Acórdão nº 00541/06.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução17 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo I RELATÓRIO 1.

JFAS..., identif. nos autos, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra, datada de 3 de Janeiro de 2013, que, julgando improcedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, onde peticionava a condenação da Ré/Recorrida JUNTA de FREGUESIA de EIRAS, no pagamento da quantia de € 982.960,00 (atenta a requerida e deferida ampliação do pedido - € 946.000,00+€ 36.960,00 - cfr. fls. 405/407 e 415/416 dos autos), acrescida de juros de mora, à taxa legal e devidos desde a citação até integral pagamento, a absolveu do pedido.

* 2.

O recorrente, nas suas alegações, formulou, a final, as seguintes conclusões: "1ª.) Com a actuação da recorrida acham-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar o recorrente; 2ª.) A recorrida tinha o dever legal de dotar o local do acidente de condições de segurança e vigilância necessárias a evitar o acidente e não cumpriu esse dever; 3ª.) O local era utilizado em especial por crianças e jovens para tomarem banho e praticarem actividades semelhantes às que se praticam em piscinas fluviais, o que era do perfeito conhecimento da recorrida; 4ª.) Sendo as actividades desportivas ligadas a piscina, actividades perigosas, a vigilância e segurança no local passava pela prática de actos materiais adequados a prevenir o risco de acidente; 5ª.) A recorrida não dotou o local de qualquer vigilância nem contratou ninguém para vigiar o local e impedir quaisquer acidentes; 6ª.) A recorrida representou o perigo dos saltos para a água serem feitos do cimo da ponte rodoviária e colocou nos dois pilares da ponte peanhas para impedir que os utentes da piscina fluvial daí saltassem; 7ª.) O recorrente saltou do cimo da ponte quando não se encontrava no local qualquer peanha; 8ª.) Não houve, por isso, qualquer utilização anómala do equipamento possuído pela recorrida; 9ª.) O recorrente não possuía capacidade de prever o risco da sua conduta não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade; 10ª.) Ao omitir o dever de colocar peanhas no cimo da ponte ou adoptar medidas para que as mesmas daí não fossem retiradas, a recorrida agiu culposamente; 11ª.) Sobre a recorrida recai a presunção de culpa prevista no artº. 493º do Código Civil; 12ª.) A recorrida não provou que nenhuma culpa teve por não dotar o local de vigilância ou deste não ter peanhas instaladas no cimo da ponte no dia do acidente; 13ª.) Também não provou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua; 14ª.) Sendo que o acidente não teria ocorrido se as peanhas estivessem no local destinadas a impedir o perigo provável de alguém saltar do cimo da ponte".

E concluiu: "Decidindo como decidiu violou o Tribunal “a quo”, entre outros, o comando dos artºs. 2º, 4º e 6º do DL 48 051, e artºs. 483º, 487º e 493º do Código Civil ".

* 3.

Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio a recorrida Junta de Freguesia de Eiras apresentar as respectivas alegações, que assim concluiu: "1) O Autor pretendia com a presente acção a condenação da Freguesia de Eiras ao pagamento de uma indemnização no valor de 946.000,00 € com base num acidente, em que aquele (à data com quase 24 anos) mergulhou de cabeça de um pilar de uma ponte rodoviária, com a altura em relação à água de 2,85m – apesar de ter sido avisado dos riscos do seu comportamento pelos presentes no local –, para um local onde a altura da água era de 1 m.

2) Decidiu correctamente o Tribunal a quo ao considerar totalmente improcedente a pretensão do Autor, não assistindo qualquer razão ao Recorrente.

3) O recorrente não impugna a factualidade apurada 4) Nas alegações de recurso apresentadas segue-se até certo ponto a argumentação da sentença recorrida, porém não se tem na devida conta os fins do local, o local de onde o Autor mergulhou, a forma como o fez e para onde.

5) No local do Escravote existia um açude com passadiço, um grelhador (e posteriormente dois), proteções marginais em alvenaria de pedra, açude a jusante da ponte de Eiras e uma ponte rodoviária (cfr. Ponto 3 e 4 da factualidade apurada).

6) Sendo que o açude prolonga-se por uma extensão de cerca de 100 metros e é atravessado por um passadiço pedonal com uma guarda de ferro no local de cada uma das comportas amovíveis e por uma ponte rodoviária na estrada Eiras/Redonda, com a largura ele 8.90m, sendo 7 metros de faixa de rodagem e os restantes 1.90m divididos em dois passeios pedonais, de igual largura (cerca de 90 em cada), um de cada lado da faixa de rodagem (cfr. ponto 9. Da factualidade provada).

