Acórdão nº 4523/09.8TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução28 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 4523/09.8TBMTS.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, advogada, NIF ………, residente em …, instaurou no Tribunal Judicial de Matosinhos acção judicial contra o C…, S.A.

, NIPC ………, com sede em Lisboa, pedindo a condenação do réu a retirar no imediato o nome da autora da listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco e a pagar, a título de indemnização pelos danos por ofensa ao bom-nome e reputação da autora, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros a contar da citação, bem como a pagar a título de sanção pecuniária compulsória quantia não inferior a € 1.000 por cada dia que a autora continue a figurar indevidamente na listagem.

Para o efeito, alegou que durante determinado período teve, juntamente com o seu ex-marido, uma conta bancária aberta junto do réu, mas deixou de ser titular dessa conta; porém, quando já não era titular da referida conta, o réu comunicou ao Banco de Portugal os dados da autora para inserção na base de Dados de Utilizadores de Risco, o que essa instituição fez, constando o nome da autora nessa base de dados desde 15.6.2009 até ao presente; essa situação provocou danos à autora.

A acção foi contestada, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a alegação de que quando a acção foi instaurada o nome da autora já não constava da base de dados mencionada; a inclusão do seu nome deveu-se a um erro informático dos serviços do réu que manteve a autora como titular da conta quando isso já não se verificava e que levou a que tendo sido devolvido um cheque sacado sobre essa conta e não tendo a situação sido resolvida na sequência da carta enviada para o efeito pelo banco para a morada que constava da abertura de conta o réu haja comunicado ao Banco de Portugal conforme era sua obrigação fazer.

Devidamente tramitada e instruída, a acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando o réu a pagar à autora a indemnização de €4.000.

Do assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação e a autora interpôs recurso subordinado.

O réu terminou as respectivas alegações com as conclusões que se sintetizam do seguinte modo: A] Existem pontos da matéria de facto que foram incorrectamente julgados, designadamente factos que foram julgados provados sem ter sido produzida a correspondente prova.

B] As respostas positivas aos factos n.os 2, 4, 5, 7, 11, 12, 13, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 do elenco da sentença devem ser alteradas no sentido assinalado nas alegações e pelos motivos aí apresentados.

C] Devem ser julgados provados os factos alegados nos artigos 96 e 97 da contestação do réu.

D] Não foram provados os factos constitutivos do direito de indemnização reclamado pela autora.

E] A comunicação ao Banco de Portugal é feita automaticamente sem intervenção humana.

E] A autora não sofreu danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito.

F] Foi a autora que tornou conhecida de terceiros a sua inclusão na listagem.

A autora formulou conclusões do recurso subordinado que se sintetizam do seguinte modo: A] A indemnização fixada na decisão recorrida peca por insuficiência.

B] A justa indemnização dos danos sofridos pela autora deve ser fixada em €25.000,00.

Ambas as partes apresentaram resposta às alegações da parte contrária, defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva as seguintes questões: i) Se a matéria de facto deve ser alterada nos pontos impugnados em virtude de a fixada em 1.ª instância não ter suporte na prova produzida.

ii) Se estão reunidos todos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil, em particular o facto, o dano e o nexo de causalidade.

iii) Estando verificados esses pressupostos, se o valor da indemnização está de acordo com a equidade.

III.

A] impugnação da matéria de facto: O réu apelante começa o seu recurso impugnando a decisão da matéria de facto e requerendo a alteração da decisão de julgar provados os pontos 2, 4, 5, 7, 11, 12, 13, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 da sentença, reclamando ainda que sejam outrossim julgados provados os factos dos artigos 96.º e 97.º da sua contestação.

O recorrente cumpriu os requisitos legais de que, nos termos do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil[1], dependia a admissibilidade da impugnação da matéria de facto (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados; especificação dos concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre esses pontos diversa da recorrida, com indicação com exactidão das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação), pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta parte.

