Acórdão nº 49/13 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2013

Data22 Janeiro 2013
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 49/2013

Processo n.º 501/2012

  1. Secção

    Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

    Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

    I - Relatório

    1. Nestes autos, vindos do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, o Ministério Público interpôs recurso, para o Tribunal Constitucional, invocando, como fundamento, a recusa de aplicação, por parte do tribunal a quo, do regime normativo decorrente do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 282/2003, de 8 de novembro, em conjugação com a alínea n) do n.º 3 do artigo 27.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro, com fundamento em inconstitucionalidade material.

    2. A presente ação teve início como processo de contraordenação, tendo o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa proferido decisão condenatória.

      Inconformada, a arguida impugnou judicialmente a decisão administrativa contra si proferida, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 14.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 282/2003 de 8 de novembro, em conjugação com a alínea n) do n.º 3 do artigo 27.° dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/2008 de 3 de dezembro - donde resulta a atribuição à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através do seu Departamento de Jogos, da competência para a instrução e apreciação dos processos de contraordenação previstos naquele primeiro diploma legal - com fundamento na violação do direito a um processo equitativo, estabelecido no artigo 20.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

      Por decisão de 28 de maio de 2012, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão julgou procedente o recurso interposto.

      Na fundamentação desta decisão, pode ler-se o seguinte:

      “No presente caso, verificamos que o direito de promover concursos de apostas mútuas é reservado ao Estado, que concedeu à Santa Casa da Misericórdia a sua organização e exploração em regime de exclusivo para todo o território nacional» (cfr. Decreto-Lei n.º 84/85, de 28 de março, republicado em anexo ao Decreto-Lei n° 317/2002, de 27 de dezembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 37/2003, de 6 de março).

      Neste sentido e tendo em vista disciplinar o registo de apostas nos jogos sociais do Estado, o Dec.-Lei n.º 282/2003, de 8 de novembro, estabeleceu no seu artigo 14° que: “Compete à Direção do Departamento de Jogos, no âmbito das suas atribuições, a apreciação e aplicação de coimas ou outras sanções acessórias dos processos de contraordenação que vierem a ser instaurados com vista à aplicação das penalidades previstas no presente decreto-lei.”

      Por sua vez, estabeleceu o artigo 27º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 235/2008 de 03-12: “1. O departamento de jogos (DJ) tem por objeto a exploração dos jogos sociais do Estado e de quaisquer outros jogos autorizados que sejam cometidos à SCML. (…)

    3. Sem prejuízo de exercer as demais competências atribuídas ao departamento por lei e as que lhe sejam delegadas pelo provedor e pela mesa, são, nomeadamente, competências do DJ: (…) c) Explorar os jogos sociais do Estado, designadamente as lotarias e os concursos de prognósticos ou apostas mútuas;

      (..) n) Apreciar os processos de contraordenação que vierem a ser instaurados respeitantes à exploração ilícita de lotarias e apostas mútuas ou outros jogos e atividades similares com vista à aplicação das penalidades previstas na lei. (…)”.

      Verifica-se, pois, a existência de uma coincidência entre a entidade a quem o Estado Português concessionou, com exclusividade para todo o território nacional, a realização [d]os jogos e apostas desportivas e a entidade que fiscaliza e assume poderes sancionatórios para a violação das regras que determinam a concessão.

      Quer isto dizer que a entidade que explora e gere a atividade do jogo, com exclusividade a nível nacional, não tem qualquer autonomia e independência em relação à entidade que detém as funções de fiscalização e sancionamento dessa mesma atividade que envolvem, naturalmente, terceiros, uma vez que são uma e a mesma – o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia.

      Assim, há que concluir (…) que tal coincidência importa a violação do princípio constitucional do direito ao processo equitativo, conforme previsto no artigo 20° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, no sentido único que decorre do artigo 47° da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.

      Face ao exposto, declara-se as normas dos artigos 14°, n.º l do Dec.-Lei n.º 282/2003 de 08-11 em conjugação com a alínea n) do n.º3 do artigo 27° dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 235/2008 de 03-12, como inconstitucionais.

      Tal juízo de inconstitucionalidade implica a absolvição da arguida pelas contraordenações aplicadas nos presentes autos.”

      É esta decisão que consubstancia a decisão recorrida, no presente recurso de constitucionalidade.

    4. Admitido o recurso, o Ministério Público, junto deste Tribunal Constitucional, apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

      “1.ª) O Ministério Público interpôs recurso, obrigatório, da decisão de “folhas 325 a 331 [de 28 de maio de 2012, proferida no processo n.º 362/12.5TFLSB (Recurso de contraordenação), do Tribunal da Concorrência, Regulação e...

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