Acórdão nº 10171/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | CRISTINA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2013 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
A..., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O ora Recorrente apresentou um requerimento de providência cautelar na medida em que se considera que o acto suspendendo padece de anulabilidade, em suma, pelos seguintes motivos: (i) Preterição da audiência prévia; (ii) Erro (grosseiro) nos pressupostos de facto e de direito e violação dos princípios da proporcionalidade e da materialidade subjacente; (iii) Violação do dever de adjudicação subsidiária.
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No que diz respeito ao vício resultante da preterição da audiência prévia importa referir que o direito de audiência é uma particular manifestação do princípio da participação na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, consagrado constitucionalmente no n.° 4 do artigo 267º da Constituição e em várias disposições da infraconstitucionais, sendo que ao procedimento de Compra Pública Limitada n.° 48 1718 12 é aplicável, designadamente, nos termos da alínea a) do n.° 6 do CCP, as "normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo" (artigo 100.° e seguintes), entre as quais, como referido, o direito à audiência prévia dos interessados.
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Em momento algum o concorrente A…, ora Recorrente, foi notificado da intenção do Requerido, ora Recorrido, de excluir a sua proposta pelos motivos expostos na decisão de adjudicação datada de 29 de janeiro de 2013, a qual se limitou, em termos absolutamente acríticos, a aderir à argumentação apresentada pelo concorrente A… na sua impugnação administrativa.
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Por outro lado, a notificação do ofício da Vogal do Conselho de Administração do B..., datado de 14 de janeiro, praticado ao abrigo do artigo 273.° do CCP, não teve como efeito cumprir o propósito da audiência prévia no procedimento em questão, mas tão somente dar cumprimento ao preceituado no artigo 273.° do CCP, isto porque do ofício da Vogal do Conselho de Administração do B..., de 14 de janeiro, não consta qualquer intenção de exclusão da proposta do concorrente A…, tendo o ora Recorrente apenas sido notificado para "apresentar as cédulas profissionais dos médicos propostos".
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Deste modo, seguindo o entendimento da doutrina e jurisprudência administrativas dominantes, o ato de exclusão da proposta do concorrente A… padece de vício de forma, sendo, por isso, anulável, nos termos do artigo 135.° do CPA, sem prejuízo de alguma doutrina considerar que a audiência prévia deverá antes ser perspectivada como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, porquanto a sua preterição dará origem ao mais grave dos desvalores, a nulidade, nos termos do artigo 133.°, n.° 2, alínea d), do CPA.
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Finalmente, ainda quanto a este vício, cumpre notar o seguinte: mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se aderir-se à tese sustentada pelo Tribunal a quo, de que "à Requerente foi facultada a possibilidade de se pronunciar sobre a prestação de falsas declarações, tendo a Requerente apresentado pronúncia", sempre se dirá que a tal argumentação se encontra implícita a invocação (judicial e não administrativa) da causa justificativa da dispensa de audiência prévia prevista na alínea a) do n.° 3 do artigo 103.° do CPA, sendo que o recurso a tal fundamento de dispensa de audiência prévia não prescinde de um expresso (e prévio) ato de dispensa dessa formalidade procedimental, o qual, tanto quanto se sabe (pois não foi o ora Recorrente notificado de qualquer ato com esse teor), nunca chegou a ser praticado.
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No que diz respeito ao vício de erro (grosseiro) nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios da proporcionalidade e da materialidade subjacente, diga-se que proposta do ora Recorrente terá sido excluída com base no primeiro dos argumentos aduzidos pelo concorrente A… na sua impugnação administrativa, a saber, o facto de a equipa de 12 médicos neurorradiologistas do concorrente A… incluir dois médicos que não se encontram inscritos no Colégio de Neurorradiologia (Dra. C...e D...e Dr. E...).
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As peças procedimentais exigem, designadamente, 10 médicos Neurroradiologistas (cfr. artigo 2.°, n.° 4.1, alínea d), in fine, das "Disposições Técnicas" do Caderno de Encargos), sendo que o número de médicos que os concorrentes declararam nas propostas afectar à prestação do serviço não era objecto de avaliação; apenas os aspectos indicados no Anexo II ao Programa do Procedimento o eram e nem sequer era motivo de desempate em caso de igualdade pontual na avaliação; apenas os aspectos indicados no n.° 2 do artigo 9.° do Programa do Concurso o eram.
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O concorrente A… respeitou integralmente as exigências quer do Caderno de Encargos quer do Programa do Procedimento, tendo indicado o Director técnico/clínico, o médico responsável pela área de radiologia de corpo, o médico responsável pela área de neurorradiologia, bem como identificou todos os médicos radiologistas e neurorradiologistas propostos, por ser essa a sua interpretação da exigência das peças procedimentais.