7) Note-se que o autor, aquando do acidente, não entrou na água da Ribeira pela ponte pedonal do açude nem mergulhou das suas margens, antes subiu a um dos pilares da ponte rodoviária e daí mergulhou de cabeça (a pique) para a água (cfr. Ponto 56 da factualidade apurada).

8) Acresce que o pilar se encontrava a mais de 2,85 metros de distância da linha de água (Cfr. Facto provado 48) e sobre a margem do açude (portanto, fora da perpendicular da linha de água), pelo que o Autor, para mergulhar para a água, tinha e teve que dar um impulso com as pernas (cfr. Ponto 59 da factualidade dada como provada) para ultrapassar a referida margem do açude.

9) Autor/recorrente que, no próprio dia tinha estado a usufruir do espaço em causa, dentro da água (cfr. Ponto 16 da Factualidade provada).

10) Não podendo o Autor desconhecer, que a altura da água, em termos de profundidade, junto às comportas da madeira com cerca de 1,00m, pode atingir um máximo cerca de 1,50 m, sendo chegando normalmente à altura do peito de um adulto, e vai diminuindo ao longo da extensão do açude, sendo que junto à ponte rodoviária, a profundidade máxima é de cerca de 1,00m, não ultrapassando a cintura ou anca de um adulto (cfr. Ponto 49 da factualidade apurada).

11) Acresce que o Autor já antes, quando mergulhou da margem do lado dos piqueniques, bem como no momento em que se preparava para mergulhar do pilar, foi abordado por pessoas presentes no local, que o avisaram do perigo que o seu comportamento representava e o aconselharam a não saltar/mergulhar. (cfr. Ponto 57 da factualidade apurada).

12) O Autor, apesar das alegadas deficiências cognitivas de que pudesse padecer, à data dos factos (7/7/2003), tinha quase 24 anos (nasceu em 23/11/1979) e levava uma vida normal de adulto com liberdade e autonomia, tinha carta de condução e, apesar de ao tempo estar desempregado, tinha até pouco antes trabalhado na Ceres (cfr. Pontos 25 e 11 da Factualidade apurada).

13) O autor fez uma manifesta e ostensiva utilização anormal e abusivo do referido pilar.

14) O pilar de uma ponte rodoviária não é, ostensiva e manifestamente, um local indicado para efectuar saltos para a água.

15) O pilar da ponte rodoviária e o espelho de água para o qual o Autor mergulhou não representava para os que dela fizessem utilização normal um perigo real e discernível.

16) Como resulta da factualidade apurada, "o riacho tinha pouca profundidade e não se destinava a banhos, não sendo razoável exigir à ré a colocação de pessoal ou dispositivos de segurança no local, num país como o nosso, em que os recursos são escassos e as situações (porventura mais urgentes) a acudir são numerosas, quando, em si mesma considerada e abstraindo-nos das circunstâncias fortuitas, aquela situação não representava uma ameaça acrescida para a segurança dos utilizadores, quando a fruição do equipamento é feita em condições normais." (cfr. Sentença recorrida) 17) Não se pode dizer que o tipo de acidente em causa nos autos constituía um dos perigos especiais potenciais inerentes à normal utilização da coisa, pelo que a sua prevenção não cabe nos deveres de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

18) Daí que, como doutamente afirmado na sentença recorrida, se afigure que para o "infeliz desfecho em causa nos autos, contribuíram, antes de mais, as circunstâncias inerentes ao próprio autor - cfr. pontos 23. e 24. do probatório -, e não qualquer omissão imputável à ré nem as particulares características ou configuração do local em causa." 19) À Ré não pode ser imputado cometimento de um facto ilícito e culposo pelo Autor ter feito uma inopinada e abusiva utilização de um pilar de uma ponte rodoviária para dar saltos para a água.

20) Não sendo aqui aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º a qual diz respeito a danos cuja produção a coisa, «ea ipsa», teria causado.

21) A sentença recorrida segue a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal sobre o entendimento que deve ser dado ao pressuposto ilicitude no caso de entidades públicas (cfr para além dos acórdãos referidos na sentença recorrida o recente Ac. STA proferido no processo 0738/10 e datado de 04/26/2012).

22) Pelo que ao contrário do afirmado pela recorrente o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação das normas do artigo , e do DL 48051 e arts 483, 487 e 493 do Código Civil" * 4.

O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.

* 5.

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

* 6.

Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e...

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