Acórdão nº 5615/09.9T2OVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução10 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 5615/09.9T2OVR-A.P1– 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 99) Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO B…, por apenso a processo executivo para pagamento de quantia certa movida por “C…, Ldª” contra D…, invocando o disposto no artº 351º, ex vi artº 359º, do CPC, apresentou-se a deduzir embargos de terceiro (preventivos), pedindo que seja “suspensa a execução e decretada ilícita, por inadmissível, a ordem de penhora do recheio da casa da embargante.” Alegou, para tanto, no capítulo “Dos factos”, em síntese, que: -“… tomou conhecimento, de ter sido requerida, pela exequente, a penhora de bens móveis na morada sita à Avenida 25 de Abril….”; -tal morada é a da embargante; -“Todos os bens móveis existentes naquela morada são propriedade exclusiva da embargante, que os comprou pagando o seu preço, nomeadamente eletrodomésticos e, equipamentos de cozinha, mobiliário e outros”; -“Do que decorre ser a embargante proprietária dos bens que integram o recheio do imóvel sito à morada…”; -“…foi abordada no seu domicílio, pelo Agente de Execução […] com vista à execução da penhora com remoção dos bens moveis ali existentes”.

E, no capítulo “Do Direito”, que: -“Do exposto decorre que a penhora efectuada sobre os bens que compõem o recheio da casa da embargante ofende manifestamente a posse e o direito de propriedade da embargante.” Juntou dois documentos relativos a consumos de energia eléctrica e água, ambos em nome da embargante e mencionando como local de consumo e morada a por ela alegada. Protestou juntar mais dois, que não identificou.

Perante isto, o Mº Juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho: “Nestes autos de embargos de terceiro, e no que se refere aos bens móveis penhorados nos autos principais de execução, a Embargante funda a acção apenas na alegação da titularidade do direito de propriedade sobre aqueles bens (cfr. arts. 9.º e 10.º da petição inicial) sem invocar o título de aquisição, sem aduzir factos que interessam à aquisição do domínio pela Embargante e, mais importante ainda, sem alegar factos que pudessem consubstanciar a sua qualidade de possuidora dos referidos bens.

Tratando-se, como se trata, de uma acção possessória, a causa de pedir consiste no facto concreto de que emerge o direito que se pretende fazer valer (art. 498.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil). Porém, e como se disse, a Embargante instaurou a acção sem aduzir factos que interessam à aquisição do domínio e sem alegar factos que pudessem consubstanciar a sua qualidade de possuidor sobre os referidos bens, tendo-se limitado a alegar que “ os comprou pagando o seu preço”. Ou seja, a Embargante apenas designa a causa genérica da acção.

No entanto, como ensina o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 353), tem acolhimento no nosso direito processual civil a teoria da substanciação, como resulta do citado artigo 498.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil. Segundo esta teoria, o autor deverá especificar o acto ou facto jurídico de que se pretende fazer derivar o direito.

Por isso, não basta alegar que os bens penhorados lhe pertencem. Tem de expor e provar “os factos concretos em que se funda esse direito, os factos materiais que sejam suficientes para caracterizar e especificar a causa de pedir” (ob. cit., pág. 354), a qual, por seu lado, vai servir ainda para delimitar o âmbito do caso julgado.

De acordo com o princípio do dispositivo cabe às partes alegar os factos principais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (art. 264.º, n.º 1, e 467, n.º 1, al. d), ambos do Cód. Proc. Civil), de acordo, ainda, com a repartição do ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, do Código Civil.

Por outro lado, não pode convidar-se a Embargante, ao abrigo do disposto no art. 508.º n.ºs 1, al. b), e 3 do Cód. Proc. Civil, a preencher os elementos de facto que interessam à causa de pedir, pois a lei processual civil não legitima a substituição do juiz relativamente aos encargos que aquele princípio faz recair sobre as partes, designadamente, sobre o autor, no que respeita à conformação do objecto do processo (princípio da auto responsabilidade das partes).