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Em conformidade, o concorrente IMI apresentou a declaração a que se refere a alínea c) do n.° 1 do artigo 5.° do Programa do Procedimento e, pela análise da mesma, constata-se que o A… cumpre inequivocamente as exigências do artigo 2° do Caderno de Encargos, ao ter apresentado um total de 25 médicos, dos quais 13 na área de Radiodiagnóstico e 12 da área de Neurorradiologia, sendo certo que a exigência era de pelo menos 10 médicos na área de radiodiagnóstico e 10 médicos na área de Neurorradiologia.
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Efectivamente, a proposta do ora Recorrente cumpria rigorosamente o exigido nas peças procedimentais, ao ter apresentado o número de médicos exigido para a área da Neurorradiologia, mesmo que o Recorrido não quisesse considerar, o que não se concede, a Dra. C...e D...e o Dr. E....
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O Tribunal a quo teve, aliás, e muito bem, o mesmo entendimento, ao referir que tal exigência se encontrava cumprida na proposta do concorrente A… e que, por esse motivo, a proposta não deveria ter sido excluída com esse fundamento... apesar de não ter retirado de tal afirmação a devida consequência que passava pela concessão da providência requerida.
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Por outro lado, constata-se que, pela sua extensa e relevante prática clinica, a Dra. C...e D...e do Dr. E... são verdadeiros médicos especializados nesta área da Radiologia que é a Neurorradiologia e considerados especialistas na mesma.
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Ora, o erro nos pressupostos de facto e de direito do ato suspendendo é, só com o que se acaba de expor, por demais manifesto, o que gera a anulabilidade do mesmo.
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A decisão de exclusão da proposta da ora Recorrente pelo motivo indicado violou igualmente o princípio da boa-fé, na sua vertente da primazia da materialidade subjacente, o qual requer que o exercício de posições jurídicas se processe em termos de verdade material, impondo-se uma ponderação substancial dos valores em jogo, sendo ainda flagrantemente desproporcional porquanto violadora do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da necessidade.
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Face aos vícios invocados ao ato de exclusão da proposta do concorrente A…, ao ter indevidamente adjudicado a proposta do 3.° classificado, o concorrente A…, em vez da proposta do IMI, 2.° classificado, na sequência da caducidade da adjudicação o ora Recorrido, violou o seu "dever de adjudicação subsidiária" (cfr. expressão de RÁMON PARADA), expressamente previsto no n.° 2 do artigo 42.° do Regulamento Interno de Contratação de Bens e Serviços do B....
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Face ao acima exposto, é manifesto que devia o Tribunal a quo ter deferido o presente processo cautelar, na medida em que se afigura evidente a procedência da pretensão formulada, sem que para tal seja necessário um esforço de apreciação não meramente perfunctório, como se exige nos termos do artigo 120.°, n.° 1, alínea a), do CPTA.
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Ainda assim, para o caso de não proceder o invocado do regime da alínea a) do n.° 1 do artigo 120.° do CPTA, o que, sem conceder, apenas por mero dever de patrocínio se admite, impõe-se demonstrar, nos termos do n.° 6 do artigo 132.° do mesmo Código, que os danos que resultariam da não adopção da providência são superiores aos prejuízos para o interesse público que podem resultar da sua adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências.
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Desde logo, a suspensão do ato e do eventual contrato já praticado não acarretaria qualquer prejuízo para os interesses do Recorrido, porquanto a prestação dos serviços já se encontra - e continuaria - a ser prestada pelo ora Recorrente.
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Por outro lado, os efeitos decorrentes para o Recorrente de uma eventual improcedência da providência requerida seriam muitíssimo significativos.
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Desde logo porque o próprio fundamento de exclusão da proposta do ora Recorrente (a saber, prestação culposa de falsas declarações), é altamente atentatório da imagem pública do A…, uma instituição privada de referência na área da Imagiologia e Radiodiagnóstico com mais de duas décadas de existência.
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Ao que acresce que o A… conta nos seus quadros com técnicos altamente diferenciados, entre os quais os indicados na proposta apresentada no procedimento de Compra Pública Limitada n.° 48 1718, sendo que o indeferimento do presente processo cautelar poderia implicar, com fortes probabilidades, a perda irreparável de alguns desses quadros, irrecuperáveis em caso de procedência a final da acção principal, face à diminuição de volume de trabalho dos mesmos para o IMI e da correspondente retribuição.
* O Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE, ora Recorrido, contra-alegou concluindo como segue: A. A discordância da recorrente com a douta sentença "a quo" centra-se na aplicação do direito, porque concorda com a matéria de facto nela dada por assente, ainda que indiciarimente, como sucede numa providência cautelar.
B. Ao contrário do defendido pela recorrente, o ato...
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