Acórdão nº 0843879 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução05 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3879/08 ......./03.6PAVCD-A Relatora: Olga Maurício Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

Em 17 de Julho de 2007, no processo acima identificado, o Ministério Público deduziu acusação contra B................., C............, D..............., E................, F............... e G.............., imputando-lhes a prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art. 137º, nº 1, do Código Penal.

E.............. e F................. requereram a realização de instrução.

Em 11 de Março de 2008 foi proferida decisão instrutória e nesta foi decidido: a) - não pronunciar os arguidos D............... e C................; b) - pronunciar os arguidos B..............., E.............., F................ e G.............. pelos factos e enquadramento jurídico constantes da acusação pública.

  1. H..............., assistente, recorreu da decisão, retirando da motivação as seguintes conclusões: 1ª - «Em sede de inquérito foram recolhidos indícios de prova suficientes para pronunciar os arguidos D.............. e C................ pelo crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo disposto no art. 137º, nº 1 do CP.».

    1. - «A certidão de nascimento do menor a fls, ..., o relatório pericial do IML a fls. ... , a certidão de registo predial de fls. ... a própria claúsula treze do contrato promessa de permuta, os requerimentos dirigidos à Câmara Municipal de Vila do Conde a fim de obter a licença de construção do terreno em nome, de acordo, com o conhecimento e assinados pelos arguidos C............ e D............., a notificação da Câmara Municipal de Vila do Conde dirigida a estes arguidos para vedarem a lagoa, o cumprimento desta notificação pelos referidos arguidos e as declarações das testemunhas id. a fls. ... que declararam que à data da morte do menor, bem como anteriormente, a área circunscrita ao lago não estava protegida ou vedada a fim de evitar que, designadamente, crianças fossem vítimas de tal situação, constitui prova indiciária suficiente para proferir despacho de pronúncia contra os arguidos D.............. e C................, pelo que o Tribunal a quo ao proferir despacho de não pronúncia e ao não submeter estes arguidos a julgamento violou a primeira parte do nº 1 do art. 308º nº 1, CPP».

    2. - «Há meramente indícios de que foi celebrado um contrato promessa de permuta constante de fls. ... dos autos, que não teve a virtualidade de transferir a posse do terreno onde se insere a lagoa em exclusivo para o arguido B.............., desde a celebração do alegado contrato, os arguidos D..............., C............. e B.................. passaram a ser em conjunto os possuidores do terreno».

    3. - «Os proprietárias/possuidores nunca vedaram o terreno onde se situa a pedreira, nem drenaram as águas acumuladas, não obstante terem assinado todos os requerimentos necessários à obtenção das licenças camarárias para construção do terreno, pelo que, se os proprietários/possuidores se interessaram e acompanharam as formalidades necessárias à obtenção das licenças camarárias, também deveriam ter actuado e se interessado em tomar medidas que evitassem pôr em perigo a segurança de pessoas».

    4. - «Houve assim a omissão de deveres que eram concretamente exigíveis aos proprietárias que eram em simultâneo possuidores do referido terreno, que violaram um dever objectivo de cuidado, conduta omissiva esta que levou à verificação da morte do menor I............».

    5. - «Há meramente indícios de que foi validamente celebrado e se manteve em vigor um contrato promessa de permuta, que foi analisado de forma indiciária, pelo que tal contrato não deve, só por si, nesta fase do processo, servir para afastar liminarmente a responsabilidade dos proprietários do aludido terreno na morte de uma criança».

    6. - «A prova produzida em sede de inquérito e em sede de instrução é uma prova indiciária, sendo por isso, e ressalvado sempre o respeito por melhor opinião, precipitado e prematuro o proferir do despacho de não pronúncia dos proprietárias/possuidores de uma lagoa carecida de protecção, afastando desta forma com toda a certeza, segurança e de forma irreversível a responsabilidade destes na morte dos autos».

    7. - «Pois só uma apreciação mais alargada, aprofundada e contraditória da prova poderá confirmar e traduzir juízos de certeza, pelo que se justifica a pronúncia dos arguidos D........... e C............... pelo cometimento do Homicídio negligente p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do CP, pelos factos indiciários constantes dos autos e indicados designadamente nas als. a) a m) do ponto III da presente motivação».

    Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso e que os arguidos D............. e C................ sejam pronunciados.

  2. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu e defendeu a manutenção de decidido porque, em síntese: - «... é perfeitamente plausível e correcta a decisão da Mmª Juiz de Instrução ao entender que os arguidos não praticaram ou omitiram condutas que possam traduzir um comportamento negligente ... - o terreno onde se situa a lagoa, propriedade dos arguidos D............... e C............., foi alvo de uma negociação celebrada entre os ora arguidos com o também arguido B............ ... Fruto das referidas negociações foi celebrado, entre os arguidos supra referidos, a 01.02.2000, um contrato, intitulado "contrato promessa de permuta" ... - ... de acordo com o disposto na cláusula treze, os referidos outorgantes autorizavam o segundo e sua representada a tomar posse do terreno alvo de permuta.