Na verdade, uma coisa é a petição ser deficiente, por não conter todos os factos essenciais de que depende a procedência da acção ou por se apresentar articulada de forma incorrecta ou defeituosa. Coisa bem diferente é a falta de alegação dos factos necessários para que a pretensão possa ser julgada procedente.

Na primeira hipótese, a reforma de processo civil de 1995/1996 permite que o tribunal, na fase do pré-saneador, convide o autor a suprir as insuficiências na exposição da matéria de facto (arts. 508.º, n.ºs 1, al. b), e 3, 508.º-A, n.º 1, al. c), 787.º, n.º 1 e 357.º, todos do Cód. Proc. Civil).

No outro caso, existe uma nulidade absoluta afectando todo o processo e conduzindo à absolvição do réu da instância (art. 288.º, n.º 1, al. b), do mesmo código).

Atenta a gravidade resultante da nulidade de todo o processo, esta sanção só será de aplicar naqueles casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstractas, não alegando os requisitos legais e fundamentais da causa de pedir, de forma que não seja possível averiguar qual a relação jurídica subjacente ao litígio, sem prejuízo do disposto no art. 193.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.

Assim, não tendo a Embargante individualizado, conforme lhe competia, os factos materiais concretos tradutores da posse sobre os indicados bens móveis, considera-se a petição inepta (artigo 193.º/2, a) do Cód. Proc. Civil), ineptidão que consubstancia uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 202.º e 206.º, n.º 2, aplicáveis ex vi do art. 463.º, n.º 1, arts. 493.º, 494.º/b) e 495.º, e ainda arts. 787.º, n.º 1 e 357.º, n.º 1, todos do mesmo código), e que aqui se declara.

Termos em que declaro nulo o processado, por ineptidão da petição inicial decorrente da falta de causa de pedir e, consequentemente, absolvo os embargados da instância (arts. 288.º, n.º 1, al. b), 493.º, 2 e 494.º, al. b) todos do mesmo Código).

Custas pela Embargante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).” Inconformada, a embargante apela para esta Relação, apresentando como “conclusões” os trinta e nove parágrafos repetidos e agora numerados das suas alegações, em ostensivo desrespeito do ónus cominado antes no artº 685º-A, nº 1, e agora no artº 639º, nº 1, do CPC[1], do teor seguinte: “1. A recorrente deduziu contra os recorridos embargos de terceiro preventivos, em virtude de diligência de penhora, realizada no âmbito dos autos principais de execução, que recaiu sobre o recheio do imóvel no qual reside e é proprietária, sito na …, …, nº ., .º Esq., …, ….-… Ílhavo.

  1. Por conseguinte, peticionou a sustação da penhora em virtude de direito incompatível com aquele acto, in casu, o direito de propriedade dos bens móveis da recorrente que integram o recheio da casa da qual é, igualmente, proprietária.

  2. Alegou a recorrente que é proprietária do imóvel sobre o qual incidiu a ordem de penhora, fazendo daquela morada a sua residência habitual, ali pernoitando, tomando refeições, recebendo correspondência e recebendo familiares/amigos.

  3. O Tribunal a quo, como se constata da Sentença (despacho de indeferimento liminar) de fls., declarou nulo o processado, por ineptidão da petição inicial decorrente da falta de causa de pedir, absolvendo os recorridos da instância.

  4. Ora, considerando todos os factos e elementos probatórios constantes dos autos e ao dispor do douto Tribunal a quo, revela-se manifestamente erróneo e incoerente o julgamento da matéria de direito feito na sentença (despacho de indeferimento liminar), impondo-se e justificando-se, nesta sede, a sua alteração.

  5. O Tribunal a quo considerou que a recorrente não alegou factos que consubstanciassem a posse dos bens móveis que integram o recheio da sua casa.

  6. Salvo melhor entendimento, não pode a recorrente partilhar de tal entendimento.

  7. Nos termos do artigo 1251º do Código Civil, a posse é «o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».

  8. Por sua vez, o artigo 1263º, al. a) do...

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