Acórdão nº 01460/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução13 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 31 de Julho de 2013, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………………., melhor identificado nos autos, contra despacho que indeferiu pedido de prestação de garantia proferido no âmbito de processo fiscal nº 1546200801105132, em que a executada principal é a sociedade B…………………, Ldª.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «oferecida (sic) pela sociedade comercial “B……………………, Lda.”, nos termos e para o efeito do disposto 169.° e 199.° do CPPT, nos autos executivos n.º 1546200801105132 e seus apensos.

4.2. Entendeu o Tribunal a quo que o despacho reclamado não se encontra devidamente fundamentado relativamente à decisão nele tomada pela Administração Tributária.

4.3. Entendeu o Tribunal “a quo”, que a Administração Tributária não curou de averiguar se, em concreto, a sociedade prestadora da garantia em questão teria um justificado interesse próprio” na prestação de tal garantia, a fim de se aferir se esta cabia — ou não — no âmbito do seu fim social, determinando-se, assim, a capacidade jurídica — ou a sua falta — da sociedade garante, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 6.º do CSC.

Acontece, no entanto, que 4.4. Postula o n.º 1 do artigo 6.º do CSC que “a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”, estabelecendo este n.º 1 o regime regra relativamente à capacidade jurídica das sociedades comerciais.

4.5. Por sua vez, no n.º 3 deste mesmo preceito legal “considera-se contrária ao fim das sociedades a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades... concretizando, assim e pela negativa, o âmbito do fim societário, delimitando a capacidade jurídica das mesmas.

4.6. No entanto, este mesmo n.º 3 estabelece excepções à regra geral relativamente à determinação do fim societário: A prestação de garantias, pessoais ou reais, pela sociedade a terceiros não cabe no âmbito do seu fim societário, “… salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”, casos em que a prestação de garantias pela sociedade a terceiros integra, ainda que de forma mediata, o fim societário desta.

4.7. Assim sendo, a constituição de garantias reais a favor de terceiros, sendo actos tendencialmente a título gratuito, contraria, em principio, a finalidade lucrativa da sociedade e exorbita a sua capacidade de gozo, sendo que a sanção não pode deixar de ser a nulidade do acto.

4.8. Contudo, o legislador admite excepções, concretamente, no caso de haver por parte da sociedade garante “justificado interesse próprio” na prestação da garantia.

4.9. O “justificado interesse próprio” tem que ser apreciado objectivamente ponderada a situação concreta, nomeadamente as vantagens reais ou potenciais que a sociedade garante poderia obter com as garantias prestadas, tratando-se de matéria sujeita a prova sindicável pelos tribunais.

4.10. Julgou o Tribunal “a quo” na decisão ora em crise a Administração Tributária, no despacho reclamado, não diligenciou no sentido de aquilatar acerca dos factos que consubstanciariam — ou não — o “justificado interesse próprio” da sociedade garante, a fim de se aferir se estaríamos — ou não — perante a excepção prevista na segunda parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, concluindo, por isso, pela insuficiência da fundamentação de tal despacho.

4.11. Acontece que a Administração Tributária, in caso, actuou de acordo com o que lhe era exigido, pois a alegação e a prova dos factos que consubstanciam as circunstâncias excepcionais constantes da segunda parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais — concretamente, o justificado interesse próprio da sociedade garante — impendem sobre esta e não sobre a Administração Tributária.

4.12. Sendo a prestação da garantia em questão, no processo de execução fiscal, um direito que assiste ao executado, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 2, da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, podendo ainda esta ser prestada por terceiro, impende sobre o titular desse mesmo o ónus de o invocar e de o provar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

4.13. Não era a Administração Tributária quem tinha o ónus de invocar — muito menos de provar — no que diz respeito ao direito do ora recorrido à prestação da garantia idónea, a verificação das circunstâncias constantes da segunda parte do n.° 3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, o “justificado interesse próprio” da sociedade garante.

4.14. Quando muito, este ónus impenderia, eventualmente, sobre a sociedade garante. Mas nunca sobre a Administração Tributária, que é um terceiro estranho à relação garantistica.