    - ... o referido contrato estava em vigor à data da morte do infeliz I............ ... - com base na cláusula treze do contrato promessa de permuta é perfeitamente defensável que a posse e o dever jurídico de actuar, evitando o resultado, transferiu-se dos arguidos D............ e C................ para o arguido B............... ... - ... após a celebração deste contrato apenas o arguido B.............. agia como se possuidor fosse ...».

    O arguido B............... também apresentou resposta, que termina com as seguintes conclusões: «1 - Das próprias alegações da recorrente, resulta que ao arguido B............... não pode ser imputada a autoria material do crime de homicídio por negligência, em causa nos autos.

    2 - Como nota a recorrente, apesar de o arguido B.............. ter celebrado com os proprietários do terreno onde o menor I.......... morreu em 14/07/2003, um contrato-promessa de permuta do mesmo, datado de 01/02/2000, a verdade é que todos os requerimentos dirigidos à C. M. de Vila do Conde relativos a esse terreno, continuaram, de acordo e com o conhecimento dos proprietários C.......... e mulher, a ser assinados por estes 3 - Todas as notificações da C. M. de Vila do Conde relativos ao mencionado terreno continuaram a ser a eles dirigidas, 4 - Não havendo qualquer acto relativo ao terreno praticado pelo arguido B...............

    5 - Mesmo após a morte do menor I............, todas as notificações da C. M. de Vila do Conde relativas ao terreno onde a mesma ocorreu continuaram a ser dirigidas aos arguidos proprietários, nunca ao arguido B................., SENDO QUE 6 - Nunca os arguidos proprietários recusaram as referidas notificações, ou invocaram que as mesmas já não deviam ser-lhes dirigidas, por bem saberem serem eles os únicos com direitos e poderes sobre o terreno.

    ALIÁS, 7 - Nem de outra forma poderia ser, já que o arguido B............ era mero detentor, possuidor precário, já que nem a posse da coisa detinha, POIS QUE, 8 - Apenas detinha o corpus, nunca exercendo o animus.

    ACRESCE QUE, 9 - Da cláusula TREZE do contrato-promessa, não se verifica a transferência ou a transmissão da posse, mas somente que a representada do arguido B.............. estava autorizada a tomar posse apenas para "... início da execução da obra", OU SEJA, 10 - Quer a acusação, quer a pronúncia, assentam no pressuposto errado de que se operou traditio da coisa, o que não ocorreu.

    POR OUTRO LADO, 11 - O contrato-promessa em causa é um documento particular e não autêntico, como teria de ser para afastar a presunção resultante do registo (Art. 7º do Cod. Reg. Predial), quer a titulada resultante do título de aquisição (Arts 1254º e 1259º do C.C.).

    ACRESCE AINDA, 12 - A presunção do Art. 1268º do C.C. de que o possuidor, que não é o arguido B.............., goza da presunção da titularidade do direito.

    FINALMENTE, 13 - Resulta expressamente do escrito particular que para chegar à fase de execução, a representada do arguido Belmiro tinha de, previamente, proceder à obtenção dos licenciamentos, após apresentação de todos os projectos indispensáveis, o que nunca aconteceu.

    ASSIM, 14 - Nunca o arguido B............. praticou sobre o aludido terreno qualquer acto típico de quem exerce o direito de propriedade da coisa: nunca fez e/ou assinou requerimentos às autoridades competentes, nunca delas recebeu qualquer notificação, nem nunca iniciou a qualquer obra ou construção no terreno.

    DAÍ QUE 15 - Ao contrário do entendimento da recorrente, nunca a posse do terreno passou a ser exercida em conjunto pelos arguidos proprietários e pelo arguido B...............» A final requer a rejeição/indeferimento do recurso na parte que lhe respeita.

    Os arguidos D............. e C............... apresentaram, igualmente, resposta e nesta dizem que celebraram com o arguido B............. contrato promessa de venda do prédio onde o menor faleceu. Apesar de formalmente se manterem como proprietários, desde a celebração do contrato os promitentes compradores tomaram posse do prédio e passaram a exercer os actos inerentes a tal qualidade.

  3. O recurso foi admitido.

  4. Remetido o processo para este tribunal o Sr. P.G.A. emitiu parecer no sentido de a decisão recorrida padecer de nulidade insanável decorrente da falta de competência da juíza de instrução para proferir aquela decisão.

    Isto porque a abertura de instrução foi requerida pelos arguidos...

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