Acórdão nº 83/14 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2014

Data22 Janeiro 2014
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 83/2014

Processo n.º 203/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I– Relatório

  1. A. vem, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”), recorrer para este Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de dezembro de 2012, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 28 de fevereiro de 2012. Esta última julgou improcedente a pretensão executiva deduzida pelo ora recorrente no tocante ao pagamento de juros indemnizatórios em consequência da anulação pelo Supremo Tribunal Administrativo da liquidação efetuada pelo Município do Funchal, em 16 de dezembro de 1994, de uma taxa municipal de infraestruturas urbanísticas, por o Tribunal ter considerado que a liquidação em causa, devido a fundar-se em regulamento inconstitucional e ineficaz por falta de publicidade, enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, o qual “constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.º do CPPT e 135.º do CPA)” (cfr. o acórdão de 8 de julho de 2009, proferido no Processo n.º 964/08, disponível em http://www.dgsi.pt/ ).

    No recurso interposto da decisão de primeira instância para o Tribunal Central Administrativo Sul, o ora recorrente invocou a inconstitucionalidade dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária nos seguintes termos (conclusões 4.ª e 5.ª das pertinentes alegações; cfr. fls. 125):

    4.ª Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, estando em causa a anulação da liquidação de uma quantia ilegalmente exigida e mantida na posse da Administração, durante cerca de quinze anos, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito, a execução da decisão judicial anulatória compreende, além do mais, o pagamento de juros indemnizatórios […] – cfr. texto nºs 11 a 16;

    5.ª A entender-se que os arts. 43º e 100º da LGT impediriam a fixação de indemnizatórios a favor do ora recorrente, sempre se teria de concluir pela sua manifesta inconstitucionalidade e inaplicabilidade in casu (v. art. 204º CRP e 1rt. 1º/2 do ETAF), pois violariam frontalmente o disposto nos arts. 2º, 9º/b, 20º, 22º, 205º e segs. e 268º/4 da CRP, e a garantia da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que não permitiriam efetivar o direito à indemnização dos danos causados pela atuação ilícita da Administração – cfr. texto nºs 13 a 16

    .

    O acórdão ora recorrido negou provimento ao recurso com base na consideração de que, tendo a decisão exequenda concluído pela existência de inconstitucionalidade formal do regulamento aplicado, por falta de indicação da lei habilitante, e, bem assim, pela sua ineficácia, devido a falta de publicação, seria forçoso concluir, à semelhança do que sucedera na decisão então recorrida, pela orientação firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que, em caso de anulação de ato administrativo por vícios de natureza formal, não há direito a exigir o pagamento de juros indemnizatórios com fundamento no artigo 43.º da Lei Geral Tributária:

    - Diga-se que o entendimento sufragado pela decisão recorrida da inaplicabilidade do art.º 43.º da LGT, por não ser de presumir prejuízo que justifique o direito à indemnização que os juros corporizam quando o ato de liquidação da quantia que os suportem seja eliminado da ordem jurídica com fundamento em vício de forma, acompanha doutrina, abundante, firme e reiterada do STA, que aqui igualmente se sufraga e da qual e complementarmente se cita o recente aresto daquele Alto Tribunal, de 2012MAI30, tirado no Proc. N.º 0410/12, sufragando, no essencial, posição similar à tomada no acórdão parcialmente transcrito na decisão recorrida.

    - A questão, portanto, está em saber se, no caso, aquela anulação determinada pelo Ac. do STA de 2009JUL08[…], o foi por vício de forma, como julgou a decisão recorrida, ou não.

    […]

    - Ora, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, crê-se que a Mm.ª juiz recorrida fez certeira aplicação do direito aos factos provados, ou seja, no caso, os vícios a que se amparou o Ac. do STA [-a decisão exequenda -] são de natureza formal [...]

    - Mas sendo assim, como se entende dever ser, então, necessariamente se terá de concluir, de acordo com a doutrina do STA, acima aludida, que, no caso, o recorrente não tem direito a exigir o pagamento dos juros indemnizatórios em questão, ao abrigo do art.º 43.º da LGT, uma vez que quando aquela doutrina refere que os vícios do ato anulado, a que é adequada a designação de «erro» estabelecida na lei, «(…) são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito», se não pode deixar de estar a reportar aos pressupostos de facto e de direito que respeitam ao próprio ato, já que só estes implicam «(…) a existência de (…) vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o caráter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado (…)» ou, dito de outra forma», vício substancial por força do qual «(…) a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas (…)», uma vez que só estes permitem concluir que não «(…) estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária (…)».

    […]

    - Aliás, tem-se por evidente que a natureza formal de um vício invalidante de um qualquer ato de liquidação não constitui obstáculo a que o mesmo se traduza num erro sobre os pressupostos de direito, como se crê ser exemplo, a questão da ausência da sua devida fundamentação formal, por insuficiência, obscuridade e contradição, já que consubstanciando, de forma que se tem por pacífica, um vício formal invalidante, não deixa de constituir um erro sobre os pressupostos de direito que a determinam.

    - Por outro lado, decorre, também, do que se referiu antes, que os art.ºs 43.º e 100.º da LGT, nesta dimensão, não afrontam qualquer dos preceitos da CRP invocados pelo recorrente, particularmente o da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, já que como referem os citados arestos do STA e se dá conta na decisão recorrida, o entendimento que sustenta que o recorrente não tem direito a exigir o pagamento dos juros indemnizatórios em questão “Não significa (…) que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por atos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de atos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que preveem a atribuição de juros indemnizatórios.”»

  2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso para apreciação da constitucionalidade dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária, “quando interpretados e aplicados com a dimensão e sentido normativos que lhe foram atribuídos no douto acórdão recorrido, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão judicial […] que anulou, com fundamento «em erro sobre os pressupostos de direito», que constitui vício de violação de lei», a liquidação de uma quantia ilegalmente exigida e mantida na posse da Administração, durante cerca de quinze anos”, por violação das normas e princípios constitucionais consagrados nos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, 20.º, 22.º, 205.º e seguintes e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa (cfr. fls. 242 e 243).

    Admitido o recurso (fls. 244), e subidos os autos a este Tribunal, foi determinada a produção de alegações.

    O recorrente alegou (fls. 251 e ss.), tendo concluído nos seguintes termos:

    A - Da Violação do Princípio da Responsabilidade Civil do Estado

    1ª. O art. 22º da CRP (responsabilidade das entidades públicas) consagra um “direito constitucional imediatamente vinculante e autoexecutivo”, que “transporta regras imediatamente aplicáveis” (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, I Vol., p.p. 426 e segs) — cfr. texto nºs. 1 e 2;

    2ª. O direito fundamental do ora recorrente à reparação dos danos sofridos resulta inquestionável das seguintes razões principais:

    a) O douto Acórdão do STA, de 2009.07.08, após considerar - e bem - que o Regulamento de Taxas e Licenças do Município do Funchal, ao abrigo do qual foi praticado o ato impugnado, padece de inconstitucionalidade formal, por não indicar expressamente as leis que visa regulamentar, e é juridicamente ineficaz, por falta de publicação no Diário da República (v. art. 122º/2 da CRP (92); cfr. art. 119º/2 da CRP (2004), anulou a liquidação e cobrança dos tributos exigidos pelo MF com fundamento “em erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei”;

    b) A referida inconstitucionalidade formal sempre constituiria uma situação de inconstitucionalidade material, ex vi dos arts. 103º/3 e 18º da CRP (v. Cons. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ª ed., Vol. III, p.p. 448-449) - cfr. texto nºs. 3 a 6;

    3ª. Ainda que estivéssemos perante vícios formais, como se decidiu no douto acórdão recorrido - o que não se aceita -, tal facto nunca poderia afastar a responsabilidade civil do Estado (v. art. 22º da CRP) e, consequentemente, a obrigação de pagamento da indemnização destinada a reparar os...

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