Acórdão nº 859/13 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução17 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 859/2013

Processo n.º 1017/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.

    2. A reclamação deduzida tem o seguinte teor:

      (…)

      Segundo o artigo 70 nº1, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais:

      a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;

      b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;

      c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;

      d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;

      e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;

      f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e);

      g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional;

      h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerido a sua apreciação ao Tribunal Constitucional;

      i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a que questão pelo Tribunal Constitucional.

      O artigo 70 nº2, da LTC estatui que os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência, o mesmo é dizer, que só podem ser interpostos recursos para o TC, pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a sentença recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer.

      No caso dos autos, a arguida foi condenada pela prática de um crime, cuja moldura penal é inferior a 5 anos. Tais crimes apenas admitem recurso de apelação para o Tribunal da Relação.

      Esgotados encontram-se todos os recursos que ao caso cabiam.

      Assim, acresce dizer que a recorrente sustentou a inconstitucionalidade das normas no recurso de apelação, para onde se remete, e ainda suscitou a inconstitucionalidade de normas de processo penal na reclamação apresentada no Tribunal da Relação de Évora, para onde também se remete.

      Salvo o devido respeito, mas ao contrário do que foi entendido na Decisão Sumária agora reclamada, à luz da Lei do Tribunal Constitucional encontram-se verificados todos os pressupostos para que seja admitido o recurso interposto pela recorrente, por terem sido suscitadas questões de inconstitucionalidade perante o tribunal A Quo e o A Quem (Tribunal da Relação de Évora), as quais foram colocadas de modo claro e percetíveis, devendo, por isso, o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do recurso interposto.

      Na verdade, in casu, quer a 1ª instância quer a 2ª instância, nas suas decisões violaram o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa.

      No que diz respeito à decisão da 1ª instância, é de julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 127; 340 do CPP e 180 nº1, 183 nº1 al. a), 184, por referência aos artigos 132 nº2 al. l) estas do Código Processo Penal, quando interpretadas no sentido da sua aplicação resultar de ser dado como provado os factos constantes da acusação, assente numa prova que não foi produzida, o que constitui uma ofensa ao artigo 32º nº 2 da CRP por ter sido posto em causa o princípio in dubio pró reo.

      Do Acórdão proferido pela 2ª instância deve ainda julgar-se inconstitucionais as normas constantes dos artigos 355, 356 nºs 1, 2 al. b) e al. a) e b) do n.º1 do art. 357 do Código Processo Penal, quando interpretadas como não sendo proibida a leitura das declarações do arguido, quando remetido ao silêncio, o que também viola o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32 da CRP..

      Regressando à decisão da 1ª instância, antes de mais importa dizer que a valoração crítica da prova constitui o núcleo essencial da fase decisória, sendo através dela que o julgador, aprecia o facto em correlação com a prova produzida.

      Daí que a parte final do nº 2 do art. 374 do CPP imponha o “…exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

      A conjugação desta última norma com o disposto no art. 127 do CPP desenha o modo de fixação da matéria de facto, levando a que o provado se ofereça como o resultado depurado dos meios de prova produzidos em audiência ou levados aos autos nos termos legais (Ex. documentos, depoimentos entre outros meios de prova).

      O produto final não pode resultar exclusivamente do puro convencimento do julgador, da sua mera intuição, vertida numa convicção subjetiva, sendo certo que o julgador também não poderá prescindir de uma análise lógica que excederá em muito a mera soma das parcelas, antes se afirmando como atividade intelectual abrangente, em que serão ponderadas as provas tanto nas suas coincidências, como nas suas incongruências, à luz da experiência comum, de um juízo de normalidade das coisas, assimilando o resultado da perceção abrangente e simultânea de vários sentidos, mas também deduzindo dos factos conhecidos os factos desconhecidos que não são ou não podem ser objeto de prova direta.

      É precisamente esse trabalho de análise crítica que consolida a livre convicção do tribunal, permitindo-lhe considerar como provados os factos merecedores de uma certeza judiciária e como não provados todos aqueles que sejam inegavelmente desmentidos pelas regras da experiência ou que não se mostrem comprovadamente demonstrados. É esse convencimento racional, lógico-dedutivo e fundamentado, desde que devidamente explicitado, que permite ao juiz afirmar a verdade do caso concreto, fixando a correspondente matéria de facto. Assim se efetiva a “livre apreciação da prova” consagrada no art. 127 do CPP..

      Vem tudo isto a propósito do recurso, pela recorrente, da matéria de facto que em primeira instância se teve como provada que levou a uma decisão fundamentada no direito das normas acima referidas, mas que é inconstitucional quando interpretadas no sentido em que os factos da acusação estão provados.

      Nos autos temos a prova testemunhal conjugada com os documentos das operadoras e nada mais.

      Assim na 1ª instância e em sede de julgamento, quanto à prova testemunhal sempre teria este Tribunal de desvalorizar os depoimentos mais emotivos e menos objetivos dos familiares do assistente. Sempre teria de considerar como duvidoso o facto imputado à arguida, quando uma das testemunhas, aquela que o Tribunal considerou fundamental e onde fez assentar a sua decisão de condenação, refere que desconhece se foi a arguida que postou as expressões no fórum, e ainda quando dos elementos objetivos constantes dos autos se retira, que as entidades operadoras desconhecem quem postou tais afirmações difamatórias no fórum, por serem vários os utilizadores do computador. Isto está claro.

      Aliás, na sequência da prova produzida, nem com recurso às chamadas presunções judiciais, como meio de prova lícito (artigo 349 e 351 do Código Civil) que são, e, como tal, admissível em processo penal (art. 125 do CPP) - não sendo meio de prova proibido por lei, poderia levar o julgador de 1ª instância a condenar a recorrente, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção. De resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção.

      Na verdade, não se consegue retirar dos factos conhecidos em sede de julgamento as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. Assim, como acima foi referido, de acordo com os elementos de prova existentes nos autos, que foram apreciados em sede de julgamento, para onde se remete, mesmo conjugados entre si, nem pela via das presunções judiciais podia a 1ª Instância ter ficado convencida sobre se foi a arguida quem escreveu as expressões difamatórias. Isto porque, quer pela prova testemunhal, quer pela prova documental junta aos autos, não se sabe quem postou as expressões injuriosas no fórum, por ser mais do que uma pessoa a utilizar o computador. Isto está no processo.

      Só um convencimento racional, lógico-dedutivo e fundamentado, desde que devidamente explicitado permite ao juiz afirmar a verdade do caso concreto, fixando a correspondente matéria de facto, o que não acontece no caso dos autos.

      A Constituição da República Portuguesa, no artigo 32, nº 2, estabelece que todo “o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”; reza o artigo 32, nºs 1, 5 e 8, que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”, bem como que a audiência de julgamento e os atos instrutórios estão “subordinados ao princípio do contraditório” e que “são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

      O princípio da presunção de inocência significa que o arguido não precisa de provar a sua inocência (ela é presumida à partida), além de não ter sequer que fazer prova em tal sentido, muito menos pela sua palavra (o direito de defesa do arguido abrange o direito de se calar, de não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT