Acórdão nº 151/14 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 151/2014

Processo n.º 635/12

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., SA, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 327/2013, fls. 161-167):

    «4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 153), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

    Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

  2. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do mesmo constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º (cfr. fls. 149); a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432 nº 1 alínea b) do CPP» (cfr. fls. 149-150); a indicação da norma constitucional que se considera violada – «artigo 32º nº 1 da CRP » (cfr. fls. 149-150); e a indicação da peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «reclamação que originou a decisão recorrida» (cfr. fls. 150.)

  3. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).

    Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

  4. Decorre do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal que o recorrente pretende recorrer «(…) da decisão da reclamação, para o Sr. Presidente do STJ, a qual foi no sentido de não admissão do recurso interposto para esse tribunal (…)» (cfr. fls. 149) – ou seja, a decisão do Presidente do STJ proferida em 17/07/2012 que decidiu da reclamação apresentada pelo recorrente e no sentido do indeferimento da mesma (cfr. fls. 135-145).

  5. Tendo em conta a decisão recorrida expressamente identificada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, é por referência a esta e respetivo teor que deve ser analisado o preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade do recurso para este Tribunal.

  6. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à ratio decidendi, segundo o qual a decisão recorrida deve ter feito aplicação, como sua ratio decidendi ou fundamento jurídico, das alegadas dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente.

    9.1 As alegadas dimensões normativas identificadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, relativas às «normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432 nº 1 alínea b) do CPP» – e, segundo o mesmo recorrente aplicadas pelo tribunal recorrido (cfr. requerimento de interposição de recurso, 1.º, fls. 149) – são, no entendimento do recorrente, as seguintes:

    A) Que, sem qualquer indicação expressa ou apoio no texto normativo, se pode aplicar a norma constante do artigo 400 n.º 1 alínea f) do CPP, jogando mão do conceito abstrato de que o conteúdo normativo da expressão "confirmar a decisão recorrida da 1.ª instância" pode ser alargado para alem do sentido literal definido pela expressão "confirmar a decisão". De forma a permitir considerar - se como uma "confirmação da decisão anterior, passe o pleonasmo, uma decisão que alterou a anterior que " enviava o arguido para casa" e a transformou noutra que" envia o arguido para a prisão".

    Apodítico é, que qualquer exegese, ainda que rudimentar, deteta , de imediato, a contradição interna de tal raciocínio.

    B) A norma constante do artigo 400º nº 1 alínea e) do CPP quando aplicada com a interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações e que apliquem pena privativa de liberdade, (quando tal conceito interpretativo não se encontra expressamente indicado no texto dessa norma e, é até, oposto ao expresso no mesmo) e ainda, a norma constante do artigo 432º nº 1 alínea b) do CPP quando aplicada com a interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos recursos das decisões proferidas em recurso pelas relações, quando tal conceito interpretativo não se encontra aí claramente expresso nem é indicado no texto dessa norma.

    9.2 Do confronto das alegadas interpretações normativas identificadas pelo recorrente com o teor da decisão do Presidente do STJ recorrida decorre que as mesmas não constituíram fundamento da decisão recorrida.

    9.2.1 Por um lado, e quanto à alegada interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal (CPP) (cfr. 1.º, A), fls. 149), da leitura da decisão recorrida decorre que em nenhum passo a decisão recorrida se refere, na sua fundamentação (cfr. n.ºs 3 a 6) a tal alínea do artigo 400.º, n.º 1 do CPP.

    9.2.2 Por outro, e quanto à alegada interpretação dos artigo 400.º, n.º 1, alínea e) – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações e que apliquem pena privativa de liberdade» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos recursos das decisões proferidas em recurso pelas relações» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – da leitura da decisão recorrida decorre que tal interpretação não se encontra no fundamento daquela.

    Com efeito, em primeiro lugar, a propósito daquelas duas disposições do CPP – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b) – cuja alegada interpretação normativa o recorrente pretende ver sindicadas, escreve-se, na fundamentação da decisão recorrida, que:

    (…) A faculdade de recorrer pertence, assim, ao estatuto do arguido, concretizada nas condições objetivas de recorribilidade e subjetivas de legitimidade fixadas na lei.

    No caso, a conjugação da norma do artigo 432º, n.º 1, alínea b), com as situações de (ir)recorribilidade de decisões da relação definidas no artigo 400º do CPP. determina, nos termos do artigo 400º, n. º 1, alínea e), do CPP, que são irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade. (…)».

    Não se afirma, assim, na decisão recorrida que da interpretação das disposições em causa ora sindicada – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambas do CPP – resulta que o seu conteúdo respeita aos acórdãos proferidos pelas relações que apliquem pena privativa da liberdade.

    Pelo contrário, a decisão recorrida fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação da decisão apresentada na interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) – cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscita no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.

    Pode, pois, ler-se na fundamentação da decisão recorrida quanto à interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) (cfr. n.º 3, fls. 142-143):

    (…) Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objetivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do nº 1 do artigo 400.º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.

    Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é diretamente afastada pelo artigo 432º, nº 1, alínea c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.

    (...) A perspetiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432º, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400º, n.º 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ

    , no sentido de o recurso não ser admissível para o STJ no caso que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão. (…)»

    10. Não estando preenchido um requisito relativo à...

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