4.15. Nem poderia a Administração Tributária exigir a prova dos factos que evidenciam as circunstâncias constantes na segunda parte do n.º 3 do artigo 6.° do Código das Sociedades Comerciais, sob pena de imiscuir ilegitimamente na esfera privada da sociedade prestadora da garantia.

4.16. Facto alegado — e provados nos autos — com que a Administração Tributária se deparou foi o oferecimento de uma hipoteca sobre um imóvel propriedade de uma sociedade comercial estranha à relação tributária em questão.

4.17. Perante este facto a Administração Tributária apenas fez a subsunção do facto em questão ao direito, retirando — e bem, salvo melhor entendimento — as consequências jurídicas constantes no despacho entretanto reclamado, ou seja, a Administração Tributária aplicou a regra geral, constante da primeira parte do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, no que à questão diz respeito.

4.18. Assim sendo, pelo exposto, e salvo sempre melhor entendimento, o despacho em questão encontra-se, para o efeito, suficientemente fundamentado, nele se perfilhando a solução correcta e devida.

4.19. O Ilustre Tribunal “a quo”, ao decidir conforme os termos constantes na sentença ora em crise fez, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 169.° e 199.° do CPPT, bem como do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.» 2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação: «Recurso interposto pela Fazenda Pública, no processo em que é reclamante A………………..: 1. Sendo que a 1.ª conclusão de recurso resulta ininteligível, tal não impede que sejam consideradas as seguintes questões como controvertidas em face das demais: - se impendia sobre o dito reclamante que ofereceu hipoteca para garantia da dívida na execução fiscal n.º 1546200801105132 e seus apensos, prestada pela sociedade comercial estranha à relação tributária em causa, o ónus da prova da existência por parte desta do “justificado interesse próprio” previsto na segunda parte do n.º 3 do art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), o que se defende com base no disposto no n.º 1 do art. 74.º da L.G.T..

- se, com base no previsto na dita disposição do C.S.C., interpretada em conjugação com o seu n.º 1, é de entender que não existe falta de fundamentação no despacho em reclamação que indeferiu a prestação dessa garantia, nos artigos 169.º e 199.º do C.P.P,T., segundo a regra geral.

  1. Emitindo parecer: 2.1. Segundo se fundamentou no despacho em reclamação, esta regra seria a da nulidade com base na falta de capacidade da sociedade para a prática do acto, e por aplicação do disposto no art. 294.º do C. Civil, regra essa que, segundo o recurso interposto se admite ter excepções, nomeadamente, em face do “justificado interesse próprio” da própria sociedade garante, por aplicação do previsto na segunda parte do n.º3 do art. 6.º do C.S.C..

    Contudo, afigura-se muito discutível que este último possa ser de considerar como um ónus a preencher pelo executado/reclamante.

    Com efeito, foi consagrada uma solução inspirada pelo direito comunitário, segundo a consequência da falta de capacidade quanto aos actos praticados pelas sociedades, não é aplicável a terceiros, segundo o previsto ainda no n.º 4 do art. 6.º do C.S.C., que, aliás, teve origem em directiva comunitária (cfr. Raul Ventura, adaptação do direito português à 1.ª directiva do Conselho da CEE sobre direitos das sociedades em ed. do B.M.J. Documentação e Direito comparado n.º 2, pontos 16 a 20 e Brito Correia em Direito Comercial, 2º. Vol., ed. A.A.F.D.L. 1989, p. 250 e 251).

    Segundo a jurisprudência, no acaso de prestação de prestação de garantia de dívida de terceiro por parte de uma sociedade não existe uma incapacidade absoluta da mesma praticar um tal acto (Ac. de 17-9-09 no proc.267/09.9 YFLSB.S1, com sumário que consta em www.dgsi.pt).

    Segundo a doutrina, para uns autores, seria de verificar tal em consonância com o objecto social, resultando o mesmo preenchido acordo com o que se encontre previsto no pacto social. Para outros, corresponderá o mesmo à existência de um interesse...

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