Acórdão nº 582/10.9TAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução06 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal “

  1. ABSOLVER o arguido A...

    da prática, em autoria material e na forma consumada, de quatro crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180°, n.º 1, 183°, n.º 1, al. a) e 184°, por referência ao artigo 132°, n.º 2, al. 1), todos do Cód. Penal.

  2. ABSOLVER o demandado civil A... dos pedidos de indemnização civil contra si formulados pelos demandantes civis B...e C...

    .” Inconformados com o decidido, B...e C..., assistentes/demandantes, interpuseram recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1. Face à prova produzida, designadamente testemunhal e documental, o tacto constante da al. AD) dos Factos Provados não podia dar-se como provado.

    1. Relativamente às expressões contidas na carta enviada pelo Assistente B...ao Arguido, junta a tis. 220 a 223 dos autos, atento o teor literal das mesmas, conjugado com a demais prova produzida nos autos, mormente testemunhal, não vislumbram os Recorrentes de que modo pode concluir-se que, de entre os possíveis sentidos e alcances que possam decorrer das palavras do Assistente B..., seja de assumir, como plausível, retirar-se uma putativa ameaça contra a própria vida do Arguido.

    2. Certo é que o Tribunal a quo reconhece reiteradamente não pretender sequer colocar em causa que o Assistente B...não é nem nunca foi pessoa suspeita de alguma vez ter agredido alguém fisicamente ou atentado contra a vida de outrem, fundamentando-se na prova testemunhal que, sobre este concreto aspecto, foi produzida.

    3. Ao invés do que perpassa da douta sentença recorrida, não podem, porém, os Recorrentes subscrever o entendimento segundo o qual seria legítimo ao Arguido pensar que pudesse estar sob ameaça de sofrer algum tipo de agressão física perpetrada pelo Assistente B...(pelo próprio ou sob instruções suas), designadamente atentatória da própria vida! 5. As únicas "consequências" plausíveis e possíveis a que alude a dita carta apenas poderiam ser aquelas que, com conhecimento directo dos contornos das interacções e relações existentes entre Assistentes e Arguido, apontaram quase todas as testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento - conforme bem observa o Tribunal a quo na douta sentença: consequências políticas, consequências institucionais e consequências judiciais.

    4. Tal era o percurso que, sem desvios, sempre trilhavam os Assistentes. Inexistindo, ademais, qualquer indício que permitisse ao Arguido sequer suspeitar que fosse o mesmo preterido, em prol de uma qualquer "solução justiceira", a aplicar pelas próprias mãos do Assistente B...ou por alguém a seu pedido.

    5. Mais: o próprio Arguido, nas declarações que prestou, embora tenha referido ter receado sofrer algum tipo de represália por parte do Assistente B..., a verdade é que assumiu expressamente que nunca sentiu uma real ameaça por parte deste, face ao teor da carta em apreço.

    6. Não podem, pois, os Recorrentes aceitar que seja dado como provado o facto constante da al. AD) meramente com base no sentimento que o Arguido diz ter experimentado, na sequência e por causa do teor de uma comunicação que recebeu do Assistente B..., cujo teor consta dos autos, reforçado por um "ouvir dizer" a outrem, cujas declarações não sequer foram tomadas em Audiência de Julgamento.

    7. De facto, e quando prestou, à comunicação social, as declarações que constam dos autos, o Arguido tê-lo-á feito sem prévio aconselhamento, "a quente", como sói dizer-se, pelo que posteriormente competiu à defesa engendrar esta justificação para a sua conduta, estribada no pretenso receio que alega ter sentido o qual, já se disse e demonstrou, não é real.

    8. Aliás, e acaso receasse mesmo qualquer tipo de agressão física por parte ou a mando do Assistente B..., mal se compreenderia, porque manifestamente contrário às regras da experiência, que o Arguido propalasse publicamente que o considerava um criminoso! Seria um verdadeiro contra-senso.

    9. Por outro lado, e muito embora, na douta sentença, seja igualmente invocado o depoimento da testemunha E...

      para reforçar a existência de, pelo menos, rumores quanto à amizade do Assistente B...com indivíduos de etnia cigana, alegadamente disponíveis para, a seu pedido, exercerem algum tipo de violência contra o Arguido, cumpre sublinhar que a mesma apenas revela conhecimento de tais boatos ou rumores (e nada mais do que isso) daquilo que diz ter "ouvido dizer", de forma vaga e não concretizada, sem que tenha conseguido apontar efectivamente quem lhe falara de semelhante eventualidade, para além do Arguido.

    10. Mas mais: entende o Tribunal a quo, conforme resulta da douta motivação da sentença, que é legítimo especular-se que, caso tivessem sido ouvidas mais testemunhas da "facção" do Arguido, para além da testemunha E..., também viriam provavelmente sustentar a tese do Arguido, nesta parte.

