Acórdão nº 1410/05.2TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução29 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU instauraram uma acção contra VV, Lda., pedindo a sua condenação. a reconhecer que “são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a R. indevidamente construiu a cozinha”, a “repor o espaço como se encontrava quando o ocupou”, “a restituir aos AA o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens”, “a remover o toldo da fachada principal, por exceder o espaço arrendado”, “a remover o reclame luminoso junto do 1º andar” e “a indemnizar os AA, caso lhes seja indeferido o pedido de subsídio camarário para obras no prédio, devido às obras efectuadas pela R., no valor que deixarem de receber”, a liquidar “se não for quantificável”.

Para o efeito, e em síntese, os autores alegaram que os réus, arrendatários de uma fracção autónoma de que são proprietários, construíram uma cozinha num barracão não abrangido pelo arrendamento, ocupando terreno de que são proprietários e realizando obras ilegais.

A ré contestou, sustentando que toda a área ocupada faz parte do arrendamento.

Após diversas vicissitudes, a acção foi julgada totalmente improcedente, pela sentença de fls. 339, da qual se salienta o seguinte: «Os A.A. pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o barracão utilizado pela R. actualmente como cozinha, e que antes era usado para guardar pipas de vinho., e fazer petiscos e a condenação da R. na sua entrega com base na falta de legitimidade para manter a ocupação.

(…) A presente acção configura uma acção de reivindicação. (…) Em causa requerem os A.A. a restituição e entrega de um barracão (…). E para tal importa equacionar a propriedade do barracão em apreço e analisar se este é usado (ou sobre o mesmo exercido algum acto de posse) por quem não tem um direito que lhe permita assim agir.

Desde logo, a propriedade do imóvel encontra-se registada a favor dos AA, beneficiando assim estes da presunção que o registo lhes confere. Tal presunção, ilidível, não foi afastada, pois é pacífico que a propriedade pertence aos AA, e onde as dúvidas se colocam é a nível do arrendamento e sua extensão. Surge assim como inegável a propriedade do barracão por parte dos A. A..

Importa agora equacionar a ocupação deste por parte da R. e concluir se a mesma é lícita.

(…) Destarte, o que ficou demonstrado foi que a R. tem um contrato de arrendamento outorgado que lhe permitia a posse sobre o locado. Discute-se apenas se o "locado" abrange o referido barracão.

De forma directa não se provou que abranja, nem que deixe de abranger o barracão. Não se provou que fosse por mera tolerância dos AA, nem que tivesse sido acordado que o arrendamento o abrangia. Mas provou-se que a R. passou a utilizar o barracão desde a data do arrendamento sem oposição de ninguém, ou seja, que o faz desde 1959, que por volta de 1980 aí instalou uma cozinha, e para tanto fez obras que todos os AA assistiram.

Apenas em 2003 surge a primeira reacção de oposição da parte dos AA com a interposição da acção de despejo, ou seja, decorridos mais de 23 anos sobre a data da mudança, e mais de trinta anos sobre a utilização do barracão.

E estes factos falam por si mesmos. Pois que tipo de ocupação pode existir quando surge acompanhada de um arrendamento (de um espaço ao lado), sem que exista oposição durante mais de 30 anos, mesmo quando os senhorios e arrendatários vão mudando?! É que note-se que os aqui AA não foram os senhorios originais, e a actual R. foi antes pertença de sócios que já o não são. Que tipo de ocupação, repete-se, pode existir durante mais de 30 anos? É razoável existir "mera tolerância" para ocupação de 20 metros quadrados de barracão mas arrendamento para a restante área, muito maior e que integra o restaurante?! E é razoável que se existisse "mera tolerância" esta se manteria não obstante a mudança de titulares e durante 34 anos após a ocupação, e 23 anos após a transformação em cozinha?! É razoável que possa existir arrendamento de um espaço que acaba no barracão, ao qual não se pode aceder senão pelo restaurante arrendado, mas que não inclua esse barracão? É razoável que se arrende tudo, todo um espaço, deixando de fora um barracão ao qual não se consegue aceder senão pelo espaço arrendado?! Naturalmente que não.

E por todo o exposto, as regras da experiência comum determinam que a única explicação possível para uma ocupação de um espaço ao qual só se acede pelo locado, sem oposição de ninguém durante décadas, e depois de instalada uma cozinha durante 13 anos, reside no facto de esse mesmo espaço ter sido arrendado juntamente com o resto do locado.

Não há pois dúvida que a posse da R. desde essa data foi titulada, tendo direito a manter-se no locado e no barracão. Não resta assim senão julgar neste tocante a presente acção improcedente.

Por outro lado, peticionam os AA a condenação da R. a remover quer o toldo, quer o reclame luminoso. Porém quanto a isso nada se provou. E nessa medida, nesse tocante também aqui tem de improceder a presente acção.

Por fim, pedem os AA uma indemnização para o caso de ser indeferido o pedido de subsídio camarário para obras no prédio. Porém, o que se provou resulta no facto de o barracão e outros factores, alheios à A., impedirem a atribuição de subsídios camarários. Assim, isto significa que por um lado, o que impede a atribuição de subsídios são factos pelos quais a R. não pode ser responsabilizada. Por outro, e no que concerne ao barracão, uma vez que foram os AA que anuíram que fosse usado pela R. não pode igualmente esta ser responsabilizada por prejuízos que tal lhe possa causar, mas que foi dado causa por eles próprios.

E assim sendo, improcede igualmente tal pretensão.» Mas a sentença foi revogada, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 420, que condenou a ré “a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do espaço ocupado pelo barracão e onde a Ré construiu a cozinha; a repor esse espaço no estado em que o mesmo se encontrava quando a Ré o ocupou; restituir aos Autores o espaço em causa, livre e desocupado de pessoas e bens.”. Em síntese, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, tendo sido respondido negativamente ao quesito 8º [“… e (…) quando do escrito indicado em N) e O) (a escritura de arrendamento) as partes acordaram que o arrendamento abrangia o espaço relativo ao barracão indicado em S)?”], não podia a sentença ter concluído pela “inclusão do barracão ulteriormente convertido em cozinha no objecto do referido arrendamento, fazendo apelo, para tanto, a presunções judiciais”: «Por isso, não obstante as referências contidas na sentença à admissibilidade da "prova" por presunção, nesse momento, na sentença, já não podia extrair-se o facto desconhecido (a inclusão do espaço físico correspondente ao barracão ulteriormente convertido em cozinha no objecto do contrato de arrendamento celebrado em 27/2/1959) recorrendo a presunções (a que o tribunal podia recorrer – e devia, sendo caso disso – aquando da decisão sobre a matéria de facto, até porque muitos dos considerandos na motivação expostos assentam nas regras da vida e da experiência).

(…) Consequentemente, a dúvida sobre a inclusão (ou não) no objecto do arrendamento em vigor desde 1/3/1959 do aludido...

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