do direito ao abrigo...

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