    11. Não sem antes, porém, referir que tanto os Assistentes, como todas as testemunhas arroladas pela acusação e pelo pedido de indemnização civil escamotearam a existência de tais rumores e afirmações por parte do Assistente B....   14. Acresce que, para fundamentar o tal alegado receio ou temor, o Arguido invoca o conhecimento, à data dos factos, de relatório de perícia psiquiátrica médico-legal, no qual, segundo afirmou, o Assistente B...era descrito como «uma pessoa muito quezilenta, uma pessoa que não respeitava as chefias, que não aceitava a autoridade», e, bem assim, no facto de o Assistente B...estar, à data dos factos, de baixa médica psiquiátrica.

    12. Quanto a este argumento, porém, consta dos autos prova documental (fls. 847 a 860) que infirma objectivamente estas declarações do Arguido.

    13. O relatório de Perícia Médico-Legal a que foi submetido o Assistente B...em é cronologicamente muito posterior à recepção da carta que o Arguido reputa de ameaçadora e que juntou aos autos a fls. 220 e seguintes, recebida quase um ano antes da elaboração do referido relatório de perícia médico-legal.

    14. O período de baixa médica psiquiátrica do Assistente B...apenas teve o seu início cerca de 4 meses após a recepção pelo Arguido da carta supra referida, constante de fls. 220 e seguintes dos autos.

    15. Os restantes relatórios clínicos de psiquiatria juntos aos autos são posteriores à prestação das declarações do Arguido à comunicação social em causa nos presentes autos.

    16. Ou seja, se há coisa que a referida prova documental permite concluir é que a condição psiquiátrica do Assistente B...não pôde ser causa do receio que o Arguido diz ter sentido, porque era do mesmo desconhecida, à data dos factos.

    17. Tal condição psiquiátrica antes pode, muito pelo contrário, resultar ou, pelo menos, ter-se adensado por causa e na sequência das declarações que publicamente, a órgãos de comunicação social, foram pelo Arguido prestadas, acerca do Assistente B...!   28. Com as declarações que prestou a respeito dos crimes e demais ilícitos cujo cometimento imputa aos Assistentes, o Arguido não pretendeu apenas expressar aquele que é o seu entendimento e opinião sobre a questão, como resulta da motivação douta sentença.

    18. Na verdade, tendo já o Arguido, à data dos factos, conhecimento do despacho de arquivamento que, no termo do inquérito, tinha sido proferido pelo Ministério Público, quanto aos crimes que imputa, nas suas declarações, aos Assistentes – alínea. M) dos Factos Provados - tal conhecimento conformou a sua conduta.

    19. Uma vez que, em sede própria, no processo crime movido contra os Assistentes, fora proferido despacho de arquivamento, no termo do inquérito, entendeu o Arguido por bem vir tomar a seu cargo a incumbência de repor a (sua) justiça e vir a público contradizer o teor do mesmo e reafirmar o seu próprio entendimento dos factos: que os Assistentes, não obstante o despacho de arquivamento (que era já do seu conhecimento), tinham efectivamente cometido os crimes que o Arguido entendia serem-lhes imputáveis.

    20. Das declarações que prestou à comunicação social, transcritas nos autos e parcialmente transpostas no douto libelo acusatório e nas als. E) a H) dos Factos Provados, resulta inequivocamente a imputação categórica, aos Assistentes, dos crimes e demais condutas ilícitas que o Arguido lhes assaca, em lado nenhum se vislumbrando uma modesta manifestação de opinião divergente da vertida no despacho de arquivamento referido em B) e M) dos Factos Provados.

    21. Mais resulta da sentença recorrida que há reconhecidamente um clima de extrema conflitualidade entre Arguido e Assistentes, tanto mais que, para além dos factos objecto dos presentes autos, existem numerosas outras querelas e processos judiciais e disciplinares que opõe os aqui Arguido e Assistentes, as quais existiam já à data dos factos.

    22. Ora, se, por um lado, os Assistentes, por divergirem ideologicamente do Arguido, o questionavam amiúde, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da (...)da Guarda, sobre as suas opções, tomadas de posição e deliberações - e o faziam sem recurso a qualquer tipo de ameaça ou sob pena de represália, mas perante o próprio e entidades públicas, judiciais e administrativas, 34. Por outro lado, o Arguido, ainda na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, para além de, detentor do ius puniendi em sede disciplinar, os ter sancionado pesadamente [veja-se, designadamente, a ai. C) dos factos provados], não se coibiu de publicamente os catalogar como "gente de má índole", aos quais não conviria os demais funcionários da (...)da Guarda verem-se associados.

    23. E nesta qualidade - de funcionários da (...)da Guarda - foram as testemunhas F... e G... advertidos pelo Arguido, então Presidente do Conselho de Administração daquela ULS, para que não mantivessem relações com os Assistentes, sob pena de sofrerem consequências indesejáveis.

    24. Com a conduta que assumiu, e sobre a qual incidem os presentes autos, o Arguido alargou consideravelmente o seu raio de acção, extravasando o...

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