De referir, aliás, que estas exigências parecem mais talhadas para as situações em que o recorrente defende que existem meios de prova nos autos que permitem a prova do contrário ou a contraprova do que foi decidido e não propriamente para a situação, que aqui ocorre, em que o recorrente se limita a questionar a suficiência dos meios de prova atendidos pelo tribunal recorrido para julgar provados os factos objecto da impugnação.

Daí que neste caso pareça suficiente para satisfazer os requisitos legais da impugnação da matéria de facto previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, que o recorrente indique o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação – neste sentido, o Acórdão deste Tribunal de 04.02.2013, in www.dgsi.pt, com argumentos judiciosos que merecem a nossa inteira adesão, e no qual se afirma certeiramente que “o que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca” –.

De referir, também, que a nosso ver, no seguimento da jurisprudência absolutamente maioritária, o objecto da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência ou a racionalidade da fundamentação da decisão de facto do tribunal a quo, mas sim a apreciação e valoração da prova produzida perante o tribunal a quo, cabendo ao Tribunal da Relação o dever de gerar a sua própria convicção através da sua específica análise do valor probatório dos meios de prova produzidos, independentemente da desvantagem da falta de imediação em relação a esses meios de prova que a mera gravação áudio dos depoimentos não permite garantir de todo.

É manifesto que o recorrente não tem razão quanto aos pontos de facto nos. 2 e 4.

Com efeito, se a autora sabia que não tinha passado qualquer cheque que pudesse ter sido devolvido por falta de provisão (se o seu nome não foi inserido na listagem nesta ocasião por qualquer outro banco e a propósito de um acontecimento dessa natureza é de presumir que tal não ocorreu, sendo que o réu também não alegou o contrário) e cuja não regularização pudesse ter levado o banco sacado a comunicar ao Banco de Portugal, não se vê como poderia ela, ou qualquer outra pessoa colocada no seu lugar, deixar de pensar que a inclusão na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco só podia dever-se a lapso (convicção que até estava mesmo correcta) e de ficar perplexa com essa notícia.

A circunstância de um ano antes a autora ter estado inscrita nessa listagem, qualquer que haja sido o motivo para tal, não impede de modo algum a autora de um ano depois estar consciente de não ter praticado qualquer facto que pudesse motivar nova inscrição na listagem e, portanto, de ficar surpreendida e pasmada com a nova inscrição. Assim, não tendo sido produzido qualquer meio de prova que indicie que a autora tivesse praticado por esta altura qualquer outro acto que justificasse a nova inscrição na listagem, bem andou o tribunal recorrido em julgar provados os pontos 2 e 4 com a redacção que lhes deu.

No tocante ao ponto 5, chama a atenção a incongruência em que o recorrente incorre. Em primeiro lugar, porque aceita que se deve julgar provado que a sua funcionária informou que o banco iria “tomar todas as providências para que a situação fosse de imediato resolvida”. Que situação é que iria ser resolvida? Se ela não se apercebeu que havia algo que carecia de ser corrigido porque é que informou que iriam ser adoptadas providências para o resolver? Em segundo lugar porque também aceita que se fez prova do ponto 6 do qual resulta que essa funcionária “transmitiu e precisou à autora, que esta já não era titular de qualquer conta naquela instituição desde 15 de Abril de 2008”. Se não era titular da conta, como poderia ter sacado um cheque e ser responsável pela falta de provisão necessária ao pagamento deste? Dito isto é fácil concluir aquilo que resulta aliás claro do depoimento: a funcionária apercebeu-se de que algo tinha corrido mal, de que a informação que poderia motivar a comunicação padecia de qualquer erro e que ia ser necessário corrigir a situação.

A resposta dada pelo tribunal é, pois, correcta, ainda que de facto não devesse ter abrangido a qualificação do erro como “grave” uma vez que esta adjectivação é puramente conclusiva e se integra na matéria de direito que caberá apreciar na presente acção. Nessa medida, importa declarar não escrito este adjectivo, expurgando a matéria de facto do mesmo.

No ponto 7 a discordância do réu reside apenas em ter sido dado como...

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